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Três pontos para compreender a "Dignitas infinita".

Neste artigo, o padre e teólogo Ricardo Bazán analisa o tão esperado documento sobre a dignidade humana publicado esta semana pelo Dicastério para a Doutrina da Fé, com temas como o aborto, a ideologia de género e a maternidade de substituição, entre outros.

Ricardo Bazán-10 de abril de 2024-Tempo de leitura: 5 acta

Uma rapariga enche uma garrafa para transportar água potável em Buenos Aires. A pobreza é uma das mais de uma dúzia de questões abordadas em Dignitas infinita ©OSV News photo/Agustin Marcarian, Reuters

No passado dia 8 de abril, a declaração foi finalmente publicada. Dignidade infinita sobre a Dignidade Humana, do Dicastério para a Doutrina da Fé. 

É um documento há muito aguardado devido ao tema que aborda. Como salientou o Prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, Cardeal Víctor Manuel Fernández, na apresentação do documento, foram necessários cinco anos para chegar ao produto final, algo que vale a pena destacar, uma vez que nos encontramos perante um documento maduro e de modo algum improvisado, mas que passou por várias versões e sob a supervisão de muitos especialistas daquele Dicastério. 

Neste sentido, a declaração apresenta uma primeira parte (os três primeiros capítulos) que procura lançar as bases da dignidade humana, apoiando-se no magistério de São João Paulo II, Bento XVI e Francisco. Este último deu importantes contributos no quarto capítulo, onde é apresentada uma lista de graves violações da dignidade humana.

A origem da Dignidade infinita

O nome Dignidade infinitaA expressão "dignidade infinita" vem de uma citação de São João Paulo II por ocasião do Angelus com as pessoas com deficiência, para salientar que esta dignidade pode ser entendida como infinita, ou seja, que "ultrapassa todas as aparências externas ou características da vida concreta das pessoas". (Dignitas infinita, Apresentação). 

Isto permite-nos abordar um tema que é o fio condutor da declaração, a base de tudo o resto, e que é o facto de o homem possuir uma dignidade infinita que se baseia no seu próprio ser e não nas circunstâncias. 

Este aspeto é tanto mais importante para refletir nestes tempos em que a dignidade e tantas questões morais dependem de critérios totalmente arbitrários. É por isso que este documento é importante, não porque seja necessariamente inovador em termos da teoria da dignidade humana, mas porque ousa ir contra a corrente, fiel à missão da Igreja, que S. João Paulo II assinalou em Esplendor de Veritariscomo a diaconia da verdade.

Dignidade ontológica, dignidade moral, dignidade social e dignidade existencial

Outro ponto a salientar é a distinção que faz entre dignidade ontológica, dignidade moral, dignidade social e dignidade existencial. 

O primeiro é o conceito que o documento aprofunda e que consiste na dignidade que todos temos pelo simples facto de sermos pessoas, e que assenta em dois pontosexistir e ter sido desejado, criado e amado por Deus". (Dignitas infinita, n. 7). Lembra-te de que esta dignidade nunca se perde, não pode ser descartada e não depende de modo algum das circunstâncias, o que é demasiado frequente nos tempos que correm. 

O segundo significado, dignidade moralestá relacionada com a liberdade, ou seja, quando uma pessoa age contra a sua consciência, estaria a agir contra a sua própria dignidade. Trata-se de uma distinção muito útil, uma vez que a liberdade tende a ser concebida como uma mera capacidade de escolher entre uma opção ou outra, mas não é vista como uma capacidade que permite à pessoa crescer e aperfeiçoar-se precisamente quando é exercida e actuada corretamente, e muito menos quando a moralidade dos actos é entendida como dependendo do facto de ter efeitos sobre os outros ou de a pessoa sentir que fez algo de errado ou não.

Por outro lado, o dignidade social centra-se nos condicionalismos sociais em que as pessoas vivem. Estas condições podem ficar aquém do que a dignidade ontológica exige. Como não pensar em pessoas que se encontram em estado de pobreza extrema, que não têm acesso a água ou esgotos, crianças que sofrem de subnutrição, anemia e que nem sequer têm acesso aos serviços de saúde mais básicos. Por último, a dignidade existencial incide sobre as circunstâncias que não permitem à pessoa viver uma vida digna, não tanto na esfera material ou externa que contradizem a dignidade ontológica, mas que são condicionantes internas ou existenciais, como a doença, contextos familiares violentos, etc.

