ColaboradoresJosé Rico Pavés

Os gestos do Papa Francisco

"O gesto de lavagem dos pés que hoje vou fazer deve ser para todos nós um gesto que nos ajude a sermos mais servos uns dos outros, mais amigos, mais irmãos ao serviço".

4 de Maio de 2019-Tempo de leitura: 5 acta

Foto: ©CNS foto/L'Osservatore Romano via Reuters

Para que servem os gestos do Papa Francisco? Alguns meses após o seu pontificado, num encontro com catequistas durante o Ano da Fé, o Papa disse que gostava de recordar o que São Francisco de Assis disse aos seus frades: "Pregar sempre o Evangelho e, se necessário, também com palavras".Ele acrescentou: "que as pessoas possam ver o evangelho na sua vida, que possam ler o evangelho, que possam ver o evangelho na sua vida.". 

Neste ponto do seu pontificado, ninguém duvida que o Papa Francisco atribui tanta ou mais importância aos gestos do que às palavras. Para alguém que sabe que, na tarefa de evangelização, as palavras só devem ser usadas quando necessário, os gestos nunca são casuais. 

Nem sempre é fácil compreender o significado imediato dos gestos do Papa. No último mês vimos Francisco viajar para Marrocos, onde os católicos vivem em minoria; vimo-lo dar duas entrevistas em Espanha e no Reino Unido a meios de comunicação social que não são propriamente conhecidos pela sua afinidade com a Igreja Católica; e vemo-lo ajoelhar-se perante os líderes do Sul do Sudão e beijar-lhes os pés, implorando, para além do que as palavras podem proclamar, medidas eficazes para alcançar a paz. Este último gesto surpreendente culminou dois dias de um retiro espiritual sem precedentes em que o Papa convidou os líderes beligerantes a rezar. Um dia mais tarde, o exército tomou o poder num golpe de Estado que deu início a um novo período de incerteza neste conturbado país africano. É evidente que o Papa, que convida constantemente as pessoas a irem para as periferias, gosta de lá ir primeiro. Vemos isto na fronteira do diálogo inter-religioso, no palco mediático do secularismo beligerante e no campo dos conflitos armados. 

Mas será que estes gestos contam para alguma coisa? O tempo o dirá. Podemos agora escrutinar a sua motivação comum e aventurarmo-nos a interpretar o seu significado. É difícil registar os gestos no conjunto dos ensinamentos. Podemos ao menos procurar nas palavras o significado dos gestos para tentar compreender o seu alcance. Não há tempo mais propício do que a Semana Santa para descobrir a primazia dos gestos e para acolher a luz das palavras. Os ensinamentos do Papa durante o mês passado lançam luz sobre gestos que evocam referências, exprimem preocupações, sugerem respostas e propõem orientações. A liturgia evoca a referência insubstituível da origem e do objectivo; a reflexão sinodal, como manifestação da "viagem em conjunto", reúne as preocupações; as catequeses e encontros sugerem as respostas; as orientações e normas indicam as orientações, para que a Igreja responda no presente momento à nova etapa evangelizadora que ela é chamada a promover. Estas podem ser as coordenadas dentro das quais o desenho dos ensinamentos irá um dia revelar o significado dos gestos. 

Ao ritmo da liturgia

No final da Quaresma, o episódio da mulher adúltera "convida cada um de nós a ter consciência de que somos pecadores, e a deixar cair das nossas mãos as pedras da denigração e da condenação, dos mexericos, que por vezes gostaríamos de atirar aos outros".. O perdão começa uma nova história. 

A Semana Santa começa todos os anos com o mistério da aclamação exultante e a excitação feroz da entrada de Jesus em Jerusalém e a paixão até à morte. É também desta forma que Jesus nos ensina o caminho que devemos seguir. Contra a tentação do triunfalismo, Jesus reage com humildade. O triunfalismo alimenta-se de gestos e palavras que não passaram através do cadinho da cruz. 

Uma forma subtil e perversa de triunfalismo é a mundanização espiritual. "Jesus destruiu o triunfalismo com a sua paixão".. Impressionado com o silêncio de Jesus na Paixão, disse Francisco: "Em tempos de escuridão e de grande tribulação é preciso estar em silêncio, ter a coragem de estar em silêncio, desde que seja um silêncio manso e ingrato"..

