Livros

"Educar na contemplação da beleza é abrir a mente à sua essência".

Maria Teresa Signes assinala que a contemplação no contexto da educação anda de mãos dadas com a escuta: Aceitar quem se é, sem cair numa auto-contemplação superficial.

Maria José Atienza-8 de Março de 2021-Tempo de leitura: 6 acta
a beleza da contemplação

Foto: Juan Di Nella /Unsplash

Maria Teresa Assina, é vice-reitor, professor dos graus de Educação na Universitat Abat Oliba CEU (UAO CEU) e membro do grupo de investigação "Família, Educação e Escola Inclusiva" (TRIVIUM) da UAO CEU. Juntamente com outros professores, ela escreveu o livro Pandemia e resiliência: contribuições académicas em tempos de criseno qual dedica um capítulo a O poder da beleza em tempos de pandemia. Ele discutiu estas reflexões com Omnes, numa conversa sobre beleza, natureza humana e transcendência.

Neste livro faz alusão à proeminência da arte, nas suas múltiplas manifestações, como um "refúgio" durante a pandemia. Pensa que este hiato forçado nos obrigou a virar o olhar para o que realmente nos define como seres humanos - criadores de beleza? Será que aprendemos a valorizar mais a beleza quotidiana que nos rodeia, por exemplo, a natureza?

R.- De facto, a situação inesperada em que todos nos encontrámos há cerca de um ano atrás significou uma "paragem forçada" na nossa dinâmica diária. Toda a actividade por vezes frenética que desenvolvemos diariamente foi completamente alterada, não com uma redução, mas com um confinamento que nos isolou do resto dos membros da comunidade, deixando-nos apenas com a companhia das pessoas com quem vivemos e, em alguns casos, na mais absoluta solidão.

Não esqueçamos que Aristóteles já disse que o homem é um ser social por natureza e argumentou a sua afirmação sobre a necessidade que temos para os outros, não só para a nossa sobrevivência física, mas também para a nossa sobrevivência espiritual. Neste sentido, relatórios recentes mostram que a situação pandémica e o isolamento social que dela resultou está a causar um aumento considerável dos problemas de saúde mental. Tudo isto é obviamente acompanhado pela difícil situação económica e crise social que tem sido gerada ao longo do último ano.

A arte tem sido um mecanismo de defesa, têm sido encontradas formas de expressar medos e angústias e também de expressar emoções e lidar com elas.

É neste contexto complexo que surgiram iniciativas que tiveram como pano de fundo actividades culturais e artísticas. Neste sentido, a arte tem sido um mecanismo de defesa e prevenção desde que, através da pintura, música, literatura, etc., foram encontradas formas de expressar medos e ansiedades, bem como modelos resilientes para expressar emoções e mesmo para lidar com elas.

A arte, em todas as suas formas, também permite processos de mimese e catarse. Mimese na medida em que permite ao ser humano identificar-se com certas situações e catarse na medida em que esta identificação torna possível a sua transformação e, portanto, a superação destas situações complexas.

A capacidade de criar, mesmo em situações traumáticas, realça a necessidade do homem de expressar as suas emoções através do trabalho artístico.

Os seres humanos são os únicos seres capazes de serem movidos por uma obra de arte, especialmente no momento em que se identifica com ela e é também o único ser que cria arte. Ao longo da história da humanidade, há muitas obras de arte que mostram a angústia que o homem tem sentido em certos momentos da história. Muitas obras de arte, especialmente pinturas, representam os medos que foram sentidos face a certos acontecimentos, tais como epidemias, guerras e a representação da própria morte como um acontecimento aterrador. Esta capacidade de criar em situações complexas e mesmo traumáticas destaca a necessidade do homem de expressar as suas emoções e sentimentos através de obras artísticas.

Do mesmo modo, a situação criada como resultado da pandemia provocou uma mudança considerável nos hábitos e rotinas das pessoas. Para além das consequências positivas, poderíamos dizer, que isto teve para o ambiente - refiro-me à considerável redução da poluição ambiental devido à redução do tráfego de veículos, aviões, barcos, etc., bem como à criação de algumas espécies animais - também provocou uma nova perspectiva em relação à natureza, bem como em relação às coisas do dia-a-dia.

O isolamento social e pessoal permitiu-nos valorizar as coisas que passam despercebidas no nosso dia-a-dia, precisamente porque são quotidianas. Em demasiadas ocasiões pensamos que a nossa realidade será o que é, eternamente, sem considerar quão efémera pode ser a nossa própria vida. A perda desta vida quotidiana permitiu-nos valorizar muito mais as pequenas coisas, um café com um amigo, com colegas de trabalho, uma saudação, um passeio, observando a mudança que ocorre na Primavera quando as amendoeiras florescem, um olhar, um sorriso..., há tantas coisas que compõem o quotidiano... Confio que tudo o que nos aconteceu nos ajudará a valorizar a realidade das pequenas coisas que são, em última análise, o que nos ajuda a tomar consciência de quem somos e de como é importante respeitar a natureza que tanto nos dá.

