Omnes O número impresso da edição de Abril de 2021 apresenta uma entrevista com este francês, membro da Comunidade das Bem-aventuranças, que responde a questões actuais como a dor, a liberdade e a necessidade de oração no nosso mundo.
A experiência da pandemia tem "perturbado" muitos não-crentes, mas também muitos outros que têm fé mas agora se perguntam: "Como pode Deus permitir esta situação?
Somos confrontados com a eterna questão da existência do mal no mundo. A verdadeira questão que temos de nos colocar, na minha opinião, não é "Porquê esta situação", pois há sempre uma parte desconhecida... mas "Como posso viver esta situação de uma forma positiva e acolhê-la como uma possibilidade de crescimento humano e espiritual"?
Tenho notado que esta situação levou muitas pessoas a darem um salto espiritual, uma maior intensidade de oração, um compromisso mais forte na proclamação do Evangelho, graças à Internet, por exemplo. Cabe a cada pessoa descobrir como esta situação o convida a progredir na fé, na esperança e na caridade.
Como sociedade, será que pensávamos poder fazer o que quiséssemos? Não teríamos também trazido esta experiência humana para o reino da vida cristã?
Por vezes, sim. A fragilidade, mesmo a impotência, que experimentamos lembra-nos que a fé não é o exercício do poder, mas a entrega da nossa fraqueza e fragilidade nas mãos de Deus. Esta situação de fraqueza que estamos a atravessar convida-nos a não encontrar a nossa segurança no nosso poder, na nossa capacidade de a resolver ou de a compreender, mas a colocar a nossa segurança na confiança da rendição nas mãos do nosso Pai Celestial, como o Evangelho nos propõe.
Como é que uma pessoa como Jacques Philippe, que dedica a sua vida a falar de Deus, fala com Deus?
Uso frequentemente as palavras da Escritura, particularmente os salmos, e as orações que nos são oferecidas pela Igreja. Creio que a oração mais profunda não é tanto falar com Deus, mas simplesmente estar na sua presença num acto de fé, aceitar o seu amor e oferecer-se a ele em troca. Tudo isto, através de uma atitude muito simples do coração, para além das palavras e das experiências sensíveis. Rezar é, acima de tudo, acolher uma presença.
Uma das características do nosso mundo é a cultura da selva: estamos sempre a olhar para nós próprios. Como evitamos que isto aconteça na nossa relação com Deus?
Há uma certa obsessão com a auto-imagem no nosso mundo. Tentamos dar aos outros uma boa imagem de nós próprios. Acabamos por existir apenas aos olhos dos outros. A oração ajuda-nos a viver sob o olhar de Deus. A nossa verdadeira identidade, a nossa beleza profunda, não é algo que tenhamos de produzir, de fabricar, algo de que tenhamos de convencer os outros, mas é algo que recebemos livremente de Deus.