O Conta Twitter do Arcebispo de Sevilha, José Ángel Saiz Meneses (Sisante (Cuenca), 2 de agosto de 1956) relatou um facto: no dia 12 de agosto, o bispo auxiliar de Sydney, D. Richard Umbers, e uma equipa da sua diocese visitaram Sevilha durante vários dias para conhecer as Irmandades e Confrarias no terreno. No dia 12 de agosto, o bispo auxiliar de Sydney, D. Richard Umbers, e uma equipa da sua diocese visitaram Sevilha durante vários dias para conhecerem as Irmandades e Confrarias no terreno. Além de divertida, a anedota é reveladora: a piedade popular é, atualmente, o principal travão da secularização nos países ocidentais.
Este ano marcou também o trigésimo aniversário da visita doJoão Paulo II à aldeia de El Rocío. Ali, no coração de uma das devoções populares mais queridas de Espanha, o Santo Padre encorajou os católicos a aprofundarem "os fundamentos desta devoção, para poderem dar a estas raízes da fé a sua plenitude evangélica; ou seja, para descobrirem as razões profundas da presença de Maria nas vossas vidas como modelo na peregrinação da fé".
Recordando este acontecimento e tendo em conta a inegável força da piedade popular, os bispos das dioceses do sul de Espanha publicaram a Carta Pastoral "Maria, estrela da evangelização. O poder evangelizador da piedade popular".em que afirmam que a piedade popular "recolhe o melhor de cada cultura e transforma-o numa expressão viva da fé".
Nesta entrevista com Omnes, Mons. Saiz Menesesque já está a preparar o congresso sobre a piedade popular, sublinha como as "confrarias são uma realidade transversal, como a própria Igreja" e a piedade popular é, sem dúvida, "um dique de contenção contra a secularização".
A importância da piedade popular numa diocese tão importante neste domínio como a de Sevilha foi-lhe dada a conhecer: é realmente uma barreira contra a secularização?
-Eu vim para Sevilha há dois anos. Venho da Catalunha. Em Tarrasa, acompanhei 24 irmandades "rocieras" que não podiam ir ao Rochedo e que ali celebravam a sua peregrinação, com muito carinho. Era como uma plantinha de piedade popular. Aqui em Sevilha é uma floresta inteira. Nesta diocese temos Irmandades com milhares de irmãos e irmãs, algumas com mais de 16.000. Nestes últimos anos, não vi um único caso de supressão de qualquer confraria; por outro lado, houve contínuos pedidos de novas confrarias. Trata-se, portanto, de um fenómeno em crescimento.
Constatei que a metade sul de Espanha está menos secularizada do que a metade norte, e isso deve-se em grande parte ao mundo das Irmandades e Confrarias. Porquê? Porque a transmissão da fé, que é tão importante na vida e na pastoral da Igreja, continua a fazer-se de forma natural nas Irmandades.
Quando ele fala sobre isso forma naturalA que é que se refere especificamente?
-A fé transmite-se na Irmandades como que por osmose. Vive-se. Durante a Semana Santa, costumo aproveitar a oportunidade para ir à saída das procissões que posso, sobretudo nas paróquias de bairro. Fico impressionado ao ver mães vestidas de nazarenas, com crianças ao colo, que não estão a andar, também vestidas de nazarenas, e essa criança, quando começar a andar, irá com a mãe acompanhando a Virgem ou Cristo.
No passado mês de junho, viajei com a comissão executiva do II Congresso Internacional de Irmandades e Piedade Popular para ver o Papa Francisco e lembrei-me deste exemplo. O Papa comentou que as mães usam um "dialeto materno" para transmitir a fé, que são elas que falam aos seus filhos pequenos da Virgem, de Jesus... que os levam consigo, nos seus braços, para essa fé.
Este facto é vivido com naturalidade nas confrarias e explica o abrandamento da secularização.
Há quem, ainda hoje, classifique a piedade popular como uma mera manifestação de "sentimentalismo"?
-Em duas caixas: a do sentimentalismo e a da baixa cultura. Há alguns anos, acima de tudo, parecia que a piedade popular pertencia a pessoas com pouca cultura. Que pertencia a pessoas com pouca educação que "não podiam aspirar a mais". Não é esse o caso.
Recebo muitos conselhos directivos de confrarias que vêm apresentar as suas acções e projectos e encontro empresários, directores de empresas, muitos professores universitários e conferencistas. A par deles, os trabalhadores independentes, os operários, os empregados... As confrarias são uma realidade transversal, como a própria Igreja.
