Como é que uma instituição religiosa ou uma diocese pode gerir profissionalmente uma carteira de investimentos, e é possível saber se as empresas ou os fundos em que investem estão plenamente alinhados com o Magistério da Igreja? Para responder e ajudar a estas questões nasceu Altum Faithful Investing, uma empresa de consultoria financeira que combina o crescimento sólido e estável do património com a aplicação de princípios católicos, fundada por Borja Barragán.
A ideia nasceu da consciência que Barragán tinha da sua própria vocação pessoal e matrimonial e, como refere nesta entrevista à Omnes, ficou surpreendido ao tomar conhecimento das comissões abusivas cobradas aos religiosos por estes serviços e da falta de alinhamento de alguns investimentos com a Doutrina Social da Igreja.
Como é que nasce uma empresa como a Altum Faithful Investing?
-Há sete ou oito anos, eu estava a fazer um mestrado em Pastoral Familiar no Instituto João Paulo II. Para mim, a nível pessoal, foi uma redescoberta absoluta da vocação matrimonial: Deus está de novo no centro da vida conjugal vocacional... E, portanto, o resto das coisas também se ordenam.
Havia também religiosos e religiosas entre os alunos do mestrado. Sabiam que eu estava ligado às questões financeiras, porque sempre trabalhei na banca de investimento, nos mercados financeiros, nas carteiras de investimento, etc., e consultavam-me sobre essas questões. Nesse sentido, houve duas coisas que me chamaram muito a atenção. A primeira foi a questão das comissões, as comissões muito elevadas cobradas aos religiosos. Por outro lado, havia também a falta de coerência entre alguns dos pelouros dos religiosos e a fé professada. Não por má intenção, mas porque confiavam naqueles que os "aconselhavam".
Penso que uma das primeiras coisas que temos de fazer, dada a lógica da dádiva, é geri-la corretamente. Muitas instituições religiosas têm uma grande parte do seu património proveniente de doações feitas pelas pessoas e, perante a dádiva recebida, temos a tarefa de a gerir bem.
Apercebi-me de um vazio. Não havia ninguém que tivesse a vocação e a vontade de tentar gerir este património de uma forma coerente com a fé, para ajudar as instituições religiosas de uma forma profissional. Porque nós temos muito claro que o facto de sermos "católicos" não nos dispensa, pelo contrário, de sermos muito profissionais.
A partir daí, deu-se um forte processo de discernimento. Falei com a minha mulher, com vários padres e também em frente ao Tabernáculo, pensando em como pôr os meus talentos, aquilo em que sou bom - gestão financeira - ao serviço das instituições que me acompanharam ao longo da minha vida.
Até há relativamente pouco tempo, era raro ouvir os termos "investimento - Igreja" juntos. Considera que existe um profissionalismo neste domínio ou há ainda um longo caminho a percorrer?
-Penso que a gestão nas dioceses, nas instituições religiosas, etc., é feita da melhor maneira possível. O facto de haver ecónomos formados à frente destas instituições é já uma conquista. É verdade que há diferenças culturais muito grandes entre o mundo anglo-saxónico ou da Europa Central e o que existe há muito tempo em Espanha.
A abordagem é completamente diferente na cultura anglo-saxónica. Para eles, a partir da "dádiva recebida", por exemplo, da riqueza, surge a obrigação de a gerir e administrar da melhor forma possível, com profissionais.
Do ponto de vista ético, o impulso veio nos últimos anos. Em 2018, a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica publicou "A economia ao serviço do carisma e da missão" e, também em 2018, a Congregação para a Doutrina da Fé e o Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral publicaram "A economia ao serviço do carisma e da missão".Oeconomicae et Pecuniariae Quaestiones. Considerações para um discernimento ético sobre alguns aspectos do atual sistema económico e financeiro". Estes foram os primeiros grandes passos que mais tarde foram desenvolvidos no recente documento ".Mensuram Bonam".
É evidente que a Igreja está a tomar consciência de que há um património a gerir bem e que não é para os religiosos comprarem Ferraris. Mas porque, para fazer o bem, é preciso ter bens. É preciso ver como fazer com que esses bens frutifiquem da melhor maneira possível.