O Dicastério insiste numa distinção muito subtil mas potencialmente perigosa, preferindo utilizar o termo dignidade pessoal em vez de dignidade humana, uma vez que a pessoa é entendida como o sujeito capaz de raciocinar, pelo que se estivermos perante um sujeito que não possua essa capacidade, ou pelo menos não em pleno, então não será digno do reconhecimento da dignidade, por exemplo, um feto ou uma pessoa com uma doença ou deficiência mental. 

O texto, para além de todos os fundamentos que apresenta, considera que a dignidade humana está muito acima do que poderíamos pensar graças a três convicções: todos somos criados à imagem de Deus, Cristo elevou essa dignidade e a vocação à plenitude que temos, de sermos chamados à comunhão com Deus, algo que não se pode dizer de nenhuma outra criatura. 

Assim, entendemos que a Igreja deve ser a primeira a respeitar a dignidade humana, a promovê-la e a desempenhar o papel de garante da dignidade de todas as pessoas, sem exceção.

Violações da dignidade

Na apresentação do documento, o Cardeal Fernández conta como o projeto de texto foi enviado com o seguinte esclarecimento: "Esta nova redação tornou-se necessária para responder a um pedido específico do Santo Padre. O Santo Padre tinha pedido explicitamente que se prestasse maior atenção às graves violações da dignidade humana que se verificam atualmente no nosso tempo, na linha da encíclica Fratelli tutti. A Secção Doutrinal tomou, portanto, medidas para reduzir a parte inicial [...] e para elaborar mais pormenorizadamente o que o Santo Padre tinha indicado". (Dignitas infinita, Apresentação). 

Assim, o quarto capítulo oferece-nos uma lista, que não é exaustiva nem fechada, das graves violações que podemos encontrar no nosso tempo, muitas delas já conhecidas e sobre as quais o Magistério já se pronunciou, por exemplo, São João Paulo II em Evangelium vitaeEnquanto outras são violações mais presentes na sociedade contemporânea e que estão a ser gradualmente normalizadas ou são pouco faladas. 

Antes da publicação da tão esperada declaração, havia dúvidas sobre se ela abordaria a ideologia de género, uma vez que o Papa Francisco tinha declarado recentemente que "O perigo mais feio é a ideologia de género, que anula as diferenças". (Audiência do Papa Francisco com os participantes da conferência "Homem-Mulher Imagem de Deus. Por uma antropologia das vocações"). De facto, o texto aponta a teoria do género como uma das graves violações porque A "pretensão de negar a maior diferença possível entre os seres vivos: a diferença sexual. Esta diferença constitutiva não é apenas a maior que se pode imaginar, mas também a mais bela e a mais poderosa: ela realiza, no casal homem-mulher, a mais admirável reciprocidade e é, portanto, a fonte desse milagre que não pára de nos surpreender, que é a chegada de novos seres humanos ao mundo". (Dignitas infinita, n. 58).

Dignidade infinita é um contributo da Igreja para essa luta que, como sublinha o Papa Francisco, nunca acaba e nunca deve acabar (cf. Dignitas infinita, n. 63) quando se trata de direitos humanos e de dignidade humana, ao mesmo tempo que nos adverte contra a tentação de eliminar a dignidade humana como fundamento dos direitos humanos, para que estes sejam deixados ao sabor das ideologias e dos interesses dos mais fortes. 

A clareza do documento é apreciada na medida em que se refere às bases da dignidade humana, bem como às graves violações que podem ocorrer e, infelizmente, sempre ocorrerão, razão pela qual não é possível fazer uma lista exaustiva de todas as violações ou oferecer soluções para cada caso: "O respeito pela dignidade de cada pessoa é a base indispensável para a própria existência de qualquer sociedade que se pretenda fundada no direito justo e não na força do poder. É com base no reconhecimento da dignidade humana que são defendidos os direitos humanos fundamentais, que precedem e sustentam toda a convivência civilizada". (Dignitas infinita, n. 64).

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