No dia 19 de outubro (2023), na sequência da trágica notícia de um jovem rapaz num jovem, em OKdiario Deparei-me com um comentário que me chamou a atenção.
Transcrevo-a de seguida, tal como foi publicada:
"O problema não são as redes sociais ...... mas sim uma juventude inculta, formada numa fase educativa deficiente, com maus professores, sem disciplina, sem objectivos a atingir ..... que chega aos 25 anos acreditando que a vida é uma selva e sem saber como ganhá-la com o seu próprio esforço.
Catequizam tudo em junho e os pais levam-nos para a praia ...... para dormir durante o dia e beber, snifar e fazer sexo à noite ....... em setembro voltam à "escola" à custa do suor do trabalho dos avós ...... Este é um país de deficientes mentais.
Nem sequer são suficientemente bons para ir trabalhar para o estrangeiro.... não são procurados em lado nenhum.... mal sabem gramática espanhola..... ou como lavar copos.
Uma minoria educada em famílias inteligentes e em escolas pagas termina os seus estudos e consegue empregos de 3.000 euros por mês e um bom futuro e, em muitos casos, acaba por ficar bem colocada no estrangeiro.
Conheço inúmeras crianças entre os 5 e os 13 anos que se deitam, se levantam, se sentam à mesa com os pais e têm o telemóvel na mão a ler disparates..... coitadinhos daqui a uns anos..... batatas cozidas para comer e óleo de coco..... para acordarem com tudo aquilo que não foram obrigados a acordar pelos pais".
O autor foi Luis e, em resposta, houve outro comentário de José, que disse
"Não podia ser melhor explicado".
Faço eco do comentário porque penso que há muitos que sentem o mesmo. Não me considero um especialista em sociologia suficiente para justificar ou refutar a visão da juventude espanhola de hoje expressa por Luis - apoiado por Pepe - com demasiada crueza e, certamente, com a sua melhor intenção de ajudar a corrigir o que precisa de ser melhorado no domínio da educação de crianças, adolescentes e jovens. Mas considero necessário, por uma questão de justiça, clarificar o meu próprio pensamento, que é contrário, nalguns aspectos, ao expresso por Luis:
Pela minha experiência no trato e trabalho com os jovens, posso afirmar que a juventude de hoje também possui, enquanto geração, muitas virtudes - responsabilidade cívica, empenhamento social e envolvimento na luta pela igualdade, entre outras - que precisam de ser reforçadas.
E no que respeita ao corpo docente, a grande maioria dos profissionais que conheço e com quem tenho lidado são altamente competentes e desenvolvem o seu trabalho com uma dedicação e um espírito de serviço exemplares; e muitas vezes, nos nossos dias, em condições adversas.
Projeto educativo dos pais para a educação dos filhos
No entanto, o comentário do Luís serve de contraponto à necessidade de um "Projeto Educativo para os pais educarem os filhos" - doravante "Projeto Educativo" - que me proponho desenvolver neste artigo.
Para conseguirmos no final do processo educativo o tipo de criança-aluno que desejamos - jovens que tenham crescido com uma boa educação que lhes permita desempenhar eficazmente as suas responsabilidades - é fundamental investir não só em meios financeiros, mas também em tempo, dedicação, esforço e entusiasmo, sempre acompanhados de muito afeto.
Hoje em dia, conhecemos muitos exemplos de jovens de grande valor que, a julgar pelo seu desempenho na cena pública, estão envolvidos na nobre tarefa de tornar o mundo um lugar melhor e que testemunham o facto de terem sido formados de acordo com um bom "Projeto Educativo".
O exemplo de Ayaan Hirsi Ali
Ayaan Hirsi Ali é um ativista que tem vindo a denunciar, com grande aclamação no Ocidente, o projeto totalitário que, na sua opinião, o Islão encerra. Depois de anos a reivindicar o ateísmo como a melhor forma de defender os valores do Iluminismo contra os excessos das religiões e das políticas identitárias, acaba de anunciar publicamente a sua conversão ao cristianismo.
Evoca o célebre texto de Bertrand Russell "Porque não sou cristão" para afirmar que as palavras do filósofo foram hoje deixadas para trás e que só o cristianismo pode assegurar a preservação dos valores ocidentais.
Refugiada nos Estados Unidos devido às ameaças de morte de que é alvo pelas suas críticas ao Islão, defende com firmeza a "civilização ocidental", acreditando que valores como a "liberdade de consciência e de expressão" só terão lugar através da compreensão de que emergem do próprio cristianismo e "do debate no seio das comunidades judaica e cristã".
