Marta Rodríguez Díaz é doutorada em Filosofia pela Pontifícia Universidade Gregoriana. Natural de Madrid, é professora na Faculdade de Filosofia do Pontifício Ateneu Regina Apostolorum. Aí coordena a área académica do Instituto de Estudos da Mulher. Especialista em questões femininas e de género, o seu doutoramento, que se centrou nas raízes filosóficas das teorias de género, foi galardoado com o Prémio Bellarmine 2022 para a melhor tese de doutoramento da Universidade Gregoriana. Marta Rodríguez foi também diretora do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida.
Antes de mais, porque é que ainda existe uma "questão" em torno das mulheres na Igreja?
-Penso que o processo histórico é muito antigo... De facto, figuras como Santa Hildegarda de Bingen ou Santa Teresa de Jesus já "protestavam" contra a forma como os eclesiásticos concebiam as mulheres. Uma origem mais imediata pode ser encontrada no século XX. Em meados do século, vários factores se conjugaram: por um lado, a revolução sexual e o movimento de 1968 provocaram uma espécie de fratura entre as mulheres e a Igreja, o que levou a um arrefecimento e mesmo a um certo distanciamento de muitas em relação à instituição eclesiástica. Por outro lado, há uma consciência, também no seio da Igreja, de que a presença das mulheres na vida pública é um "sinal dos tempos" (como o definiu pela primeira vez João XXIII).
O Concílio amadureceu as bases teológicas para uma plena inserção da mulher na Igreja, como sujeito de direitos e deveres... mas a assimilação desta novidade foi lenta.
O Magistério pós-conciliar continuou nesta linha, mas como disse São João Paulo II em ".Christifidelis Laici"49 é necessário passar do reconhecimento teórico da dignidade da mulher à sua concretização prática. Em suma, neste século assistiu-se a uma mudança muito forte na forma como a mulher é concebida e se posiciona na sociedade. A Igreja não podia ficar alheia a estas transformações, e teve (e deve continuar a ter) um percurso semelhante de assimilação e transformação.
Num mundo onde o conceito de mulher parece ter-se diluído, como é que definimos a mulher?
-A mulher é uma pessoa humana de sexo feminino. O sexo não é um aspeto acidental, acessório... o sexo toca e permeia todas as dimensões da pessoa: corpo e alma. Segundo João Paulo II, a pessoa não é sexuada por causa do corpo sexuado, mas é no corpo que esta diferença se manifesta mais claramente, mas tem uma raiz mais profunda. No fundo, homem e mulher são duas formas distintas e complementares de ser à imagem e semelhança de Deus.
No que diz respeito à cultura, não há distinção entre natureza e cultura no ser humano. Ou seja: é uma distinção legítima, mas é uma distinção de razão. Na realidade, natureza e cultura estão sempre fundidas. A natureza do ser humano é ser cultural. Por isso, ser mulher é um facto natural e cultural ao mesmo tempo.
Conhecendo as diferenças culturais e sociais que existem no mundo, como é que compreendes a tarefa das mulheres nos diferentes lugares onde a Igreja está presente?
-Puxa! É uma pergunta difícil. Para simplificar, poderíamos dizer que há dois pólos: um que vê o trabalho das mulheres como uma atividade subsidiária, de segunda categoria, e outro que compreende o papel de liderança que elas são chamadas a desempenhar hoje.
A diferença entre um pólo e o outro reside numa conceção antropológica e eclesiológica diferente. Aqueles que estão do lado do protagonismo partem de uma ideia de complementaridade entre o homem e a mulher, onde ambos são iguais em dignidade e diferentes. É por isso que precisam um do outro: não só na ordem do fazer, mas também na ordem do ser. E não porque sejam incompletos, mas porque só no encontro recíproco é que atingem a sua plenitude como pessoas.
A visão da Igreja que está na base do protagonismo não é a de uma democracia regida por quotas, mas a da Igreja como mistério de comunhão, sinodal, onde todas as vocações são importantes e os ministérios estão ao serviço do Povo de Deus.
Por outro lado, nos locais onde o trabalho das mulheres é concebido de forma mais redutora, o ponto de partida é uma ideia de submissão antropológica das mulheres aos homens e uma ideia clericalista da Igreja.
Há uma espécie de identificação entre o poder e o sacramento da Ordem, segundo a qual, sem acesso às ordens sacerdotais, não há "igualdade" para as mulheres na Igreja.
-Antes de mais, é preciso compreender que, na Igreja, o ministério é sempre uma autoridade que se recebe para servir, não como uma dignidade ou um domínio pessoal.
No que diz respeito às mulheres, o Evangelii Gaudium n. 104 dá uma pista muito importante. Ele diz que as legítimas reivindicações das mulheres levantam questões para a Igreja que não podem ser facilmente evitadas. E diz: o objetivo é separar o poder na Igreja do ministério sacerdotal. Quer dizer: o sacramento da Ordem está necessariamente ligado a uma autoridade, mas esta não é a única fonte de potestas (poder) na Igreja.
O sacramento do batismo é, em si mesmo, uma configuração a Cristo e, em virtude dele, a Igreja pode também conceder autoridade aos leigos para o exercerem ao serviço do Povo de Deus. Este é um tema que tem vindo a ser trabalhado nos últimos anos, inclusive ao nível do direito canónico. E parece-me que o caminho que a Igreja está a seguir, colocando a sinodalidade no centro da reflexão, é uma forma de superar uma conceção clerical da Igreja. Isto não deve de modo algum pôr em causa a dignidade do sacerdote (posso dizer pessoalmente que sou um amante do sacerdócio ministerial!), mas sim colocá-lo no seio do Corpo do qual e para o qual foi chamado.
Haverá um teto, já não de vidro mas de betão, para as mulheres na Igreja?
-Não creio que haja a nível teológico ou mesmo canónico, mas há, sobretudo em certos contextos, a nível cultural. É o que eu estava a dizer antes sobre a "Christifidelis Laici". Há muitas coisas que poderiam ser feitas e que não são feitas por uma questão de mentalidade.
Parece-me que o Papa Francisco está a querer dar sinais de mudança nesta matéria, e a ideia seria que as conferências episcopais e as dioceses seguissem os seus passos: nomeando mulheres para cargos de responsabilidade, colocando-as em conselhos e assim por diante.
Então, o que é que as mulheres trazem de forma original para o trabalho da Igreja no mundo?
-Se acreditamos que o sexo é realmente algo que toca toda a pessoa, então compreendemos que os homens e as mulheres têm uma modalidade relacional diferente, uma forma de raciocinar, de se relacionar e de agir que tem tons diferentes.
Um mundo pensado e feito só por homens é muito pobre, como o é um mundo feito só por mulheres. É necessária a outra perspetiva, que completa, corrige, modula.
Para além do trabalho complementar em todos os domínios, as mulheres da Igreja são chamadas a despertar o seu rosto feminino, esponsal e maternal.
As mulheres têm de ajudar a Igreja a compreender-se melhor a si própria, e isso significa, como diz o Papa Francisco, "pensar a Igreja em categorias femininas". Olé! Creio que se está a abrir um caminho profético que temos de explorar.
Qual é o caminho a seguir pelas mulheres enquanto crentes?
-Em suma: encarnar uma feminilidade luminosa, a partir da qual abrir caminhos proféticos para a Igreja que respondam aos sinais dos tempos actuais.