Vaticano

Finanças do Vaticano, o que dizem os balanços do IOR e da Obrigação de São Pedro?

Entre o final da primavera e o início do verão, a Santa Sé publica os balanços anuais das suas entidades económicas mais importantes.

Andrea Gagliarducci-3 de julho de 2023-Tempo de leitura: 6 acta

Basílica de São Pedro ©CNS photo/Cindy Wooden

Os números publicados são importantes para compreender o estado das finanças do Vaticano, que estavam em crise mesmo antes da pandemia que afectou a economia do pequeno Estado. Entre o final de maio e o final de junho, foram publicados os balanços do Instituto para as Obras de Religião e da Bula de São Pedro. Estes balanços podem ser lidos em conjunto, cruzando os dados, para obter uma imagem mais completa da situação.

O que são o Óbolo di San Pietro e o Instituto para as Obras de Religião?

Mas antes de entrar em pormenores, convém fazer algumas explicações. O Instituto para as Obras de Religião, ou IOR, é uma instituição financeira da Santa Sé. É erradamente descrito como o "banco do Vaticano", mas na realidade não dispõe de todos os serviços de um banco e, sobretudo, não tem sucursais fora do Estado da Cidade do Vaticano. O seu objetivo é guardar os depósitos financeiros de certas categorias específicas de pessoas - desde os funcionários do Vaticano até às embaixadas da Santa Sé e às congregações religiosas - e assegurar a proteção e a utilização adequada desses depósitos.

A Bula de São Pedro, por outro lado, tem origens mais antigas, remontando mesmo aos Actos dos Apóstolos. Mas foram de facto os anglo-saxões, no século VIII, que começaram a enviar uma contribuição permanente ao Santo Padre, o Denarius Sancti Petri, que rapidamente se espalhou pelos países europeus. Pio IX abençoou esta prática, que depois se estendeu a vários países europeus, com a encíclica Saepe Venerabilis de 5 de agosto de 1871. Tratava-se de uma prática necessária, pois servia para apoiar a Santa Sé, que tinha ficado sem património após a tomada de Roma em 1870. Embora a utilização do óbolo se tenha diversificado ao longo do tempo, o apoio à Santa Sé continua a ser o principal objetivo da coleção.

O balanço do IOR

O aspeto mais interessante do balanço do IOR diz respeito ao valor de TIER 1, ou seja, a principal componente do capital de um banco. De acordo com uma leitura comum, o IOR foi empobrecido por certas operações financeiras, nomeadamente o investimento da Secretaria de Estado num edifício em Londres. Nessa ocasião, a Secretaria de Estado tinha solicitado um empréstimo ao IOR, que o tinha recusado. Estávamos em 2019, e a TIER 1 era de 82,40 %. Mas o último balanço, o de 2022, mostra um TIER de 46,14 %. Em 2021, era de 38 %. Um valor melhorado, sem dúvida. Mas continua a revelar uma redução do capital para metade.

Em relação a 2021, há mais funcionários (eram 112), mas muito menos clientes: em 2021, o IOR tinha 14.519 clientes. Dado que a triagem das contas consideradas incompatíveis com a missão do IOR está há muito concluída, a primeira impressão é que o IOR deixou de ser um local atrativo para os seus primeiros clientes, nomeadamente as instituições religiosas.

Em 2022, o IOR registou um lucro líquido de 29,6 milhões. Trata-se de um aumento significativo em relação ao ano transato, embora a tendência decrescente pareça ter-se mantido desde 2012, ano em que os lucros atingiram 86,6 milhões. Em 2013, os lucros tinham sido de 66,9 milhões, em 2014 de 69,3 milhões, e estes foram os anos em que as reservas de poupança ainda estavam a ser utilizadas. Depois, em 2015, o relatório apresenta um lucro de apenas 16,1 milhões de euros. Tudo se estabilizou então num limiar de lucro de cerca de 30 milhões: 33 milhões em 2016, 31,9 milhões em 2017, uma queda para 17,5 milhões em 2018, um regresso a 38 milhões em 2019 e 36,4 milhões em 2020. Em 2021, o primeiro ano pós-pandemia, os lucros foram de apenas 18,2 milhões.

No entanto, os lucros de 2022 devem incluir também os 17,2 milhões de euros apreendidos aos antigos presidentes do IOR, Angelo Caloia e Gabriele Liuzzo, que foram responsabilizados por desvio de fundos e branqueamento de capitais cometidos no âmbito do processo de alienação dos enormes ativos imobiliários detidos pelo Instituto e pelas suas filiais, SGIR e LE PALME. As condenações de Caloia e Liuzzo são definitivas a partir de julho de 2022 e, se a sua compensação tivesse sido orçamentada, ainda estaríamos a falar de um lucro real inferior a 20 milhões de euros.

