Cultura

Isabel SanchezUma pessoa que está a ser cuidada traz humanidade": "Uma pessoa que está a ser cuidada traz humanidade".

A sua experiência de vida, marcada por uma doença, e uma reflexão sobre a sociedade em que vivemos, levaram Isabel Sánchez a centrar o seu segundo livro na experiência e na necessidade de cuidar e de ser cuidado.

Maria José Atienza-25 de março de 2024-Tempo de leitura: 5 acta

Foto: Isabel Sánchez, autora de "Cuidar de nós próprios".

Há alguns anos, "a mulher mais poderosa do Opus Dei", como alguns meios de comunicação a descreveram, foi diagnosticada com cancro. O mundo estava a recuperar da pandemia de COVID-19 e Isabel Sánchez começou um período em que hospitais, enfermeiras, oncologistas e salas de espera passaram a fazer parte da sua rotina diária.

Como ela própria recorda, "pensava que estava bem e, de repente, o corpo toma conta de mim". Nessa altura, tinha acabado de publicar o seu livro Mulheres de bússola numa floresta de desafios e, vendo-se na pele do "cuidador", da pessoa que precisa de ser cuidada física e emocionalmente, levou-a a conceber a ideia de Cuidar de nós próprioso seu segundo livro, no qual aborda especificamente a grandeza do cuidado e do cuidador, bem como a necessidade de uma sociedade que cuida e é cuidada.

De tudo isto, Isabel Sanchez pronunciou-se nesta entrevista à Omnes, na qual destaca, entre outros aspectos

Todos os livros têm um processo. No caso de Cuidar de nós própriosComo é que se passa da ideia à escrita?

-O germe está dentro Mulheres de bússola numa floresta de desafios. Já aí começo a considerar os desafios da sociedade em que vivo. Tomo mais consciência de todo o ensinamento do Papa Francisco sobre a cultura descartável que é complementado pelo ensinamento de São João Paulo II sobre a vida. Acima de tudo, é influenciado pela constante chamada de atenção do Papa Francisco para o facto de vivermos na encruzilhada entre o descartar e o cuidar. É este o cerne deste livro.

A par de tudo isto, a vida - com a doença - coloca-nos na posição de para ser cuidado e apercebemo-nos de que nem todos temos essa mentalidade. Sobretudo quando nos sentimos mais autónomos, que foi o que aconteceu comigo.

Foi-me diagnosticada uma doença grave numa altura em que podia jurar que estava a ir muito bem. Depois apercebemo-nos de que somos uma entre milhões de mulheres com esse mesmo diagnóstico e essa mesma realidade. E não apenas por causa de uma doença grave, mas porque todas nós vamos ter de ser cuidadas.

Porque é que negamos esta realidade óbvia?

-Penso que estamos a caminhar para uma sociedade que vai implodir. Não vão poder cuidar de nós, se não nos propusermos a reconstruí-la de uma forma diferente, tanto em termos de infra-estruturas, como de economia, etc. ..... E sobretudo reconstruí-la de baixo para cima, em termos de coração, em termos de cultura.

A nossa sociedade, ao mercantilizar a pessoa, mercantilizou tudo, incluindo os cuidados de saúde. Qual é a opção que apresenta como a mais rápida, mais fácil e mais facilmente disfarçada de mais digno?: "Escolher morrer". Acho angustiante que, no século XXI, com todos os avanços técnicos, com a capacidade de educação que temos, esta seja a nossa fraca resposta e não possamos dizer: "a tua vida vale a pena até ao fim e vale a pena para mim, Estado; para mim, vizinho; para mim, família... e para ti. Estamos todos de acordo, vamos tratar disso".

Fala de um mudança culturalNão será esta uma abordagem utópica?

-É uma coisa de muitos anos, claro. Mas se nos roubarem a capacidade de sonhar, acabou-se!

O livro é, em parte, uma pequena semente de revolução, de continuação de uma revolução que não é minha, mas que foi iniciada por muitos factores: os pensadores, os promotores da ética do cuidado, a corrente cristã desde há 21 séculos e um Papa que amplifica toda esta mensagem.

Claro que pode ser feito! Há muitas pessoas apaixonadas pelos cuidados de saúde a trabalhar neste domínio.

Cuidar de nós próprios

Autor: Isabel Sanchez
Editorial: Espasa
Páginas: 208
Ano: 2024

No entanto, será que ainda vemos os cuidados como um fardo?

-Porque, por vezes, é um fardo.

No livro, o cuidado é tratado como florescimento, fadiga e celebração. Mas o cansaço existe. Muito mais se não houver reconhecimento social, se não houver apreciação, se não houver retribuição. Portanto, é um fardo. Podemos e devemos mudar isso.

