No mês de novembro, rezam-se orações especiais pelas almas do Purgatório. A tradição de rezar pelos mortos remonta ao Antigo Testamento e muitos santos receberam a visita de almas que lhes pediam orações para poderem entrar no Céu.
"A saudade de Deus", o maior tormento
Santa Faustina Kowalska, a santa que difundiu a devoção à Divina Misericórdia, explicou a sua visita ao Purgatório da seguinte forma: "Nessa altura, perguntei a Jesus: por quem devo ainda rezar? Ele respondeu-me que na noite seguinte me diria por quem devia rezar.
Vi o Anjo da Guarda que me disse para o seguir. Num instante, encontrei-me num lugar enevoado, cheio de fogo e onde se encontrava uma multidão de almas sofredoras. Estas almas rezavam com grande fervor, mas sem eficácia para si próprias, só nós as podemos ajudar. As chamas que as queimavam não me tocavam. O meu Anjo da Guarda não me abandonou um só momento. Perguntei a estas almas qual era o seu maior tormento? E elas responderam unanimemente que o seu maior tormento era a saudade de Deus. Vi a Mãe de Deus a visitar as almas do Purgatório. As almas chamam a Maria "A Estrela do Mar". Ela traz-lhes alívio. Queria falar mais com elas, mas o meu Anjo da Guarda chamou-me para me ir embora. Saímos daquela prisão de sofrimento. [Ouvi uma voz interior que me dizia: "A minha misericórdia não o deseja, mas a justiça exige-o". A partir desse momento, estou mais unida às almas sofredoras" (Diário, 20).
Santa Faustina também viu o inferno, do qual disse, depois de o descrever: "Teria morrido (...) se não tivesse sido sustentada pela omnipotência de Deus. Escrevo-o por ordem de Deus, para que nenhuma alma se desculpe [dizendo] que o inferno não existe e que ninguém esteve lá ou sabe como é (...) O que escrevi é uma ténue sombra das coisas que vi (...) Quando voltei a mim, não consegui recuperar do meu horror (...). Por isso, rezo ainda mais ardentemente pela conversão dos pecadores, invoco incessantemente a misericórdia de Deus para eles" (Diário, 741).
Enquanto o inferno é um estado irreversível, as almas do purgatório são salvas e chegarão à presença de Deus após um processo de purificação. É por isso que se fala de três "Igrejas": a Igreja triunfante, que é a Igreja que já está na presença de Deus; a Igreja purgativa, constituída por aqueles que estão a passar pela purificação do Purgatório antes de irem para o Céu; e a Igreja militante ou peregrina, constituída por aqueles de entre nós que ainda estão a caminhar na terra.
Portanto, a oração da Igreja militante tem um fruto para o purgante, e os vivos podem rezar pelas almas do Purgatório.
O que é o Purgatório?
O catecismo define o Purgatório do seguinte modo "Os que morrem na graça e na amizade de Deus, mas imperfeitamente purificados, embora certos da sua salvação eterna, passam depois da morte por uma purificação, a fim de obterem a santidade necessária para entrarem na alegria do céu" (Catecismo, 1030); "A Igreja chama a esta purificação final dos eleitos "purgatório", que é inteiramente distinto do castigo dos condenados. A Igreja formulou a doutrina de fé sobre o purgatório sobretudo nos Concílios de Florença (cf. DS 1304) e de Trento (cf. DS 1820; 1580)" (Catecismo, 1031).
O catecismo prossegue dizendo que "esta doutrina é apoiada também pela prática da oração pelos defuntos, de que já fala a Escritura [...].... Desde os tempos mais remotos, a Igreja honra a memória dos defuntos e oferece sufrágios em seu favor, nomeadamente o sacrifício eucarístico (cf. DS 856), para que, uma vez purificados, alcancem a visão beatífica de Deus.
A Igreja recomenda também as esmolas, as indulgências e as obras de penitência para os defuntos: "Prestemos-lhes socorro e comemoremo-los. Se os filhos de Job foram purificados pelo sacrifício do seu pai (cf. Jb 1, 5), por que razão havemos de duvidar que as nossas ofertas pelos defuntos lhes tragam alguma consolação [...] Não hesitemos, pois, em socorrer os defuntos e em oferecer as nossas orações por eles" (S. João Crisóstomo, In epistulam I ad Corinthios homilia 41, 5)" (Catecismo, 1032).
O purgatório na tradição da Igreja
Já no Antigo Testamento há testemunhos de orações pelos mortos: "Depois, reuniu duas mil dracmas de prata entre os seus homens e enviou-as a Jerusalém para oferecer um sacrifício de expiação. Agiu com grande retidão e nobreza, pensando na ressurreição. Se ele não esperasse a ressurreição dos caídos, teria sido inútil e ridículo rezar pelos mortos. Mas, considerando que uma magnífica recompensa estava reservada para aqueles que haviam morrido piedosamente, a idéia era piedosa e santa. Por isso, encomendou um sacrifício de expiação pelos mortos, para que fossem libertados do pecado" (2 Mac 12, 43-46).
Há referências ao Purgatório desde os primeiros séculos da Igreja. Tertuliano, nascido no século II d.C., fala em muitos dos seus escritos da purificação dos pecados após a morte e da oferta de orações pelos mortos.
