Ecologia integral

Patricia Díez: "O perdão germina na família".

Estar errado é hoje em dia uma causa de angústia, desencadeia ansiedade e torna as pessoas incapazes de se aceitarem como são, e é por isso que o perdão está a tornar-se cada vez mais importante como base para as relações humanas. Nesta entrevista, Patricia Díez, doutora em psicologia, fala-nos sobre este tema.

Francisco Otamendi-16 de maio de 2024-Tempo de leitura: 6 acta

A falta de uma relação interpessoal real e o aumento de uma relação virtual (mais ideal) favoreceram o medo de errar, de cometer erros, de mostrar uma imagem de si mesmo que não está de acordo com os padrões sociais, e "aumentaram as imagens de depressãoansiedade, a necessidade de aprovação, o culto do corpo e até a incapacidade de ser assertivo por medo da rejeição", diz Patricia Díez Deustua, doutorada em Psicologia, psicóloga clínica e terapeuta familiar na Unidade Multidisciplinar de Assistência à Família (UMAF).

Este professor do Universidade Internacional da Catalunha (UIC) vive em Sant Cugat del Vallés, é mãe de doze filhos e considera, nesta entrevista a Omnes, que no contexto que cita "o conceito de perdão como base das relações humanas está de novo a ganhar importância. Pedir perdão e perdoar são formas de amor aplicáveis a qualquer sociedade".

O que é preciso para compreender o perdão?

-Compreender quem é a pessoa e como ela se manifesta. Todos nós nos manifestamos perante os outros e perante o mundo a três níveis: cognitivo, afetivo e comportamental. Ou seja, através da forma como pensamos, sentimos e nos comportamos, definimos quem somos. É a isto que chamamos personalidade. Uma coisa é quem eu sou e outra é como me comporto.

E o que é que queremos dizer com ofensa?

A ofensa refere-se a um erro moral que é sentido por um sujeito como uma transgressão à sua pessoa, levando a um certo grau de desconforto na pessoa que o sofre.

Neste sentido, a ofensa pode ser objetiva ou subjectiva, porque pode ser o resultado da interpretação dos factos pelo sujeito ou pode basear-se em sensações, por exemplo. Uma pessoa pode ter a intenção de ofender outra pessoa e não a ofender porque o seu nível emocional não foi alterado após a alegada ofensa.

Pode ser o caso de uma criança pequena que pensa que, ao dizer à mãe que não vai puxar as meias, pode ofendê-la; ou a típica situação oposta, em que um WhatsApp é interpretado como ofensivo quando não era essa a intenção, porque a intencionalidade ou o tom em que foi escrito foi interpretado.

Tem um impacto emocional...

Pois bem, uma coisa ofender-me significa que alterou o meu plano afetivo. A ofensa é um mal que se sente, que me magoa, que me ofende, que me afecta de uma forma negativa, que me transgride. Se não houvesse essa transgressão, esse impacto emocional negativo, não poderíamos falar de perdão porque nada me ofenderia. A ofensa refere-se a esta afetação negativa que se repercute no ofendido: "o eu sente-se ferido", negativamente afetado por algo que a razão interpreta como mau. Por isso, quando falamos de perdão interpessoal, há três elementos a ter em conta: a ofensa, o ofensor e o ofendido..

Patricia Díez com o marido e os filhos

O perdão vem daquele que se sente ofendido...

-Sim, aquele que tem a possibilidade de perdoar ou não o mal recebido pelo seu ofensor. Ou seja, quando alguém ofende, quem tem o poder de iniciar um processo de perdão é a pessoa ofendida: um mal exterior afecta-me e eu sou responsável por reparar, restaurar ou fazer alguma coisa a esse respeito ou decidir não o fazer; a bola está agora no meu campo sem que eu tenha decidido fazê-lo.

Esta reflexão é, sem dúvida, interessante porque devemos ter consciência de que o perdão parte do sujeito ofendido e, por isso, não necessita do arrependimento do ofensor para acontecer, embora seja, sem dúvida, mais fácil. Eu posso decidir perdoar, como sujeito livre que sou, independentemente da atitude do meu ofensor, e libertar-me do mal que condiciona o meu estado emocional.

Definir o perdão.

Existe consenso em questões como o perdão é um ato livre da vontade; não se perdoa por engano ou sem intenção; procura-se reduzir os sentimentos negativos resultantes da ofensa, ao mesmo tempo que se promovem sentimentos positivos e boa motivação em relação ao ofensor. Encontrámos consenso no envolvimento da benevolência como parte do processo.

Poderíamos definir o perdão como um ato de amor, entendido como uma tomada de posição em relação a uma pessoa e a um mal que nos é apresentado; escolhe-se amar a pessoa, mas não o mal cometido. Neste sentido, a pessoa que perdoa reconhece o mal e valoriza-o como tal, mas não equipara a ação má à pessoa que a cometeu, mas é capaz de ver nela uma pessoa digna de ser amada apesar dos seus erros.

