Vocações

Irmã Idília Maria Carneiro: "Apercebi-me que era com os doentes que eu era feliz".

A Superiora Geral das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, Idília Maria Carneiro, descobriu a sua vocação ainda muito jovem. Ela conta essa história nesta entrevista ao Omnes, na qual também explica o carisma da sua Congregação e a contribuição das Irmãs para a sociedade.

Leticia Sánchez de León-10 de setembro de 2024-Tempo de leitura: 6 acta
Idília Maria Careiro

Irmã Idília Maria Carneiro, Superiora Geral das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus (Irmãs Hospitaleiras)

As Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus são uma congregação religiosa de mulheres apaixonadas pela vida, unidas pelo amor, pela oração e pelo serviço, numa palavra: pela hospitalidade. A sua missão é levar a mensagem evangelizadora de Jesus, o Bom Samaritano, e de Maria, a primeira Hospitaleira, através do testemunho da sua presença e assistência aos mais vulneráveis.

O Congregação das Irmãs Hospitaleiras foi fundada em Madrid (Espanha), em 1881, por São Benito Menni, sacerdote da Ordem de São João de Deus, juntamente com María Josefa Recio e María Angustias Giménez, escolhidos por Deus para responder à situação de abandono sanitário e exclusão social das mulheres com doenças mentais da época, combinando dois critérios fundamentais: a caridade e a ciência.

A Irmã Idília Maria Carneiro foi eleita Superiora Geral das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus no passado mês de maio. A eleição teve lugar no XXI Capítulo Geral, onde 34 membros da Congregação se reuniram em Roma para iniciar um período de discernimento e reflexão sobre o carisma da instituição.

"O Capítulo Geral é o acontecimento mais importante na vida de uma Congregação, pois é uma avaliação do que foi feito e vivido durante o sexénio, projectando o futuro, procurando responder às necessidades de hoje, e elegendo as irmãs do Governo Geral que irão orientar a vida e a missão da Congregação nos próximos seis anos", antecipou a então Superiora Geral, Irmã Anabela Carneiro, (irmã da atual Superiora), na véspera do encontro que decorreu sob o lema: "Revesti-vos de entranhas de misericórdia". Sinais proféticos de esperança e da proximidade de Deus à humanidade sofredora".

Idília Maria Carneiro nasceu em Moçambique em 1966. É a quarta de cinco irmãos, três dos quais são Irmãs da mesma congregação. A Irmã Idília Maria cresceu no seio de uma família com profundas raízes católicas, que a formaram como pessoa e mulher de fé, o que está também na origem da sua vocação consagrada: "Aprendi com os meus pais a viver a fé cristã através da oração e da caridade ativa. Aprendi a rezar o terço todos os dias e a dar uma atenção especial aos pobres. Também foi decisivo na sua vida tudo o que viveu na paróquia, onde fazia parte de um grupo de jovens que recebia catequese.

A Irmã Carneiro entrou para as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus em 1984. É licenciada em Serviço Social pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas de Lisboa, mestre em Espiritualidade e Ética da Saúde e pós-graduada em Gestão de Recursos Humanos. Nesta entrevista à Omnes fala-nos da sua vocação e do carisma da Congregação a que pertence.

Casa das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus em Ciempozuelos, Espanha (Hermanas Hospitalarias)

O que é que a palavra "vocação" significa para si?

- É um dom de amor gratuito que Deus nos oferece. Por isso, a primeira atitude que peço a Deus é uma atitude de gratidão, e depois uma atitude de serviço, porque o amor responde-se amando. A vocação é um chamamento único e pessoal que o Senhor faz a cada um de nós para vivermos e darmos a nossa vida de uma forma particular, de acordo com o espírito a que Deus nos chama.

Na nossa Congregação, é uma vocação hospitaleira, um apelo a viver com Jesus, o Bom Samaritano, a aventura de estar perto da dor dos doentes, respondendo com proximidade, escuta e compreensão.

Como é que descobriu o chamamento de Deus para O seguir como Irmã Hospitaleira?

- A descoberta da minha vocação foi uma surpresa, porque não estava no horizonte da minha vida. Aos 16 anos, tive o meu primeiro contacto com a vida das Irmãs Hospitaleiras em Braga (Portugal), quando participei num fim de semana de actividades para jovens. Lembro-me de como foi difícil ter esse primeiro contacto com os doentes, sobretudo os mais graves, mas pouco a pouco algo se abriu dentro de mim e comecei a sentir que a minha vida tinha um horizonte diferente e que se alargava à medida que me entregava a ela. 

