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Cazaquistão, o país modelo de coexistência multi-religiosa

No Cazaquistão, as relações entre as várias confissões religiosas são muito boas, e tanto o Papa João Paulo II, quando visitou Astana em 2001, como o Papa Francisco fizeram questão de sublinhar este aspeto positivo da tolerância religiosa, que também pode servir de modelo para outros países.  

Carlos Lahoz-24 de julho de 2023-Tempo de leitura: 5 acta

Congresso dos Líderes das Religiões Mundiais e Tradicionais em Astana (Nursultan), setembro de 2022.

Em 17 de julho de 2023, entrou em vigor o Acordo Complementar ao Tratado Bilateral entre a Santa Sé e a Santa Sé. Cazaquistão. O principal efeito deste acordo será a obtenção de autorizações de residência para os agentes pastorais católicos que as solicitem. Embora o segundo artigo do Tratado assinado em 1998 já previsse que os missionários católicos vindos do estrangeiro pudessem obter vistos para entrar e viver no país, não previa a possibilidade de obter uma autorização de residência, que pode durar até 10 anos e é renovada quase automaticamente.

As relações entre as autoridades do país e a Igreja Católica são muito boas. Em resultado deste bom entendimento, esta notícia, há muito esperada, foi uma dádiva de Deus, uma vez que a Nunciatura estava a trabalhar neste sentido há cerca de cinco anos, tendo intensificado os seus esforços nos últimos anos.

Anos de trabalho

Os sacerdotes que trabalham neste grande país asiático devem muito aos esforços de D. Francis Chulikatt, Núncio na Santa Sé. Cazaquistão até 1 de outubro último. A assinatura deste acordo é fruto da sua constância nas relações com as autoridades do país e do aproveitamento da situação favorável proporcionada pela visita do Papa Francisco em meados de setembro de 2022. O documento foi efetivamente assinado em 14 de setembro, quando o Papa Francisco ainda se encontrava em Astana.

A primeira secção define com maior precisão quais as estruturas da Igreja Católica presentes no país (dioceses, paróquias, etc.); a segunda secção abre a porta à obtenção de uma autorização de residência para os agentes pastorais católicos que tenham um compromisso de longa duração numa destas estruturas.

Até à data, os padres e as freiras da antiga república soviética dispunham de um visto, chamado visto missionário, com uma duração de 180 dias e que pode ser renovado sem sair do país. Antes da pandemia do coronavírus, a legislação obrigava a deslocar-se todos os anos ao país de residência para obter um novo visto. Houve o caso insólito dos padres argentinos que se deslocaram ao Brasil (não há consulado cazaque na Argentina) para obter o visto: 14.000 quilómetros em cada sentido para servir os fiéis católicos cazaques, mais o custo dos bilhetes de avião e o cansaço da viagem.

O custo financeiro do visto atual é também elevado para as possibilidades dos padres e das freiras: 400 euros por ano, um montante não negligenciável se tivermos em conta que se trata de mais de 200 pessoas, incluindo padres e freiras. Por todas estas razões, a recente notícia do acesso a uma autorização de residência foi recebida com grande alegria e gratidão por todos os agentes pastorais católicos do país.

Para além do visto, os missionários devem receber uma autorização anual das autoridades locais para poderem exercer a sua atividade ministerial. Naturalmente, este requisito também se aplica aos representantes de outras religiões, incluindo a religião muçulmana, que é a religião maioritária no país, compreendendo mais de 70 % da população.

Um país de coexistência multi-religiosa

As relações entre as várias confissões religiosas são muito boas, e tanto o Papa São João Paulo II, quando esteve em Astana em 2001, como o Papa Francisco fizeram questão de sublinhar este aspeto positivo da tolerância religiosa, que também pode servir de modelo para outros países.

A nível governamental, uma eEncontro de líderes de diferentes religiões em Astana. Foi precisamente nesta reunião que o Papa Francisco participou em setembro passado. São convidados os líderes máximos de cada religião e, quando eles próprios não podem vir, enviam os seus representantes. No caso da Igreja Católica, é normalmente o Cardeal que dirige a Congregação para o Diálogo Inter-religioso, acompanhado por um bom grupo de colaboradores, o Núncio no Cazaquistão e vários bispos do Cazaquistão.