Ao tomar uma posição, queremos dizer que, embora resulte de um ato de decisão livre e voluntária de perdoar, é possível que esse ato tenha de ser renovado quando surgem emoções negativas. É por isso que, em psicologia, falamos do processo de perdão em vez de um ato, porque requer tempo..

Há vários processos envolvidos no perdão.

-O perdão é um processo necessário para que o perdão ocorra, embora não ao mesmo tempo. Por um lado, descreve um processo cognitivo, uma decisão de perdoar o outro (Perdão Decisional) e, por outro lado, um processo emocional. Por outras palavras, o coração tem o seu tempo e, embora eu possa decidir perdoar num determinado momento, nem sempre é fácil quando decido fazê-lo, a mágoa pode ainda causar desconforto (Perdão Emocional).

Que papel desempenha a parte afectiva da pessoa?

-Os afectos têm a ver com o impacto que o mundo e as coisas que nele acontecem têm em mim, pelo que surgem em qualquer circunstância.

Não só têm um carácter subjetivo (cada pessoa é afetada pelas coisas de uma determinada maneira), como também não escolhemos a magnitude da forma como somos afectados. O que é próprio do ser humano - enquanto ser racional e diferente do animal - é precisamente dirigir esse afeto com a razão e ponderar as circunstâncias concretas que o rodeiam. Ao animal cabe responder diretamente ao afeto: tenho fome, como; tenho sono, durmo; tenho raiva, ataco, etc., porque se move num quadro instintivo de comportamento. A pessoa tem a capacidade de se possuir e de gerir os seus afectos no sentido do comportamento mais prudente.

Não sou eu que decido como ou quanto as coisas me afectam, mas sou eu que decido o que fazer com esse afeto e, assim, consigo controlá-lo, diminuí-lo, aumentá-lo, etc. Por isso, a capacidade de diferenciar os factos das sensações, o objetivo do subjetivo, a pessoa ofendida da sua ofensa, etc., é de enorme importância.

É feita uma distinção entre a pessoa e as suas acções.

Quando uma pessoa perdoa a outra, está a comunicar que vale mais do que os seus actos, que vale mais do que os seus erros e que o que vale é digno de ser amado. A pessoa vale sempre, os seus actos não. Por outras palavras: o valor das pessoas é absoluto, o valor dos seus actos é relativo. Por esta razão, o perdão é a forma mais perfeita de amor, porque devolve o bem ao receber o mal. O perdão implica uma mudança de olhar sobre o ofensor, passando a um olhar benevolente, sem tirar o realismo do mal cometido. É por isso que o perdão não é incompatível com a justiça. O mal deve ser reparado e essa reparação pode mesmo ser exigida pela parte ofendida, que acredita que a reparação está a fazer bem à pessoa que cometeu a ofensa. É o caso das mães que, depois de terem perdoado aos seus filhos por uma brincadeira, exigem que eles vão ao quarto para se redimirem ou retêm uma recompensa.

Diga-me algo que me ajude a compreender.

-Aqueles que sabem que são frágeis são mais capazes de compreender o erro dos outros. A empatia é uma das variáveis que condicionam (mas não determinam) o perdão. Por outras palavras, é necessário saber-se frágil para compreender a fragilidade dos outros. E é então que podemos afirmar que é justo perdoar ao mesmo tempo que pode ser justo querer a reparação da ofensa. Neste sentido, o perdão, como dizem os autores, não é esquecimento ou condescendência. Se uma pessoa rouba a outra, a situação pode exigir tanto o perdão do ofendido como a reparação do ofensor, mesmo que não seja necessário que o perdão ocorra.

Além disso, o perdão é um processo....

-Imagine por um momento que decide perdoar o seu sócio que fez fracassar a empresa que geriam em conjunto. Toma a decisão de o perdoar e até pensa que conseguiu. Mas também é possível que, ao passar por casa dele, reviva os sentimentos que outrora o ofenderam. Isso não depende diretamente de ninguém. É nesse momento que é preciso renovar a decisão de perdoar, mas o processo já começou com a primeira decisão.

O processo que começa com uma decisão termina com a paz, tanto com o ofensor como com a ofensa; a ofensa já não me ofende e sou capaz de sentir um afeto positivo em relação ao meu ofensor. Perdoar não é esquecer a ofensa, mas esquecer a dor que ela me causou; é poder pensar nela sem ser afetado por ela, porque alcancei a paz. O perdão conduz a uma possível reconciliação em que a relação é reforçada.

Uma mensagem que gostaria de transmitir.

-Precisamos de uma cultura do perdão, de uma cultura da unidade que supere as rupturas, a solidão, as ansiedades, etc.; precisamos de reabilitar uma cultura em que as pessoas cresçam e se desenvolvam com a experiência de serem amadas incondicionalmente, independentemente dos erros que possam cometer. A semente desta cultura, tão necessária para a saúde psicológica e espiritual da sociedade, é cultivada na família.

O autorFrancisco Otamendi

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