Santa Perpétua, mártir de 203, viu na sua cela, enquanto aguardava a execução, o seu irmão falecido, Dinócrates, "sufocado pelo calor e com sede, com as roupas sujas e uma cor pálida". A santa compreendeu que o seu irmão "estava a sofrer. Mas eu estava confiante de que ele seria aliviado e não deixei de rezar por ele todos os dias, até sermos transferidos para a prisão militar (...). E eu rezava por ele, gemendo e chorando dia e noite, para que, por minha intercessão, ele fosse perdoado.
VIII. No dia em que permanecemos no cárcere, tive a seguinte visão: vi o lugar que tinha visto antes, e Dinócrates limpo de corpo, bem vestido e refrescado (...). Então compreendi que o meu irmão tinha passado a pena" (Actos dos MártiresMartírio das Santas Perpétua e Felicidade e suas companheiras, VII e VIII).
Mas há muitos outros exemplos: Clemente de Alexandria, Cipriano de Cartago, Orígenes, Lactâncio, Efrém da Síria, Basílio Magno, Cirilo de Jerusalém, Epifânio de Salamina, Gregório de Nissa, Santo Agostinho, São Gregório Magno....
A oração pelos mortos: estabelecida pelos Apóstolos
São João Crisóstomo (347-407) afirma que o costume de oferecer uma missa pelos mortos foi estabelecido pelos próprios apóstolosNão foi sem razão que se determinou, por leis estabelecidas pelos apóstolos, que na celebração dos sagrados mistérios se fizesse memória dos que já passaram desta vida. Eles sabiam, de facto, que deste modo os defuntos obteriam muitos frutos e grande proveito" (Homilias sobre a Carta aos Filipenses 3, 4: PG 62, 203).
Nos "Actos de Paulo e Tecla" (160) há também uma referência a uma alma no purgatório, quando a filha falecida de uma mulher lhe aparece e diz-lheEm meu lugar, terás Tecla, a estrangeira abandonada, a rezar por mim, para que eu possa passar para o lugar dos justos".
Para além disso, as catacumbas contêm também inscrições pedido de oração pelo falecidoOs primeiros cristãos reuniam-se junto dos túmulos no dia do aniversário da morte dos seus entes queridos para rezar por eles.
Indulgências
Para além das orações ou obras de misericórdia realizadas pelas almas do purgatório, uma forma de interceder por elas é a aplicação da indulgências que a Igreja concede em relação a certas obras de piedade. Na constituição apostólica "Doutrina Indulgentiarum"Paulo VI explica: "Pelos desígnios misteriosos e misericordiosos de Deus, os homens estão ligados entre si por laços sobrenaturais, de modo que o pecado de um prejudica os outros, assim como a santidade de um beneficia os outros. Deste modo, os fiéis ajudam-se mutuamente a alcançar o fim sobrenatural. Um testemunho desta comunhão é já evidente em Adão, cujo pecado se estendeu a todos os homens".
Além disso, Paulo VI comentava: "Os fiéis, seguindo as pegadas de Cristo, sempre procuraram ajudar-se mutuamente no caminho para o Pai celeste por meio da oração, do exemplo dos bens espirituais e da expiação penitencial (...). Este é o antiquíssimo dogma da comunhão dos santos, segundo o qual a vida de cada um dos filhos de Deus, em Cristo e por Cristo, se une com um vínculo admirável à vida de todos os outros irmãos cristãos na unidade sobrenatural do Corpo Místico de Cristo, formando uma única pessoa mística... (...).
A Igreja, consciente destas verdades desde o início, iniciou vários meios para aplicar os frutos da redenção de Cristo a cada um dos fiéis, e para fazer com que os fiéis se esforcem pela salvação dos seus irmãos (...).
Os próprios Apóstolos exortaram os seus discípulos a rezar pela salvação dos pecadores; um costume muito antigo da Igreja conservou este modo de atuar, sobretudo quando os penitentes imploravam a intercessão de toda a comunidade, e os defuntos eram ajudados por sufrágios, especialmente pela oferta do sacrifício eucarístico".
Neste documento, a indulgência é definida como "a remissão perante Deus da pena temporal dos pecados, já perdoados quanto à culpa adquirida pelo fiel, convenientemente preparada, em condições certas e determinadas, com a ajuda da Igreja, que, como administradora da redenção, dispensa e aplica com plena autoridade o tesouro dos méritos de Cristo e dos santos".
As indulgências podem ser parciais ou plenárias. A indulgência A indulgência plenária (que exige a prática do ato para o qual a indulgência é concedida, juntamente com a confissão, a comunhão e a oração pelas intenções do Papa, bem como a rejeição de todo o pecado mortal ou venial) implica a remissão total da pena devida pelos pecados, enquanto a remissão parcial remove parte da pena.
No dia 2 de novembro, Dia de Finados, é possível obter uma indulgência plenária para uma pessoa falecida em qualquer igreja ou oratório público. Aos fiéis que visitam devotamente o cemitério ou rezam pelos defuntos é concedida indulgência plenária (aplicável apenas às almas do purgatório) em cada um dos dias de 1 a 8 de novembro, e indulgência parcial nos outros dias do ano.