"Para mim, esta liberdade de consciência e de expressão é talvez o maior benefício da civilização ocidental. Não é algo natural para o homem. É o produto de séculos de debate no seio das comunidades judaica e cristã. Foram estes debates que fizeram avançar a ciência e a razão, diminuíram a crueldade, suprimiram a superstição e criaram instituições para ordenar e proteger a vida, garantindo simultaneamente a liberdade ao maior número possível de pessoas. Ao contrário do Islão, o Cristianismo ultrapassou a sua fase dogmática. Tornou-se cada vez mais claro que os ensinamentos de Cristo implicavam não só um papel circunscrito para a religião, separado da política. Também implicavam compaixão pelo pecador e humildade pelo crente", explica Ayaan Hirsi Ali no seu texto.
A ativista diz também que não abraça a sua nova fé apenas por um sentimento de oposição política e militante às "ameaças globais"; pelo contrário, começou a ir à missa aos domingos e a mergulhar nos mistérios da fé.
A educação que Ayaan Hirsi Ali recebeu ajuda-a a amar a verdade e a manter-se firme na luta pelos valores que acredita serem justos e inalienáveis.
O exemplo de Vinicius
Vinicius Jr., um jovem futebolista brasileiro que, aos 23 anos, conquistou muitos títulos com o Real Madrid e alcançou o sexto lugar no ranking da Bola de Ouro de 2023. Além disso, na mesma gala da Bola de Ouro patrocinada pela France Football, recebeu o Prémio Sócrates pelo seu trabalho social fora dos relvados: "Estou muito feliz por poder ajudar tantas pessoas no Brasil, nas favelas, é muito especial para mim", disse ao receber o prémio.
A iniciativa pela qual recebeu o prémio baseia-se numa aplicação para telemóveis, denominada "Base", que visa promover o desenvolvimento educacional de crianças em todo o Brasil através do futebol. Sobre o nascimento do "Instituto Vini Jr", que foi anunciado no verão de 2021 através das redes sociais, o jogador madrileno disse:
"Quero ter um impacto quando entro em campo e também fora dele, pelas coisas que faço. Quero ter um impacto a curto, médio e longo prazo para que, daqui a uns anos, as pessoas possam dizer que o Vinicius foi importante para o desenvolvimento das crianças, para a educação e para termos menos analfabetos no nosso país."
Vinicius Jr. recebeu, sem dúvida, uma educação que o incentiva a ser solidário com as necessidades dos pobres e desfavorecidos.
Há duas perguntas que nós, educadores, e sobretudo os pais, podemos fazer a nós próprios:
1º) Que modelo escolhemos para os nossos filhos e alunos?
2º) Que meios temos de pôr em prática para ter êxito no nosso projeto educativo?
Obviamente, as respostas a estas duas perguntas orientam o "Projeto Educativo".
No entanto, é importante ter bem claro que "ter sucesso" na educação das crianças não é automático, nem mesmo com os meios adequados, uma vez que os resultados são influenciados por uma grande variedade de factores que escapam ao controlo dos pais e dos professores; e entre eles, talvez o mais importante, a liberdade de cada criança - de cada aluno - que devemos sempre respeitar.
Trataremos do tema da liberdade noutro artigo com o pormenor que merece, mas aproveito para explicar que a verdadeira liberdade consiste em escolher o bem, mesmo que isso implique sacrifícios: ser livre não consiste em fazer o que se quer num dado momento, mas em fazer livremente, porque quero, o que devo fazer nesse momento.
As dimensões do projeto educativo
Pois bem, para além do desenvolvimento físico e corporal, consideramos que existem três dimensões que enquadram um "Projeto Educativo": religiosa, familiar-social e académica, que estão em consonância com as repercussões internas e/ou externas de cada ato humano.
Não podemos abordar estas três dimensões neste artigo - seria demasiado longo - mas fá-lo-emos em artigos futuros, descrevendo em pormenor como podem ser trabalhadas.
Para já, limitar-nos-emos a uma breve explicação.
A primeira, e na minha opinião a mais importante, é a religiosa, pois somos criaturas de Deus: este é um facto fundamental e decisivo que as crianças devem começar a conhecer e a viver desde a mais tenra infância. É Deus que nos dá a vida, contando com o amor e a generosidade dos pais, que dedicarão os seus melhores esforços para criar e educar os seus filhos, um dom maravilhoso recebido de Deus.
