Quando o seu livro "Mujeres Brújula" foi posto à venda, houve quem a qualificasse como "a mulher mais poderosa do Opus Dei". Um título de que Isabel Sánchez ainda hoje se ri. Esta leiga de aspeto frágil é a directora da Assessoria Central do Opus Dei. Opus Deio órgão de direção da Opus Dei para mais de 50.000 mulheres em 70 países em todo o mundo.
Há algumas semanas, Sánchez trocou a capital do Tibre pela cidade olivícola de Jaén. Aí participou no XI Simpósio Internacional São Josemaria que, nesta décima primeira edição, centrou a sua atenção no tema da amizade com oradores como Enrique García MáiquezLuis Gutiérrez Rojas e Ana Sánchez de la Nieta.
"Amigos de Deus e dos homens" é como São Josemaria gostava de definir os fiéis da Obra, recordando aqueles "fortes amigos de Deus" de Santa Teresa de Jesus. Isabel Sánchez fala à Omnes sobre a amizade, o apostolado, a juventude de coração e todo o panorama, muito amplo, dos "amigos de Deus e dos homens". pessoas leigas na construção da Igreja.
Antes de falarmos de qualquer coisa, temos de ser claros quanto ao conceito. O que é que entende por amizade?
- Gosto de o definir como uma descoberta do coração. É a relação afectiva que nasce de um encontro casual com alguém em quem encontramos uma aceitação plena, uma certa harmonia interior e uma ajuda desinteressada, para enfrentarmos juntos o mundo, em alguns dos seus aspectos.
Através da relação e do hábito, essa relação pode tornar-se mais profunda, mais forte e mais poderosa. Pela forma como surge (é encontrada) e pela forma como afecta a nossa vida (a enriquece), podemos dizer que a amizade é um tesouro humano.
De facto, é uma das obras mais conhecidas de S. Josemaria, Amigos de Deus. Falamos muito da "amizade com Deus", mas talvez não saibamos como ser amigos dos "homens" e até achamos "suspeita" uma amizade desinteressada... Será que temos um problema de partida?
- Estou agradavelmente surpreendido por dizer que falamos muito da amizade com Deus. A verdade é que, no meu ambiente, com os meus amigos, não tenho visto que seja assim tão comum falar disso: antes, deparo-me com uma certa indiferença em relação à religião ou, no melhor dos casos, com um desejo de chegar a uma relação íntima com Deus sem saber como se ligar a Ele...
Em todo o caso, desde que Deus se fez Homem, o círculo está fechado: toda a amizade com outro homem tem algo de divino, e toda a amizade com Jesus Cristo realça e enobrece a amizade com os homens. O único problema inicial poderia ser o individualismo egocêntrico ou aquilo a que o Papa Francisco chama a globalização da indiferença.
Se nos fecharmos em nós mesmos, tornamo-nos incapazes de amizade, tanto com as pessoas como com Deus. E, perante isto, São Josemaria convida-nos, pondo na boca de Jesus Amigo este convite: "Sai dessa vida estreita, que não é vida" ("...").É Cristo quem passa por aqui", n. 93)
Os jovens de hoje viverão a amizade da forma como nós, adultos, os ensinarmos a vivê-la.
Isabel Sánchez. Secretário-geral do Opus Dei
No Simpósio São Josemaria Acha que os jovens concebem e vivem a amizade de uma forma completamente "dada"?
- A juventude é uma fase vital da vida em que se sai, por assim dizer, de casa para o mundo. É um período de exploração do universo humano em que os amigos assumem uma relevância especial. Os amigos são aqueles com quem se sai para navegar na vida.
Os corações jovens estão sempre prontos a dar tudo de si, mas esta é uma arte que se aprende. Os jovens de hoje viverão a amizade da forma como nós, adultos, os ensinamos a vivê-la: o nosso exemplo conta muito; os modelos que lhes apresentamos em séries, filmes, novelas; a vida e a narrativa dos influenciadores...
Uma das primeiras coisas que os nativos digitais precisam de aprender é a distinguir entre amigos e seguidoresA amizade requer presença, tempo e a aplicação da lógica da gratuidade, não a do mercado.
Falando de amizade desinteressada, São Josemaria dizia que "de cem almas interessam-nos cem". Como conjugar a amizade com uma verdadeira vocação apostólica sem instrumentalizar a amizade?
- Uma verdadeira vocação apostólica parte do respeito total pela liberdade de Deus - que procura amigos, não escravos -, pela própria liberdade - reconhecida como um grande dom que não pode ser usado para subjugar os outros - e pela liberdade do amigo, que se ama em toda a sua dignidade.
O apóstolo amigo anuncia Cristo, ilumina o caminho para Ele e faz tudo o que pode para acender no amigo o desejo de Deus. Ajuda a acender uma centelha divina no interior da pessoa, que ela já possui, mesmo que por vezes esteja obscurecida ou distorcida. Não comercializa um bem exterior, mas ajuda a descobrir um tesouro interior que pertence ao outro, mas que ele tem de decidir se aceita e cultiva.
O apóstolo, como Jesus, não dá para receber; simplesmente dá-se a si próprio, assumindo o risco da liberdade.
Uma amizade é um ato recíproco... e, no caso de Deus, completamente assimétrico. O que é que o homem "contribui" para Deus?
- Este é um grande mistério, mas o próprio Deus nos disse o que quer de nós: "Dá-me, meu filho, o teu coração" (Prov, 23, 26).
O que o homem traz a Deus é nada mais nada menos do que a livre correspondência ao seu Amor. Cada pequeno ato de amor é uma bela e alegre novidade na Criação; é por isso que todos nós somos importantes para Ele.
Como numerário do Opus Dei, vive e trabalha como qualquer leigo normal, seguindo o espírito de São Josemaria. Como viveu São Josemaria esta amizade com "o céu e a terra"?
- Com um coração de carne, nobre, generoso e indiviso. Com o mesmo coração com que amava ternamente os seus pais, fortemente os seus amigos, incondicionalmente os seus filhos, apaixonadamente o mundo, com esse mesmo coração amava loucamente Jesus Cristo. Para ele, a caridade e a amizade fundem-se numa só e mesma coisa: a luz divina que aquece (Forge, 565).
E tudo isto com muita graça: graça divina, que a levou a dar-se com grande generosidade a Deus e aos outros, e graça humana, feita de sorriso e bom humor.
Haverá ainda um longo caminho a percorrer, dentro e fora da Igreja, na compreensão de uma relação 100% com Deus por parte dos leigos?
- Parece-me que há ainda um longo caminho a percorrer até compreendermos o poder dos milhões de leigos que constituem a grande maioria da Igreja. Podemos aprofundar ainda mais a força transformadora do simples batismo, que nos permite chegar à mais alta intimidade com Cristo, até à entrega livre e exclusiva a Ele no meio do mundo, e a do sacramento da confirmação, que nos dá um verdadeiro impulso apostólico, decorrente da configuração a Ele e da força do Espírito Santo.
Mas o Espírito Santo, o grande Mestre, está a suscitar muitos exemplos desta "santidade ao lado", como lhe chamou o Papa Francisco, para que possamos ver com os nossos olhos a que alturas de espiritualidade são chamados os baptizados. Basta pensar em Carlo AcutisChiara Corbella, Guadalupe Ortiz de Landázuri e tantos outros: toda uma cadeia de jovens amigos de Deus.