O livro

TítuloPandemia e resiliência. Contribuições académicas em tempos de crise
AutorMarcin Kazmierczak, María Teresa Signes e Cintia Carreira Zafra
Editorial: Eunsa
Ano: 2020
Páginas: 424

Há algum tempo atrás, uma fotografia ficou viral de vários estudantes do Louvre a olhar para os seus telemóveis sem prestar atenção à Mona Lisa. Neste sentido, como podemos educar as pessoas, desde tenra idade, a contemplar e não apenas a olhar? Como podemos desenvolver um espírito crítico face à auto-contemplação oferecida pela cultura mediática?

R.- A primeira coisa a considerar é a diferença entre ver, olhar e contemplar. Vendo, vemos porque temos olhos, e neste sentido, podemos ver a vida passar diante dos nossos olhos. Olhar implica a intenção de analisar o que vemos. É, portanto, mais um passo na nossa relação com a realidade.

O olhar, portanto, não é indiferente, mas envolve ir além da imagem captada pelos nossos olhos. Neste sentido, o olhar permite-nos conhecer e apreender, ou seja, tornar o nosso próprio, parte da realidade e do outro, e mesmo de nós próprios. No entanto, a contemplação implica transcender a realidade, entrando mais profundamente nela a ponto de procurar a verdade dentro daquilo que estamos a ver.

Pasme permite-nos chegar à essência das coisas, tomando consciência do que as coisas são. Quando falamos de contemplação, não estamos a falar de uma tarefa que não fazemos com os nossos olhos, nem mesmo com o nosso cérebro, mas com a nossa alma.

Olhar permite-nos conhecer e apreender, ou seja, tornar o nosso próprio, parte da realidade e do outro, e mesmo de nós próprios.

De facto, se queremos que as nossas crianças e adolescentes sejam pessoas inteiras e capazes de contemplação, devemos educá-los para que o possam fazer. Para tal, devemos ensinar-lhes desde tenra idade a importância do silêncio. Esta não é uma tarefa fácil numa sociedade que evita o silêncio.

Numa sociedade que não considera isolar-se do ruído dos meios de comunicação, provavelmente porque significa encontrar-se interiormente, e isto é demasiadas vezes assustador.

As crianças e adolescentes devem ser educados para poderem ouvir-se a si próprios, porque só quando forem capazes de se ouvirem a si próprios é que poderão ouvir os outros.

A contemplação no contexto da educação anda de mãos dadas com a escuta. E a escuta começa por si próprio. Aceitar quem somos, sem cair numa auto-contemplação superficial que leva à arrogância e ao isolamento pessoal, não é fácil. Educar neste sentido significa educar o julgamento como uma capacidade que nos permite raciocinar. Ter um bom julgamento crítico significa ter uma maturidade física e mental que é o resultado de uma boa educação, não só na escola mas também na família. O espírito crítico deve começar por ser aplicado a si próprio, podendo ver qual deve ser o sentido da vida, sempre com humildade e o reconhecimento da nossa vulnerabilidade e contingência.

Nesta situação, as famílias e os professores têm uma tarefa árdua, uma vez que a actual cultura mediática, marcada por uma visão materialista, secularizada e, em demasiadas ocasiões, personalista, dificulta a educação dos mais jovens.

Max Jacob afirmou que a forma mais segura de alcançar o bem é a beleza. São Tomás de Aquino desenvolveu a "Via Pulchritudinis" como uma das formas de conhecer Deus. Pensa que a educação para a beleza pode ser uma forma de transcendência para a sociedade de hoje? 

R.- De facto, educação na beleza significa educar na transcendência e para isso contamos com a contemplação como a forma de discernir o que é belo, indo mais fundo através dela e alcançando, como dissemos, a própria essência das coisas.

Na cultura pós-moderna em que nos encontramos imersos, podemos ver como é difícil produzir um encontro autêntico não só entre pessoas diferentes, mas também entre o próprio homem e ele próprio e, claro, com o verdadeiro significado da vida humana.

Assim, torna-se evidente a necessidade de gerar actividades que permitam a emergência da natureza mais profunda do homem, com uma identidade bem constituída e articulada, baseada nas suas capacidades e potencialidades, dentro de um processo contínuo de procura de si próprio e da verdade.

Educar na beleza significa educar em profundidade, transcendendo a própria obra de arte. Recordemos as palavras do Santo Padre João Paulo II quando na sua Carta aos artistas, disse ele: Ao modelar uma obra, o artista expressa-se na medida em que a sua produção é um reflexo singular do seu próprio ser, do que ele é e como ele é..... Através das obras produzidas, o artista fala e comunica com os outros. A história da arte, portanto, não é apenas a história das obras, mas também a história das pessoas..

Educar o olhar para a contemplação da beleza é abrir a mente humana à sua própria essência e à sua própria identidade.

A definição do que é belo, como um conceito ligado à análise epistemológica e afectiva que surge da interacção da pessoa, consigo própria e com o mundo à sua volta, deve ser entendida como mais um elemento do processo educativo. E portanto, a educação para a beleza pode ser considerada como uma forma de transcendência para a sociedade de hoje em relação ao belo e ao verdadeiro.

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