"A fé cristã afirma que o que é dito sobre o primeiro homem ["Deus tomou o pó da terra e soprou nele o fôlego da vida; e o homem tornou-se um ser vivo", Génesis] é aplicável a todos os seres humanos. Cada indivíduo tem uma origem biológica, por um lado, mas por outro lado não é o mero produto de genes existentes, de ADN, mas vem diretamente de Deus. O ser humano transporta o sopro de Deus (...) Nele está o sopro de Deus, ele não é uma mera combinação de materiais, mas uma ideia pessoal de Deus" (God and the World: Believing and Living in Our Time. Uma conversa com Peter Seewald)
É também muito recomendável que as crianças aprendam desde muito cedo a tratar Jesus e a sua Mãe, a Virgem Maria, que é também nossa Mãe e que está sempre atenta para nos ajudar em todas as nossas tarefas e dificuldades. Não esqueçamos que dentro do processo educativo, a criança deve aprender a pedir ajuda a quem confia: a mãe, o pai, os educadores, para fazer o que não sabe fazer e para consultar as suas dúvidas e adquirir segurança na vida.
A educação da dimensão familiar-social é um dos pilares do correto desenvolvimento infantil, fundamental para o futuro das crianças: compreender conceitos como respeito, generosidade, serviço, ajuda, tolerância, diligência, paciência ou companheirismo é tão importante como aprender línguas, matemática ou linguagem. Mas no caso dos valores, não basta conhecer e compreender os conceitos; o que é decisivo é vivê-los, pô-los em prática, que é o que chamamos ter virtudes - bons hábitos adquiridos num ambiente educativo de liberdade.
Melhorar como pessoas consiste em desenvolver as virtudes: ser generoso, leal, trabalhador, sincero, tolerante, etc. Desta forma, para conseguir uma vida bem sucedida "devemos ter deixado a nossa marca, deixando a terra um pouco mais bonita e o mundo um pouco melhor" [G. CHEVROT, El Evangelio al aire libre, Herder, Barcelona 1961, p. 169]; ou seja, uma família mais pacífica e unida pela força dos "valores familiares", algo de progresso para a sociedade, amigos enriquecidos pela nossa amizade...
Finalmente, no que diz respeito à dimensão académica, todos compreendemos a importância de uma excelente preparação no conhecimento das ciências, da história, da filosofia, etc., com dois objectivos fundamentais: aprofundar o conhecimento do mundo e da natureza, que nos ajuda a conhecer a verdade; e adquirir a competência adequada para um bom desenvolvimento na futura profissão. São estes conhecimentos que permitirão aos nossos filhos e alunos devolver à sociedade uma parte daquilo que dela receberam.
Um terceiro exemplo: Carlo Acutis. Este jovem, beatificado a 10 de outubro de 2020 em Assis, que a Igreja propõe como modelo de santidade para os jovens e adolescentes do nosso século, que encontram satisfação, não no efémero, mas nos valores perenes que Jesus sugere no Evangelho, é um exemplo atual que sintetiza as três dimensões da educação que temos vindo a abordar.
O Carlo era um rapaz normal, simples, simpático, jogava futebol, adorava a natureza e os animais e tinha muitos amigos. Também se sentia atraído pelas redes sociais e pelos computadores, uma ciência para a qual desenvolveu um talento especial, sendo considerado um génio pelos adultos que o conheciam.
Concebeu o sítio Web http://www.miracolieucaristici.org -uma exposição virtual que explica todos os milagres eucarísticos que aconteceram em todo o mundo e que vos recomendo que visitem. O Papa Francisco salientou que também utilizou os seus conhecimentos para transmitir o Evangelho e comunicar valores e beleza.
Também manteve viva a sua relação com Deus através do seu amor pela Eucaristia, que ele próprio definia como "a minha autoestrada para o Céu", e era muito devoto da Virgem Maria. "Ser originais e não fotocópias"era o seu lema. A sua fé e a sua oração levaram-no a confiar-se ao Senhor. Foi com este espírito que viveu com serenidade a doença que o levou à morte aos 15 anos de idade.
Conclusões
É essencial ter um "Projeto Educativo" para garantir que os nossos filhos e alunos cresçam e sejam educados de acordo com o modelo que escolhemos para eles, com vista a serem jovens e adultos que devolvam à sociedade parte do que dela receberam.
Para além do desenvolvimento físico e corporal, há três dimensões que enquadram cada "Projeto Educativo": a religiosa, a familiar-social e a académica, que estão em consonância com as repercussões internas e/ou externas de cada ato humano.
Para a eficácia do projeto educativo, é importante aproveitar os primeiros anos de vida de uma criança - desde antes do nascimento até ao início da adolescência - quando ocorre a grande maioria dos períodos sensíveis da educação de uma pessoa, quando tudo é assimilado da melhor forma e com o mínimo de esforço.
Leitura recomendada: "Educar hoy". Autor: Fernando Corominas, Coleção: "Hacer familia".
Físico. Professor de Matemática, Física e Religião ao nível do Bacharelato.