Na Missa Crismal, o Papa concentrou-se na atitude de Jesus que permanece no meio do povo, no meio da multidão, e reflectiu sobre "três graças que caracterizam a relação de Jesus com a multidão".A graça de seguir, porque Jesus não rejeita aqueles que o rodeiam, o procuram e o seguem; a graça da admiração, porque as pessoas se maravilham dos seus milagres e da sua Pessoa, e Jesus, pela sua parte, maravilha-se da fé do povo simples; e a graça do discernimento, porque Cristo desperta nas pessoas a capacidade de reconhecer a sua autoridade. 

Considerando esta tripla graça, Francisco analisou então quem forma a multidão que segue Jesus, admira-o e reconhece-o: são os pobres, os cegos e os oprimidos. Com isto em mente, concluiu: "Caros irmãos padres, não devemos esquecer que os nossos modelos evangélicos são estas 'pessoas', esta multidão com estes rostos concretos, que a unção do Senhor realça e anima. Eles são os que completam e tornam real a unção do Espírito em nós, que foram ungidos para ungir".. O padre unge quando se distribui, quando distribui a sua vocação e o seu coração entre a multidão. "Aquele que aprende a ungir e abençoar é curado da mesquinhez, do abuso e da crueldade"..

Celebrando a Ceia do Senhor na prisão de Velletri, o Papa explicou porque a Igreja pede a lavagem dos pés na Quinta-feira Santa: para repetir o gesto de Jesus. "Esta é a regra de Jesus e a regra do evangelho: a regra do serviço, não de dominar, injustiçar ou humilhar os outros, mas do serviço!.   

Na oração do Via SacraFrancisco apelou por isso: "Jesus, ajuda-nos a ver na tua cruz todas as cruzes do mundo".para concluir: "Senhor Jesus, reaviva em nós a esperança da ressurreição e da vossa vitória definitiva sobre todo o mal e toda a morte"..

Na Vigília Pascal, comentando a passagem evangélica proclamada na liturgia, o Papa falou da Páscoa como a "Páscoa do mundo". "Festa da remoção das pedras": "Deus remove as pedras mais duras, contra as quais as esperanças e expectativas colidem: morte, pecado, medo, mundanismo... Esta noite cada um de nós é chamado a descobrir no Vivente Aquele que remove as pedras mais pesadas do coração".. É essencial ter um amor vivo com o Senhor para não cair numa fé de museu, pois Jesus não é uma personagem do passado, ele é uma pessoa que vive hoje. "Não se encontra com ele nos livros de história; encontra-se com ele na vida"..

Catequese e reuniões

Na sua primeira catequese de Abril, o Papa Francisco explicou o significado da sua viagem a Marrocos. Fê-lo seguindo os passos de dois santos: São Francisco de Assis, que há 800 anos conheceu o Sultão al-Malik al-Kamil, e São João Paulo II. E ele ofereceu duas explicações. Primeiro, perguntou-se porque é que um Papa visita muçulmanos e, no seguimento disto, porque é que existem tantas religiões.

A fim de eliminar o mal-entendido que poderia ter surgido de uma expressão do Declaração sobre a fraternidade humana para a paz mundial e a convivência em comum assinado conjuntamente com o Grande Imã de Al-Azhar em Abu Dhabi, Francisco recordou que a multiplicidade de religiões se deve à vontade permissiva de Deus, "mas o que Deus quer é fraternidade entre nós e de uma forma especial -Aqui está a razão para esta viagem. com os nossos companheiros filhos de Abraão, como nós muçulmanos fazemos. Não precisamos de temer a diferença: Deus permitiu-o".. A segunda explicação, tem a ver com a necessidade de "construir pontes entre as civilizações. Os migrantes merecem uma atenção especial a este respeito.

Após a catequese sobre o Pai Nosso, chegou o momento de explicar a petição "perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido".. A atitude correcta na oração é sempre começar por pedir perdão e reconhecer que estamos em dívida para com Deus, pois recebemos tudo d'Ele. 

No contexto da Semana Santa, o Papa quis oferecer uma catequese sobre a oração de Jesus durante a Paixão: "Façamos nossa a oração de Jesus: peçamos ao Pai que nos tire o véu dos olhos para que, nestes dias, olhando para o Crucificado, possamos aceitar que Deus é amor"..

O autorJosé Rico Pavés

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