Como equilibrar o papel de prestador de cuidados e de pessoa cuidada?

Penso que nos falta refletir sobre o que traz uma pessoa cuidada. É por isso que às vezes nos sentimos inúteis, ou como um travão. Estamos tão imbuídos da lógica da produtividade, da eficácia, de uma lógica mercantil, no fim de contas, que nos parece que se não dermos produção, resultados, economia, não estamos a contribuir.

No entanto, uma pessoa que é cuidada traz humanidade, traz a possibilidade de misericórdia, traz gratuidade e a oportunidade de gratuidade para quem cuida.

Uma pessoa que se deixa cuidar bem, com gratidão, com justiça - o que significa que exige os cuidados necessários e não outros - tem muito para dar. A pessoa que está a ser cuidada carece por vezes desse reflexo de auto-consciência do valor que contribui nessa posição.

Será esta uma reflexão que só a pessoa cuidada pode fazer?

-É essencial que o façam em conjunto. Porque se o prestador de cuidados sentir que está a dar um contributo, mas a outra pessoa não o reconhecer ....

Pode estabelecer-se um círculo virtuoso entre o prestador de cuidados e a pessoa cuidada. Surge uma nova relação, que traz algo de novo à humanidade. E o que ela traz é precisamente magnanimidade no cuidador e grande humanidade.

Este mundo tecnológico não pode conduzir-nos a um estado de frieza, sem sentimentos, sem espaço para essa amálgama de autonomia e vulnerabilidade que é plenamente humana.

Fala da pandemia, da dor como uma oportunidade. É sempre melhor sair da dor?

-Penso que a dor, o impacto, é uma grande oportunidade. Todas as revoluções começam com a dor. É assim que as coisas são. Tornámo-nos um mundo tão acelerado, superficial e disperso que não aproveitamos essas oportunidades.

A pandemia foi um grande choque, fez-nos tomar consciência de muitas realidades. Acredito que há pessoas que mudaram para melhor depois da pandemia e coisas que podem mudar para melhor. Talvez ainda seja cedo e, para além disso, tínhamos hábitos muito enraizados de individualismo, indiferentismo...

A pior pandemia de que sofremos é a superficialidade, não ter tempo para refletir e pensar nas consequências pessoais que retiro destas situações. Se queremos sair da pandemia com uma sociedade melhor, cada um de nós tem de sair melhor. É uma escolha pessoal e ainda há tempo.

Também me acontece que tento refletir e, não raramente, tenho de parar e perguntar-me de novo: "Eu, saí-me melhor?" E a luz acende-se, porque já me tinha esquecido desta pergunta, devido à aceleração que estamos a viver. Essa luz diz-me "Lembra-te! Já tiveste dois trovões que te dizem quais são as coisas importantes a que deves dar prioridade". É uma forma de sermos melhores, mas temos de nos empenhar nisso.

Deus é um grande cuidador e preocupa-se com cada um de nós.

Isabel Sánchez. Autor de "Taking Care of Ourselves

Temos consciência de que precisamos do outro e "escondemo-nos" dessa necessidade?

-Eu diria que sim. Foi muito revelador para mim ver uma série de anúncios de Natal, na altura da pandemia, e o tema eram os laços, as relações. Em todos eles.

Este ano, por exemplo, disseram-nos que estavam muito felizes por terem pessoas com quem partilhar as suas alegrias. Ninguém pode apagar essa saudade que sentimos tão fortemente. Nós queremo-lo. Então, porque não construir um mundo que nos permita tê-lo? Porque é que estamos a apostar no divórcio? expressoPorque é que não investimos as nossas melhores energias na preservação da relação com o outro para não a descartarmos tão rapidamente?

Temos um caminho a percorrer: refletir e construir. Esta é a proposta do livro.

Como pessoa dedicada a Deus no Opus Dei, podemos construir uma sociedade ligada sem acabar em Deus?

-O homem tem um grande desejo de Deus. Quando falamos de desejo de comunhão, de entrar verdadeiramente no outro, de alguém que nos faça crescer, que cuide de nós, que nos valorize..., talvez sem fé estejamos a imaginar alguém "perfeito" e inatingível. Mas o que acontece é que, no fundo, somos infinitos e isso só pode ser preenchido por um infinito.

A boa notícia é que Deus é um grande cuidador e está a olhar por todos. Ele diz: "Eu quero satisfazer todos os teus desejos. Deixa-me estar perto. Deixa-me apostar em ti, porque tudo o que vou fazer é afirmar-te".

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