Os três evangelhos sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas) registam um breve episódio em que as crianças são trazidas a Jesus. É assim que Mark o relaciona: "As crianças eram levadas até ele para serem levadas nos seus braços, mas os discípulos repreendiam-nas. Quando Jesus o viu, ficou zangado e disse-lhes: 'Deixem as crianças vir comigo, e não as impeçam, pois o reino de Deus pertence a tais como eles. Em verdade vos digo, quem não receber o reino de Deus como uma criança, não entrará nele". E, abraçando-os, abençoou-os e impôs-lhes as suas mãos". (Mc 10:13-16). Outra cena muito semelhante mostra Jesus tomando uma criança e dando-lhe o exemplo para os seus discípulos, uma vez que eles estavam a disputar sobre quem era o maior entre eles: "Para quem se humilha como esta criança, ele é o maior no reino dos céus". (Mt 18,4).
Jesus e as crianças
Não é raro as crianças aparecerem como protagonistas no Evangelho. Eles são um exemplo para esta "geração" descrente, que se assemelha àqueles que não respondem ao convite das crianças para cantar (cf. Mt 11, 16-17; Lc 7, 32). O louvor das crianças quando Jesus entra no Templo ultraja os chefes dos sacerdotes e os escribas, e Jesus vem em defesa deste louvor sincero e simples dos pequenos (cf. Mt 11,25), recordando-lhes as Escrituras: "Nunca leu: 'Das bocas das bebés e das crianças que mama preparou elogios'?" (Mt 21,16; cf. Sl 8,2).
Jesus também alimentou as crianças na multiplicação dos pães e dos peixes (cf. Mt 14,21; 15,38). O Mestre é o seu mais corajoso defensor contra aqueles que os maltratam, mesmo pelo seu mau exemplo: "Quem escandalizar um destes pequenos que acreditam em mim, seria melhor para ele ter uma pedra de moinho pendurada ao pescoço, do tipo que move um burro, e ser afogado nas profundezas do mar". (Mt 18, 6). Finalmente, Jesus exulta em acção de graças, porque os pequenos são os destinatários da revelação de Deus Pai (cf. Mt 11, 25).
Jesus e os pais
O episódio que comentamos, em Mateus e Marcos, segue o ensinamento de Jesus sobre a indissolubilidade do casamento. Esta sequência é significativa: uma vez que o homem e a mulher estão unidos para sempre no casamento, os filhos, fruto desta união, aparecem em cena.
Embora o evangelista não indique quem traz estas crianças a Jesus, o episódio anterior parece indicá-lo: os pais.
Há várias histórias milagrosas em que vemos pais a implorar a Jesus para curar os seus filhos. Jesus curou o filho do funcionário real (cf. Jo 4,46-54); expulsou o demónio da filha da mulher sirofenícia (cf. Mc 7,24-30); e o demónio mudo do rapaz cujo pai veio ter com Jesus quase desesperado implorando-lhe que o curasse (cf. Mc 9,14-29); ressuscitou a filha de Jairo dos mortos (cf. Mc 5,21-42). Em todos estes episódios, em algum momento da narrativa, são utilizados os termos que indicam "rapaz" ou "rapariga" (em grego, payíon, thygátrion): não se destinam a indicar a idade exacta (só no caso da filha de Jairus é que ela diz ter doze anos), mas como os seus pais os vêem: são "os seus filhos" que estão a morrer.
E assim a fama de Jesus como curandeiro dos mais fracos, incluindo crianças, cresceu. É fácil imaginar, portanto, pais trazendo os seus filhos pequenos, que ainda eram fracos, a Jesus para que ele os abençoasse, para que pela imposição das suas mãos, ou apenas tocando-os, ele os protegesse das doenças e do poder do maligno.
Jesus e os discípulos
O ensinamento de Jesus aos seus discípulos neste contexto é de grande significado. Jesus chega a "ficar zangado". (v. 14) porque os discípulos rejeitam as crianças que vêm ter com ele. Podemos ficar surpreendidos com esta atitude do Mestre. Que sentido pode ela fazer?
Jesus é o verdadeiro Rei e Messias de Israel. Ele inaugura o Reino dos Céus e pede aos seus discípulos que proclamem a sua vinda (cf. Mt 10,7). Um sinal de que este Reino chegou são as crianças, vistas na sua condição essencial: elas são pequenas, fracas, dependentes em tudo dos cuidados dos seus pais. Neste sentido, Jesus identifica-se com eles: "Quem recebe uma destas crianças em meu nome, recebe-me; e quem me recebe, não me recebe a mim, mas aquele que me enviou". (Mc 9:37). Jesus dirige-se ao Pai, chamando-o Abba (Mc 14:36), com o balbuciar de uma criança a chamar o seu pai. Poderíamos dizer que ele é o menor no reino dos céus (cf. Mt 11, 11). A condição essencial da criança é a de Jesus na sua relação íntima com o seu Pai. É possível compreender melhor a gravidade de impedir que as crianças se aproximem de Jesus. É como impedi-los de se aproximarem de Deus. Além disso, é como separar o próprio Jesus do seu Deus Pai. No fundo, sem se aperceberem, os discípulos estavam a rejeitar Jesus, impedindo as crianças de se aproximarem dele.
É comovente olhar para Jesus rodeado de crianças, brincar com elas, sorrir para elas, perguntar-lhes os seus nomes, a sua idade...; instruí-las a serem bons filhos dos seus pais, bons irmãos e irmãs...; e contar-lhes sobre o seu Pai Celestial. Uma cena terrestre e celestial ao mesmo tempo: esse momento foi uma manifestação clara de como será o Reino dos Céus na terra, e um reflexo de como será esse reino no futuro para aqueles que na terra se comportaram como crianças perante Deus.
Professor da Sagrada Escritura