Não é uma situação muito próspera, para ser sincero. Destes lucros, 5,2 milhões de euros foram distribuídos: 3 milhões de euros para as obras religiosas do Papa, 2 milhões de euros para as actividades caritativas da Comissão Cardinalícia, 200.000 euros para as actividades caritativas coordenadas pelo prelado do Instituto.
Os fundos para as obras de caridade flutuam: o Fundo para as Santas Missas ascende a 1347 milhões de euros em 2022, enquanto em 2021 era de 2219 milhões de euros, uma queda drástica; o Fundo para as Obras Missionárias, por outro lado, passa de 89 milhões de euros em 2021 para 278 milhões de euros em 2022.

Estes são os principais números de um balanço que tem de fazer face às crises internacionais, mas que também paga o desinvestimento de antigos investimentos. A justificação é que os critérios "éticos" dominam atualmente as escolhas da instituição e que esta só investe em fundos ditos "católicos". No entanto, não se pode dizer que os investimentos anteriores não eram católicos ou eram excessivamente especulativos.

De facto, para sermos justos, tem havido um aumento do investimento especulativo desde 2013, no início do que tem sido caracterizado como a gestão do IOR sob o Papa Francisco.

O obolo de São Pedro

O Óbolo de S. Pedro também não está em muito bom estado, e isso deve-se também ao facto de a crise internacional estar a ter impacto nas ofertas que os fiéis enviam para Roma. Além disso, há campanhas mediáticas que sugerem que o dinheiro do óbolo foi utilizado para actividades especulativas, especialmente pela Secretaria de Estado.

A verdade é que a Obrigação foi criada precisamente para apoiar a Cúria, ou seja, a missão do Papa, e que só secundariamente se destina à caridade direta do Papa.

Os pormenores deste relatório anual recentemente publicado são interessantes.

Alguns números da divulgação anual, apresentada apenas com os números de 2022, mas sem possibilidade de comparação com 2021: o fundo Óbolo pagou 93,8 milhões de euros em 2022. Deste valor, 43,5 milhões vieram das ofertas recebidas em 2022, enquanto os outros 50,3 milhões vieram da gestão de imóveis. Na prática, o encaixe foi feito através da venda de alguns imóveis detidos pelo Óbolo.

As receitas do Óbolo em 2022 foram de 107 milhões de euros, sendo que apenas 43,5 milhões tiveram origem em donativos, que vieram da coleta do Dia de São Pedro e São Paulo, mas também de doações directas e heranças. Como já foi referido, 77,6 milhões destinaram-se a apoiar as actividades da Santa Sé (70 dicastérios, agências e organismos), o que não é de estranhar, pois era esse o destino inicial da coleta, que tem origens muito antigas e foi revitalizada no século XIX, após a queda dos Estados Pontifícios, precisamente para apoiar o Santo Padre. Os restantes 16,2 milhões, por outro lado, foram destinados a projectos de ajuda direta aos mais necessitados.

O valor mais interessante, no entanto, é obtido através da análise dos dados de 2021. A divulgação anual de 2021 indicava que o Obolo contribuiu com 55 milhões para os 237,7 milhões de despesas dos dicastérios do Vaticano. Em 2022, porém, o Óbolo contribuíram com 20% das despesas dos dicastérios, enviando 77,6 milhões. As despesas dos dicastérios elevam-se, por conseguinte, a 383,9 milhões, ou seja, quase 150 milhões mais do que no ano passado.

Um quadro mais completo

Para se ter uma ideia mais completa da situação financeira do Vaticano, é preciso esperar pelo balanço da Administração da Sé Apostólica (APSA), o chamado "banco central" do Vaticano, que gere atualmente todos os fundos, e depois o da Cúria, o chamado "orçamento de missão". Em particular, será preciso ver como foram feitas as poupanças ou os cortes e se houve novas consultorias que aumentaram os custos.

O orçamento das províncias, que não é publicado há algum tempo, é também aguardado com expetativa. O orçamento inclui também as receitas dos Museus do Vaticano. Estes foram gravemente afectados pelo encerramento devido à pandemia, mas continuam a ser a maior fonte direta de receitas da Santa Sé.

É certo que a situação financeira não é cor-de-rosa, mas é difícil, nesta dança dos números, perceber até que ponto se deve aos erros da gestão anterior, que também foi objeto de alguns processos judiciais no Vaticano. Tanto mais que a anterior direção, com os números na mão, gerou mais lucros.

Será necessário algum tempo para se ter uma definição exacta da situação financeira da Santa Sé.

E depois disso, terão de ser feitas reformas, a começar pelo Fundo de Pensões, que servirá para garantir as pensões também para a próxima geração.

O autorAndrea Gagliarducci

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