A principal diferença em relação ao mundo anglo-saxónico é que este trabalha há 300 anos com o conceito de dotação(em espanhol "fondo dotacional").
Antes da montagem Altum Fui fazer uma formação em Harvard. Aí fiquei a conhecer em profundidade este conceito de dotação. No caso da universidade, por exemplo, o património é gerido tendo em conta as necessidades dos estudantes de daqui a 50 anos, para que tenham as mesmas oportunidades que os de hoje. Algo semelhante acontece no mundo congregacional e diocesano: este património existe para responder às necessidades das vocações daqui a 50 anos. Para enfrentar um horizonte temporal tão longo, a tolerância ao risco tem de ser maior.
Se olharmos para os activos que tiveram melhor desempenho, que deram os melhores rendimentos, a longo prazo, não há dúvida de que os activos que melhor suportaram a inflação foram as acções e não as obrigações. É aqui que entra a ciência financeira para ajudar as entidades religiosas a terem uma gestão equilibrada dos seus activos. Não se trata de dizer que tudo deve ser investido em acções e que todo o risco deve ser assumido, mas que devem ser capazes de assumir um risco adequado à sua própria tolerância ao risco. De acordo com as suas capacidades e, sobretudo, de acordo com o seu horizonte temporal.
Se formos míopes e nos concentrarmos apenas na aquisição de carteiras sem risco, o objetivo de garantir as mesmas oportunidades daqui a 50 anos, garanto-vos, não será alcançado. A inflação vai simplesmente corroer essa riqueza.
E será que esta ideia de evitar a visão a curto prazo e de assumir riscos está a pegar?
-Pouco a pouco. Os nossos próprios clientes dizem-nos isso. Muitos vêm do "mundo dos depósitos" antes de 2008. Em 2008, com a grande crise, as taxas de juro desapareceram, ninguém dava nada pelo dinheiro. Agora podem dar um pouco mais por esses depósitos, e o pedido que nos fazem é para ver como assumir um pouco mais de risco para poderem olhar para além dos 5 anos.
Outra coisa que vemos é que, cada vez mais, as pessoas responsáveis pela administração deste tipo de instituições estão a procurar estar preparadas. Pedem formação para poderem ter uma conversa em pé de igualdade com os bancos com quem se sentam.
Não acha que, mesmo assim, palavras como "risco" ou "lucro" na Igreja suscitam algumas dúvidas?
-A palavra risco Na Igreja, pode ser um pouco assustador, mas são os missionários, os religiosos, que pegaram numa mala e, sem um euro no bolso, atravessaram o mundo para partir em missão para países hostis. Isso, para mim, é um risco.
Em todo o caso, deveríamos estar mais preocupados, não tanto com o facto de as instituições da Igreja obterem lucros nos investimentos, porque sabemos que esses lucros devem ser investidos na manutenção das igrejas, na ajuda à caridade, etc., mas com a forma como esses lucros são obtidos e para que são utilizados.
Lançaram recentemente um sistema de certificação dos fundos segundo critérios baseados na Doutrina Social da Igreja. Como é que procedem a essa certificação?
-Não se pode analisar uma empresa pela vida privada do seu presidente ou pelo comportamento dos seus empregados. Para o fazer de uma forma objetiva - estamos a falar de investimentos - temos de ter em conta dois aspectos.
A primeira coisa a fazer é saber se a atividade desenvolvida pela empresa está ou não em conflito com o Magistério da Igreja. O objetivo é que as empresas sejam o que são. Não é que devam erguer a cruz e rezar o Angelus, mas que forneçam uma série de bens, serviços, produtos de qualidade, a custos acessíveis, que tratem bem os seus empregados e lhes paguem bem, etc. É isso que se pede a uma empresa. É a isto que nos referimos quando dizemos que a atividade que desenvolve não é contrária ao Magistério. A segunda parte refere-se às práticas da empresa enquanto empresa e ao facto de entrarem ou não em conflito com a Doutrina Social da Igreja. Por exemplo, podemos investir numa empresa que fabrica mesas; algo que, à primeira vista, não entra em conflito com a Doutrina Social da Igreja. Mas o que acontece se essa empresa, no âmbito da sua política filantrópica, fizer grandes doações à Planned Parenthood? Faz sentido para mim, como católico, financiar uma empresa que faz doações a projectos que são claramente contrários à moral e ao Magistério da Igreja?