A piedade popular não é para analfabetos, é uma forma de encontrar Deus: a via pulchritudinis que não só é perfeitamente válida para o encontro com Deus, como é complementar a uma via mais especulativa. Há muitas pessoas muito instruídas, muito cultas, para quem este caminho é o que mais as ajuda a encontrar Deus.
Considera que estão a ser feitos progressos na questão da formação nas confrarias?
As confrarias regem-se por regras em que há três pilares: o culto, a formação e a caridade.
Os serviços de culto são as celebrações solenes, que fazem muito bem.
A formação, de facto, é a área que custa mais, mas a formação permanente custa igualmente aos padres e aos bispos. Muitas vezes temos tantas urgências pastorais que a oração quase não chega..., quanto mais no caso dos leigos e leigas, pais e mães de família....
Por fim, a caridade. As confrarias têm um trabalho social e caritativo impressionante, por isso que mais podemos pedir?
Como é que a manifestação da fé, o empenhamento pessoal, é encorajada neste domínio?
-Para além das três dimensões já conhecidas, vemos gradualmente uma quarta dimensão a ganhar importância na vida das mulheres e dos homens. Irmandadessensibilização para a missão e a evangelização.
Em novembro de 2021, pouco depois da minha chegada a Sevilha, teve lugar a missão do Gran Poder. A estátua visitou os bairros mais pobres da cidade, esteve em cada uma das paróquias. Assisti a tudo o que pude, sobretudo às transferências. É impressionante: os rostos, os olhares das crianças, dos jovens e dos idosos, dos doentes...
A escultura de Nuestro Padre Jesús del Gran Poder tem, por si só, uma grande beleza estética e, sobretudo, uma força espiritual e religiosa que se podia sentir só de passar. "O Senhor de Sevilha que me vem ver", diziam as pessoas... Era algo muito grande.
Agora outras irmandades estão a levar a cabo estas missões. Esta dimensão está a ser reforçada, porque o ser humano é sensibilidade, sentimento, coração; é razão, compreensão; e é fé e espiritualidade. Os três níveis são necessários e complementares, não exclusivos. Então, porquê excluir este nível que tanto ajuda as pessoas? É uma tarefa pastoral que está a ganhar força.
Como é que a piedade popular se insere na paróquia, na comunidade e na vida quotidiana?
Quando explico a arquidiocese de Sevilha a pessoas que não a conhecem, indico-lhes: 264 paróquias, a maioria das quais muito activas em toda a diocese, 125 comunidades de vida ativa, 34 mosteiros e conventos de vida contemplativa. Juntamente com elas, todas as realidades eclesiais: Opus Dei, Caminho Neocatecumenal, Cursilhos de Cristandade, Focolarinos, Obra da Igreja, Ação Católica..., etc., etc. Todos com uma forte presença e vitalidade. E ao lado deles, 700 irmandades.
Perante esta realidade, a primeira coisa a fazer é não cair no comodismo e, sobretudo, o que devemos fazer é crescer na comunhão eclesial e na sinodalidade. Assim, unidos, o efeito pastoral e evangelizador será multiplicado.
No caso das confrarias, por exemplo, os seus directores espirituais são geralmente párocos das igrejas das aldeias, estão ligados a muitas paróquias e estão, portanto, unidos a esta vida paroquial. Por exemplo, os itinerários de catequese são feitos nas paróquias, não são duplicados.
Os bispos do Sul publicaram uma interessante carta pastoral sobre a piedade popular. Como evitar que ela seja esquecida?
-Certamente, com todos os documentos oficiais, há o perigo de que passem da imprensa para a estante. Em Sevilha, em preparação do II Congresso Internacional das Confrarias e da Piedade Popular, em dezembro de 2024, a formação permanente das Confrarias centrar-se-á este ano nesta Carta. Eu próprio dou sempre uma conferência aos Irmãos e Irmãs mais velhos, no início do curso, e falaremos sobre esta carta.
Como é que o Papa acolheu este II Congresso Internacional das Confrarias e da Piedade Popular?
-No passado mês de junho, apresentei o congresso ao Papa. Ele falou-nos da importância da evangelização da cultura e da inculturação da fé. Sublinhou a importância da piedade popular como aquela piedade pessoal, familiar, próxima, que se transmite em casa, através do dialeto materno.
Exortou-nos a reforçar este espaço, a acompanhá-lo e a sermos muito acolhedores. Além disso, o Papa pediu-nos que cuidássemos da "fé dos simples" e de todos. Aconselhou-nos a dar conteúdo e formação a esta área e a reforçar esta dimensão evangelizadora.
Insistiu também na coerência de vida, no facto de ajudarmos todos os fiéis a viverem uma vida social, profissional e eclesial coerente.