Jacques Philippe partilhou a noite de 24 de novembro com mais de duzentas pessoas no Fórum Omnes "Precisamos de Deus?
Na reunião, realizada na Universidade Villanueva de Madrid e patrocinada pela Fundação Carf e pelo Banco Sabadell, Philippe reflectiu sobre a ausência de Deus que significa o desaparecimento da esperança e da misericórdia ou a necessidade de uma relação filial com Deus para uma vida plena do homem de hoje.
O Fórum, que estará disponível no canal YouTube do Omnes num futuro próximo e será o tema da secção Experiências da edição impressa de dezembro de 2023 do Omnes, suscitou enormes expectativas.
Jacques Philippe é autor de numerosos livros sobre a vida espiritual, incluindo títulos como "Liberdade Interior", "Tempo para Deus" e "A Paternidade Espiritual do Sacerdote", entre outros.
No nosso mundo, alternam-se o paradoxo de uma secularização evidente e o aparecimento de novas espiritualidades. Acha que é mais fácil chegar a Deus através deste "espiritualismo" ou, pelo contrário, é mais confuso?
-Há muitos caminhos possíveis. Penso que há pessoas que estão no ateísmo e que podem ter uma sensação de vazio porque, de certa forma, o homem não pode passar sem espiritualidade. E talvez esse vazio o leve à fé.
Também conheci pessoas que passaram primeiro pelas novas espiritualidades, porque estavam à procura de sentido ou porque havia algo de errado na sua vida que queriam remediar e tocaram aqui e ali, acabando na Igreja. Não tenho estatísticas, mas penso que é assim!
É bonito ver como os percursos das pessoas são diferentes: alguém de uma família totalmente ateia que se torna crente ou alguém que é budista "até ao último fio de cabelo" e acaba por encontrar Cristo...
Fala-se de um mundo em crise, de uma Igreja em crise, de um humanismo em crise - haverá razões para ter esperança?
-Sim, penso que sim. Porque Deus é fiel. Por vezes, o homem pode abandoná-lo - é o que está a acontecer hoje - mas Deus não abandona o homem. Acredito que Deus encontrará uma forma de se manifestar e de atrair os corações para si. Que encontrará uma forma de se propor a todos os homens.
Não se trata apenas dos mecanismos históricos, sociológicos, que têm evidentemente a sua importância e a sua parte de verdade, mas no fundo acredito que existe um desígnio de Deus sobre o homem e sobre o universo. É isso que me dá esperança.
Como é que, numa sociedade marcada pelo "ruído" e pelos prazos, se pode conseguir o silêncio interior necessário para escutar Deus hoje?
-Hoje em dia, há muitas pessoas que também querem outra coisa, que querem regressar à natureza, que sentem essa necessidade de silêncio. Uma vida que não seja frenética, mas mais calma, digamos assim. E vemo-lo em todos os jornais.
Pôr isto em prática não é fácil, porque não nos podemos isolar completamente do mundo. Penso que o mais importante é encontrar espaço no nosso coração. Alguns espaços de silêncio, de abertura a Deus, de paz. Mas isso significa cortar. Temos de saber desligar o telemóvel, a televisão e reservar um tempo para o recolhimento, mesmo que seja num cantinho do nosso quarto.
Eis o que diz Jesus: "Quando rezares, entra no teu quarto, fecha a porta e reza a teu Pai, que está em segredo, e teu Pai, que vê em segredo, recompensar-te-á". É claro. Quando conseguimos levar as pessoas ao Evangelho, à oração, à procura de Cristo, isso leva a uma mudança na nossa vida.
É autor de um livro sobre a paternidade espiritual do padre. De um modo geral, a nossa sociedade, mesmo na Igreja, perdeu o conceito de paternidade?
-Sim e não. Penso que a questão é bastante complexa. É verdade que hoje em dia há uma rejeição da paternidade, uma rejeição de Deus, a paternidade é acusada de ser abusiva, critica-se a "sociedade patriarcal", o pai é o "inimigo a abater".
Há algumas razões legítimas para isso, talvez porque a forma como a autoridade é exercida no mundo, e também na Igreja, por vezes não tem sido correcta: não tem respeitado a liberdade humana, tem tido demasiado poder, demasiada influência sobre as pessoas que não conduz à liberdade, o facto de haver uma reação pode ser normal, o problema é que é excessiva.
Perante isto, temos de recordar o que é a verdadeira paternidade. Precisamos de regressar ao mistério da paternidade divina e precisamos também de homens que sejam a imagem dessa paternidade divina: humildes, respeitadores, que conduzam à liberdade e ajudem as pessoas a serem elas próprias e não alguém que as sufoque. Devemos voltar-nos para Deus, promover verdadeiros modelos de paternidade e encontrar o sentido da filiação.
Por outras palavras, creio que há um certo orgulho humano que proclama: "Não preciso de ninguém, não quero depender de ninguém, posso salvar-me a mim próprio...". Para além disso, encontramos este orgulho humano que é contrário a uma atitude filial, de confiança, de disponibilidade. Tudo isto é algo que temos de retificar.
Penso que pode ser muito útil voltar ao Evangelho, redescobrir a paternidade de Deus, não tal como o homem a concebe e a projecta em Deus, mas Deus tal como é, tal como se revela na parábola do Filho Pródigo, por exemplo. Reencontrar a verdadeira imagem de Deus no Evangelho e também recuperar um coração de criança e de confiança. É essa a ação do Espírito Santo no nosso coração. O Espírito Santo que nos faz dizer: "Vai!Abba, Pai!"que desperta em nós a confiança, que nos cura dos medos e das suspeitas, que nos permite abrirmo-nos verdadeiramente a Deus.
Penso que as soluções mais profundas são de ordem espiritual. Há coisas que podem ser feitas a nível psicológico, a nível social, algumas mudanças sociais na Igreja... Mas a questão de fundo é reencontrar o mistério do Deus vivo e receber a graça do Espírito Santo. Uma nova efusão do Espírito Santo no mundo, um novo Pentecostes, onde nos encontramos agora de uma certa maneira.
A Igreja não é uma instituição humana, é Deus que se comunica.
Jacques Philippe. Autor de espiritualidade
Acreditam realmente que estamos numa efusão do Espírito quando, para muitos, a Igreja está mortalmente ferida?
-A Igreja sempre esteve em crise. Nunca foi uma instituição estável. Quase morreu uma centena de vezes. Mas a Igreja não é uma instituição humana, é Deus a comunicar-se. O mistério de Cristo que se comunica ao mundo.
A Igreja tem sempre de ser purificada e reformada e penso que é isso que está a acontecer. Há sofrimento, há interrogações, mas penso que vemos também o Espírito Santo em ação, que não abandona a sua Igreja.
Vejo muitos sinais da ação do Espírito Santo na Igreja e, nos últimos anos, houve renovações espirituais muito importantes: a Renovação Carismáticatambém uma renovação mariana, tantas pessoas que são alcançadas pelo Medjugorjepor exemplo. Pode não ser um fenómeno de massas, mas há muitos lugares onde a presença do Espírito pode ser experimentada, onde há uma renovação dos corações e uma cura das feridas do espírito.
Creio que esta realidade será amplificada. Talvez através do sofrimento, por vezes é preciso chegar ao fundo do poço para nos levantarmos de novo. Por vezes, as pessoas têm de enfrentar a sua própria miséria, a sua impotência radical, para começarem a gritar a Deus.