Hoje é a festa de Corpus Christi, uma tradição secular na Igreja que surgiu num momento de renovação eucarística com o desejo de redescobrir a importância da Eucaristia e a fé na transubstanciação, a transformação do pão e do vinho no Corpo e Sangue de Cristo no momento da consagração.
É um acontecimento essencial na vida da Igreja, um sacramento instituído por Jesus Cristo na Última Ceia com o mandato de a Igreja o continuar a celebrar. Nas palavras de São João Paulo II, "a Igreja vive da Eucaristia" (da encíclica Ecclesia de Eucharistia, n. 1).
O Corpus Christi é tradicionalmente celebrado na quinta-feira após o domingo da Santíssima Trindade, embora a celebração se prolongue normalmente até ao domingo seguinte.
Origem de Corpus Christi
A festa de Corpus Christi tem as suas origens na Idade Média e foi celebrada pela primeira vez no século XIII na diocese de Liège, na Bélgica, em 1246.
Entre outros milagres eucarísticos, destaca-se o de Bolsena (Itália), em que uma hóstia consagrada começou a sangrar enquanto um sacerdote que duvidava da presença real de Cristo na Eucaristia celebrava a missa. A particularidade deste milagre é que, para além de terem sido inspeccionadas pelo Papa, as espécies sacramentais foram também inspeccionadas por S. Tomás de Aquino, como indica a sítio web dos milagres eucarísticos do Beato Carlo Acutis.
O sacerdote era Pedro de Praga, que se deslocou a Itália para pedir uma audiência ao Papa. Esteve em Orvieto com alguns cardeais e teólogos, entre os quais São Tomás. De regresso à Boémia, Pedro de Praga celebrou missa numa igreja de Bolsena, onde se deu o milagre. Depois de ter aprovado a sua autenticidade, o Papa decidiu instituir a festa de Corpus Christi para toda a Igreja, e não apenas para a diocese de Liège, através da bula Transiturus de hoc mundo ad Patremem 1264. Também encarregou São Tomé de criar a liturgia e os hinos a Jesus no Santíssimo Sacramento.
A partir do século XIV, a tradição do Corpus Christi reforçou-se, tendo sido acrescentado um outro elemento: as procissões, que foram instituídas pelo Papa João XXII em 1317. Estas procissões tinham regras específicas, embora ainda não incluíssem a procissão com a hóstia consagrada. Foi em 1447 que o Papa Nicolau V introduziu a procissão pelas ruas de Roma com a Eucaristia.
Em Espanha, a festa de Corpus Christi começou no início do século XIV. Conservam-se alguns documentos que falam das primeiras celebrações e de como se efectuava a procissão. Por exemplo, há um texto do abade Alonso Sánchez Gordillo (1561-1644), de 1612, que conta como era feita a procissão com a custódia em Sevilha: "a custódia era levada, devido ao seu grande peso, por doze homens [...] que estavam vestidos com roupas de linho vermelho, e eram colocados sob a cobertura dos estrados" (Universidade de Almeria).
A procissão e as monstrancesas
À medida que se tornava uma festa tradicional e popular, a celebração religiosa do Corpus Christi foi também sendo gradualmente polvilhada com elementos profanos: "danças, representações teatrais, música profana, gigantes, cabeçudos e mojarrilhas - que divertiam o povo com o barulho de bexigas insufladas com pedrinhas" (explica o Universidade de Almeria). De especial importância era a tarasca, uma representação de uma cobra gigante que liderava o desfile.
Perante os protestos de alguns bispos, Carlos III proibiu as danças, os gigantones e outras manifestações profanas que acompanhavam a procissão em 1777 e 1780.
Actualmente, algumas procissões mantêm o seu antigo percurso, como é o caso de Sevilha: o percurso que a procissão seguia pelas ruas foi estabelecido em 1532 e é o mesmo que é utilizado actualmente.
Outro elemento importante desta celebração são os ostensórios, que costumam ser objectos valiosos e muito ornamentados. Quando se iniciou a tradição do cortejo processional, a Eucaristia era transportada numa arca, e só em 1587 é que se começou a utilizar a custódia para sair à rua.
Alguns dos ostensórios utilizados nos nossos dias são muito antigos. O ostensório conservado na catedral de Toledo e utilizado na procissão da Corpus data do século XVI e foi realizado pelo ourives Enrique de Arda; o da catedral de Sevilha é da autoria de Juan de Arfe Villafañe, também do século XVI. Por seu lado, a catedral de Valência possui o maior ostensório do mundo, com seiscentos quilos de prata e cinco de ouro, para além de pedras preciosas e pérolas.
Tradições populares
A festa de Corpus Christi é também pontuada por tradições folclóricas locais em quase todas as regiões do mundo. No Peru, a procissão é acompanhada por danças tradicionais como a Danza de los Negritos, os Voladores de Papantla ou os Quetzales.
No México, há uma tradição de oferecer mulas como prenda, devido a uma história antiga que conta que a mula de um homem que estava a pensar em seguir uma vocação sacerdotal se ajoelhou quando a custódia com a Eucaristia passou.
Entretanto, em algumas regiões do Panamá, especialmente em La Villa de los Santos e Parita, há o costume de se disfarçarem de demónios, que dançam durante a procissão e acabam por se render a Cristo Eucarístico e retirar as suas máscaras. Estas danças foram declaradas Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO.
A Eucaristia na vida da Igreja
Todas estas manifestações sublinham a importância da Eucaristia neste dia. Na encíclica de S. João Paulo II acima citada, Ecclesia de EucharistiaRecordando a instituição deste sacramento por Jesus Cristo, o Papa pergunta: "Será que os Apóstolos que participaram na Última Ceia compreenderam o significado das palavras que saíram dos lábios de Cristo? Talvez não. Essas palavras só teriam sido plenamente esclarecidas no final da Triduum sacrum(...) Do mistério pascal nasce a Igreja.
É precisamente por isso que a Eucaristia é o sacramento por excelência do mistério pascal, está no centro da vida da igreja. É o que se depreende das primeiras imagens da Igreja nos Actos dos Apóstolos: "Dedicavam-se à doutrina dos apóstolos e à comunhão, à fracção do pão e às orações" (2, 42). (...) Passados dois mil anos, continuamos a reproduzir essa imagem primordial da Igreja".
A Eucaristia realiza, em suma, uma das últimas promessas de Cristo antes da Ascensão: "E sabei que estarei sempre convosco, até ao fim dos tempos" (Mt 28,20).