Na primeira parte do seu Carta aos EfésiosPaulo falou do mistério escondido durante séculos e agora revelado: a Igreja, a família de Deus. Um dos sinais de identidade deste corpo é a unidade (Ef 2, 11-22). Mas, como se diz na segunda parte da carta, esta unidade é dada na diversidade: o corpo eclesial tem cabeça e membros, e tem de ser construído e desenvolvido de uma forma harmoniosa para uma plenitude. Neste processo vital, Cristo é a chave, pois ele não é apenas a cabeça que dá unidade ao corpo, mas é também o doador dos dons que lhe permitem desenvolver-se na diversidade. Este tipo de vida é falado a partir de Ef 4, sendo os vv. 1-16 o quadro no qual os princípios e instruções para a vida quotidiana desenvolvidos a partir do v. 17 são definidos.
Exortação à unidade e as suas razões (Ef 4, 1-6)
Nestes primeiros versículos, a carta, retomando palavras e ideias de outros escritos paulinos (1 Cor 12; Rom 12; Col 2-3), introduz toda a parte exortativa, insistindo na unidade dos crentes, recebida como uma graça (Ef 4,1-3), e dando uma série de razões pelas quais a unidade deve ser vivida e mantida (Ef 4,4-6). Em relação ao primeiro, após a regra geral ("que caminheis como a vocação para a qual fostes chamado", v. 1) são mencionados os meios concretos para viver o apelo (vv. 2-3): humildade, mansidão, compreensão, suportando-se mutuamente com amor, mantendo a unidade com o vínculo da paz. A unidade é certamente um dom recebido na Cruz, mas é também uma viagem a ser feita diariamente: foi recebida e, ao mesmo tempo, deve ser mantida e protegida por ser agente de paz e reconciliação.
Vv. 4-6, já de um tom diferente, são compostos por três séries de aclamações, nas quais há uma progressão. A primeira expressa que a vocação é um apelo a viver num único corpo (a Igreja), animado por um único Espírito (santo) e à espera de uma única glória (v. 4). O segundo fala do único Senhor que a constituiu, da única fé nele e do único baptismo (v. 5). O terceiro fala do único Deus e Pai de todos os seres criados, "que está acima de tudo, age através de tudo e está em tudo". (v. 6). A lógica da progressão é esta: é a partir da vida do corpo eclesial e em viver a sua fé em Cristo Senhor que a Igreja pode confessar Deus como o Pai de todos e em acção em todos. Ou, dito de outra forma: é porque a Igreja vive, como nova humanidadeO mundo é o que é, graças ao qual pode compreender melhor e dizer como Deus é o criador.
Diversificação de presentes (Ef 4, 7-16)
Com o v. 7 começamos a falar do valor da diversidade de dons em prol da unidade e do crescimento de todo o corpo: "Para cada um de nós [todos os cristãos]. a graça foi dada de acordo com a medida do dom de Cristo"..
Depois deste anúncio, v. 8 introduz uma citação do Sal 67 (68):19, que servirá de esboço para o desenvolvimento dos vv. 9-16: Por isso a Escritura diz: "Ele subiu ao alto, levando cativos, e deu presentes aos homens".. Este versículo, interpretado na tradição judaica como referindo-se a Moisés, que, tendo ascendido ao céu, recebeu as palavras da Lei para as dar aos homens, é adaptado cristológicamente por Paulo: Cristo foi exaltado (Ef 1, 20-22) (e levou cativo ao céu os poderes que mantiveram os homens cativos); deu dons (ministérios e outras graças) aos homens. A insistência está no protagonismo de Cristo e na diversidade na Igreja:
a) vv. 9-10. Cristo não ascendeu ao céu como Moisés, mas fê-lo depois de ter morrido (e descido ao lugar dos mortos), definitivamente glorioso, o que lhe permitirá estar presente em toda a criação (como o Pai no v. 6), fazendo com que a criação receba a sua plena e última vocação, a esperança da sua própria glorificação. O exaltado Cristo tem o poder de fazer viver e crescer a sua Igreja.
b) v. 11: "E nomeou alguns como apóstolos, alguns como profetas, alguns como evangelistas, alguns como pastores e professores".. Os dons que Cristo dá à Igreja para o seu bom funcionamento são precisamente os apóstolos, os profetas, os evangelistas, os pastores e os médicos, todos em função do Evangelho: proclamam-no, interpretam-no, pregam-no, ensinam-no. O próprio Cristo dá à Igreja o povo que lhe permite entrar no conhecimento do mistério e proclamá-lo. Não é a Igreja que os dá a si própria.
c) vv. 12-16. Estes versículos falam da finalidade dos dons e dos seus destinatários (todos os crentes) em duas fases: crescimento e estatura completa do corpo eclesial (vv. 12-13); não errar ou ser enganado (v. 14) e ir todos para Cristo e, de Cristo, para a Igreja (vv. 15-16). Cristo deu os Seus dons para preparar os santos para levar a cabo uma obra de serviço para a edificação do corpo de Cristo. O fim deste desenvolvimento é uma unidade que precisa de fé e conhecimento do mistério (a vontade de Deus em Cristo) a fim de caminhar em direcção ao homem perfeito (adulto, física e moralmente desenvolvido, em oposição ao infantil, menor e imaturo), sendo este o corpo eclesial, que tem desenvolvido harmoniosamente todas as suas faculdades. Os efeitos deste crescimento são a defesa contra doutrinas erradas que tentam os crentes com as suas falácias e com astúcia que conduz ao erro e, graças à realização da verdade no amor, crescimento e reunificação com a cabeça, Cristo, que é o que faz do corpo um todo harmonioso e sólido, capaz de cumprir a sua missão para com a humanidade e o resto da criação.
Professor do Novo Testamento, Universidade de Navarra.