A nível local, as câmaras municipais organizam encontros com representantes das diferentes confissões, com o objetivo de se conhecerem e, assim, melhorarem as relações. Em Almaty, a cidade com o maior número de confissões religiosas representadas, registou-se uma evolução: inicialmente, os encontros eram organizados pelo conselho municipal e tinham lugar na sua sede: assumiam frequentemente a forma de mesa redonda, com temas como a tolerância religiosa, os jovens e a fé, as relações entre as várias religiões, o contributo das religiões para a paz.

Nos últimos anos, foi adotado um modelo mais flexível e menos formal: o município contrata uma agência para organizar os eventos e é esta agência imaginativa que convida os convidados. Se não faltam eventos mais solenes, como o Dia da Unidade dos Povos do Cazaquistão (1 de maio) ou o Dia da Concórdia Religiosa (18 de outubro), também se reúnem representantes de diferentes religiões para actividades desportivas e recreativas, como passeios em família aos locais mais pitorescos, torneios de futebol de cinco, de xadrez e de ténis de mesa, concursos de canções, jornadas de limpeza de jardins. Estes encontros constituem uma oportunidade para conhecer não só o clero, mas também os fiéis, colmatando assim as lacunas que, de outro modo, poderiam criar divisões entre o clero e os fiéis.

É habitual que, no final do Ramadão, o imã chefe da principal mesquita de Almaty convide as pessoas a comerem numa yurt (tenda nómada cazaque, que foi utilizada como habitação por muitas pessoas até há algumas dezenas de anos) ao pé da mesquita. Outros pastores protestantes também tomam a iniciativa de convidar as pessoas para exposições bíblicas ou simplesmente para tomarem uma refeição na sua igreja. Recentemente, o pastor da catedral ortodoxa, uma igreja de extraordinária beleza arquitetónica, convidou os visitantes a verem as obras de renovação que tinha realizado há meses.

Tratamento amigável

O contacto pessoal facilitou a amizade. Durante a pandemia, era comum que os vários clérigos se ajudassem mutuamente, fornecendo medicamentos ou alimentos a pessoas em situações de emergência. E, mais recentemente, conseguiram unir as nossas vozes para pedir à Câmara Municipal de Almaty que não cedesse as suas instalações a um grupo musical cujas canções e actuações prejudicam os jovens.

Pela minha experiência pessoal, posso dizer que os cazaques são muito respeitadores de todas as religiões e, mesmo que não sejam católicos, quando vêem um padre sentem uma certa reverência por uma pessoa de Deus. Uma vez, quando estava a terminar as minhas compras numa loja, um jovem que estava presente perguntou-me se eu era padre e, quando respondi afirmativamente, pediu-me que o deixasse carregar os meus sacos de compras até ao meu carro para - disse ele - poder pagar os seus pecados dessa forma.

Para fazer um breve resumo histórico, vale a pena recordar que a chegada do catolicismo ao Cazaquistão no século XX ocorreu de uma forma invulgar: como resultado das deportações de Estaline para o Cazaquistão durante a Segunda Guerra Mundial. Muitos dos deportados polacos, alemães, lituanos e coreanos eram católicos e conseguiram sobreviver com a ajuda dos habitantes do país. Além disso, alguns sacerdotes foram enviados para campos de concentração nas estepes do Cazaquistão e, depois de cumprirem as suas penas, continuaram o seu ministério sacerdotal em casas particulares. Desta forma, a fé foi mantida e, mais tarde, quando se tornou possível praticá-la ao ar livre, vieram sacerdotes de muitos lugares, especialmente da Polónia. Atualmente, mais de metade do clero católico é constituído por sacerdotes polacos.

O Cazaquistão foi a primeira república da antiga URSS a iniciar relações diplomáticas com a Santa Sé, no já longínquo ano de 1994, ou seja, apenas três anos depois de ter declarado a sua independência. Foi também a primeira a assinar um tratado bilateral, em 1998, apesar do facto de o número de católicos no país ser apenas de 1%, ou seja, menos de 200.000.

O autorCarlos Lahoz

Almaty, (Cazaquistão)

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