A experiência de servir os doentes deu uma volta de 180 graus à minha vida: despertou em mim uma perspetiva de vida baseada no amor e na gratuidade. Apercebi-me de que era junto dos doentes que me sentia feliz. Ao mesmo tempo, o contacto com as irmãs, a alegria que demonstravam ao dedicar a sua vida ao serviço dos doentes, o conhecimento da Congregação e dos fundadores - Benito Menni, Maria Josefa e Maria Angustias - bem como a sua experiência de descoberta vocacional, os momentos de oração e de encontro fraterno... marcaram-me.

O meu caminho interior de escuta de Deus e de procura do que Ele sonhou para mim fez-me ver a minha vida, não na minha perspetiva, mas na perspetiva de Deus: reconhecer que sou amado por Ele e que este amor me desperta todos os dias para amar e servir os meus irmãos e irmãs.

Como é que este apelo se materializa na vida quotidiana?

- O carisma da hospitalidade identifica-nos cada vez mais com Jesus compassivo e curador, que passou pelo mundo curando todos e fazendo o bem. A hospitalidade consiste em colocar a pessoa no centro, oferecendo espaço e tempo, atenção e cuidado, humanidade e recursos aos mais vulneráveis. É também um modo de vida que, no dia a dia, fala de acolhimento, de aceitação dos outros tal como são, de respeito mútuo e de corações abertos, e também de se deixar acolher. Todos nós precisamos de dar e receber.

Como o Bom Samaritano, somos particularmente interpelados pelo sofrimento e pela necessidade daqueles que estão à beira da estrada e não podemos passar ao lado, porque nos sentimos chamados a servir a humanidade sofredora, a acolher os necessitados, à universalidade, ao amor, ao serviço, à entreajuda e ao cuidado. 

Como Irmãs Hospitaleiras, vivemo-la a partir da nossa vida consagrada, em comunidade, isto é, partilhando a nossa vocação com outras irmãs, e sentindo-nos também enviadas a evangelizar e a levar a Boa Nova da Hospitalidade de Deus aos nossos irmãos e irmãs que sofrem e são frágeis. A nossa comunidade inclui também colaboradores e leigos, pois ser Hospitaleiras é ser construtoras de paz e fraternidade, semeadoras de esperança e dignidade, porque reconhecemos Jesus nas pessoas que sofrem de doença mental e deficiência intelectual. A nossa missão é cuidar de toda a pessoa, unindo ciência e humanização, especialmente para os mais desfavorecidos e os mais necessitados, respeitando e defendendo a vida.

O que é que as pessoas que seguem este carisma particular podem contribuir para o mundo? 

- A primeira coisa que trazemos é precisamente coração e compaixão, proximidade e humanidade, cuidados qualificados de acordo com os avanços da ciência e da tecnologia na área da saúde, de acordo com os princípios da Doutrina Social da Igreja. Queremos continuar a ser uma Instituição que contribui para uma sociedade mais justa e fraterna, em que as pessoas mais vulneráveis, pela sua situação de doença mental e exclusão, e as suas famílias, tenham efetivamente um lugar, uma voz, um espaço vital que as ajude a sentirem-se e a reconhecerem-se como pessoas, amadas e respeitadas, acompanhadas e integradas. Àqueles que hoje são tão frequentemente descartados na nossa sociedade, queremos dizer que, para nós, para Deus, eles são os primeiros.

A sociedade está a ver como os problemas de saúde mental se multiplicam e nós queremos estar presentes, dando respostas humanizadoras e actualizadas às necessidades de hoje, como fez o nosso fundador, São Bento Menni.

É evidente que este modo de vida não está na moda; é muitas vezes mal compreendido ou mesmo rejeitado com pouco ou nenhum conhecimento. A essas pessoas que rejeitam este modo de vida, como explicaria a sua escolha?

- Escolhemos esta vida porque, a partir da experiência de nos sentirmos misericordiosamente amadas por Deus, queremos ser testemunhas de que o Cristo compassivo e misericordioso do Evangelho permanece vivo entre os homens e as mulheres, e isso impele-nos a ser mulheres de Deus, ao serviço da pessoa que sofre e a evangelizar através da hospitalidade.

É a misericórdia de Deus que cura e gera comunhão, que abre horizontes de amor ilimitado e universal, que dá sentido à nossa vida. É a escolha de viver precisamente na base de um serviço dignificante às pessoas com sofrimento mental. Esta é a opção escolhida pela nossa instituição e o legado que recebemos do nosso fundador São Bento Menni: a pessoa no centro, a pessoa em quem reconhecemos a imagem viva de Jesus, o lugar teológico onde Deus se revela a nós e onde servimos e cuidamos da vida, sagrada e inviolável; a pessoa como sujeito do processo terapêutico e do projeto de vida. 

O autorLeticia Sánchez de León

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