O primeiro passo é analisar as empresas, através de toda uma metodologia que temos e das directrizes de investimento da Altum, para que nem as práticas nem as actividades entrem em conflito com a Doutrina Social da Igreja. Trabalhamos, principalmente através do diálogo direto com as empresas, o que se chama em inglês compromisso. Em 2022, realizámos mais de 600 compromissos com as empresas para "andar na verdade". Quando confrontados com informações controversas de uma empresa, queremos saber a sua opinião. Não porque sejamos os mais justos, mas porque, também na metodologia, nos guiamos pela abordagem ver - julgar - agir que a Doutrina Social da Igreja defende. Para julgar e atuar, no nosso caso, temos primeiro de ver.
Que aspectos são importantes para uma instituição ter em conta quando procura aconselhamento em matéria de investimento?
-Penso que há três pontos fundamentais.
A primeira é a confiança - a independência. Os cidadãos precisam de ter plena confiança na pessoa que os vai aconselhar. Essa confiança tem de vir da independência. Em muitos casos, os consultores financeiros são pagos pelos bancos ou, no caso de entidades não independentes, são pagos pelos bancos e pelos fundos de investimento que colocam junto do cliente e existe um claro conflito de interesses: o que é oferecido ao cliente, o que lhe convém ou o que gera mais comissões para o banco ou banqueiro?
Além disso, a este primeiro ponto deve acrescentar-se o profissionalismo. Qualquer consultor financeiro deve ser um consultor regulamentado pela Comisión Nacional del Mercado de Valores (CNMV), no caso de Espanha.
Em segundo lugar, nem tudo é válido. Quando o banqueiro vem e apresenta produtos de investimento, os religiosos são muito vendidos no investimento socialmente responsávelmas a abordagem atual que existe para a investimento socialmente responsável podem entrar em conflito com o Magistério. Por exemplo, podemos ter uma empresa com uma classificação ESG (ambiental, social e de governação) muito boa porque não tem emissões tóxicas, o conselho de accionistas está dividido de forma equilibrada: 50% homens e 50% mulheres, e todas as partes interessadas estão satisfeitas. Mas se esta empresa está a fazer investigação com células estaminais embrionárias, devemos investir nela? Não. Nem tudo é válido, e esta é uma das razões pelas quais os gestores de fundos de investimento nos pediram esta classificação.
Em terceiro lugar, o sector imobiliário. Em muitos casos, é necessário abandonar o passado para poder olhar para o futuro. Casas ou comunidades têm de ser encerradas para garantir a sobrevivência do instituto nos próximos 100 anos. Esta gestão, em que encontramos activos complicados do ponto de vista urbanístico, mas também muito sumarentos para os fundos de investimento, exige um acompanhamento profissional, a menos que se trate de especialistas em questões imobiliárias.
Talvez menos conhecido, mas igualmente notável, é o seu envolvimento num projeto como o Libres. Um novo mecenato?
-Nas grandes multinacionais existe a possibilidade de fazer Caridadeactos de doação. Quando trabalhei na banca, descobri sempre que quando queria fazer um donativo a instituições religiosas, a resposta era: "Não". Porque são religiosas. Pensei que, quando tivesse a minha empresa, queria ajudar a vida religiosa que tanto me ajuda.
Em Altum temos o programa Altum100x1Como empresa, os dividendos que seriam pagos aos accionistas (eu sou o único), são doados a projectos de evangelização que devem ter pelo menos uma destas três características: promoção da oração, promoção da missão e formação de vocações.
Temos vindo a apoiar projectos há vários anos e, no caso do Grátis foi absolutamente natural. De uma semente, surgiu uma produção como Grátis que dá visibilidade à vida das pessoas que nos apoiam discretamente e é uma forma de promover tudo isto.