Há um modelo de vida cristã na Tradição Ortodoxa que pode iluminar este período eclesial em que vivemos marcado pelo apelo a todos os baptizados para participarem na construção de uma Igreja sinodal. Refiro-me aos cristãos que, através de um sempre aprofundamento da graça baptismal, entram em comunhão com Cristo através da unção do Espírito de tal forma que o Espírito guia a sua existência ao ponto de participar e ser um sinal neste mundo da humanidade ressuscitada do Senhor. Neles, as energias divinas, o Espírito em acção - aquilo a que no Ocidente chamamos graça - iluminam a sua humanidade de forma palpável, irradiando a luz da Transfiguração para a realidade deste mundo através da caridade.
Conhecidos como os "homens e mulheres espirituais", os anciãos, os pais na fé, os starec ou também os "loucos de Deus", estão ligados à tradição monástica há séculos mas, nas últimas décadas, também inspiraram novas formas de vida entre os leigos, escondidos e imersos nas grandes cidades, empenhados no mundo do trabalho e da família, no ensino da teologia e no diálogo com a cultura, fazendo da existência quotidiana uma verdadeira liturgia, reunidos em pequenas fraternidades e ao serviço dos pobres do nosso mundo. Esta expansão de elementos próprios da vida monástica na vida do povo cristão lembra-nos que o monge não é um clérigo, mas uma pessoa baptizada que levou a sério a sua dignidade.
O que é peculiar dentro da estrutura eclesial da Ortodoxia é que estas figuras espirituais gozam de verdadeira autoridade dentro dela. Alguns teólogos chegam ao ponto de descrever a sua missão eclesial como um verdadeiro apostolado carismático pessoal que perpetua no tempo alguns traços genuínos do apostolado paulino, no qual vemos acentuada a perspectiva carismática e profética, e do apostolado joanino, selado pelo carisma marial e contemplativo.
No nascimento da Igreja, estes apostolados foram exercidos em plena comunhão com a dimensão petrina, sem oposição ou contradição mas em escuta mútua e colaboração. Contudo, ao longo da história do cristianismo, e também na história da Ortodoxia até aos nossos dias, surgiram tensões entre estas duas dimensões da Igreja, enfatizando a perspectiva carismática, a ponto de cair numa espiritualização cuja consequência pode ser a democratização; ou, pelo contrário, favorecer a clericalização que esquece o verdadeiro sacerdócio dos baptizados. Estes perigos não são estranhos à nossa realidade católica actual e, de facto, a renovação sinodal procura afastar-se destas posições polarizadas que distorcem o ser da Igreja como comunhão.
A dimensão hierárquica e a dimensão profética ou carismática são reguladas na certeza de que toda a Igreja está sujeita à obediência ao Espírito e também no reconhecimento de que a verdadeira profecia nasce da comunhão com o Corpo de Cristo, que é onde o Espírito desce e é dado a todos os membros unidos e reunidos. Assim, a comunhão e a liberdade são harmonizadas através da unção do Espírito que, quando ouvimos a sua voz e lhe permitimos soprar - mesmo que não saibamos para onde nos conduz - dirige sempre a consciência pessoal de cada cristão para a comunhão da fé e da caridade.
Temos também no Igreja Católica com o testemunho de homens e mulheres santos que encarnaram este ministério marial, carismático e profético na Igreja em comunhão com e, em muitos casos, encorajados pelo ministério hierárquico. Neste sentido, a referência a Santa Catarina de Sena é clássica, ou, no nosso tempo, é fácil pensar na Madre Teresa de Calcutá ou no irmão Roger de Taizé, caso em que existe também a perspectiva ecuménica que, partindo do reconhecimento comum do sacramento do baptismo, nos permite acolhermo-nos e escutarmo-nos mutuamente entre cristãos de diferentes confissões que, ungidos pelo Espírito e pela condição de filhos de Deus, podem ser portadores de uma profecia e de uma palavra de graça uns para os outros.
O fase sinodal em que nos encontramos neste momento eclesial é um apelo a despertar em todos os cristãos esta vocação de "homens e mulheres espirituais". Porque Deus confiou a todos os seus filhos uma palavra, um gesto, um dom e um carisma pessoal a dar à Igreja e ao mundo, para que o impulso e o fogo do Espírito, que recebemos no dia do nosso baptismo, possam reavivar a nossa participação e consciência eclesial, fazendo-nos todos sentir responsáveis, em comunhão com todos os membros da Igreja, pela urgência de sermos uma presença testemunhal no meio do nosso mundo contemporâneo.
Prioresa do Mosteiro da Conversão, em Sotillo de la Adrada (Ávila). É também professora na Faculdade de Teologia da Universidade Eclesiástica de San Dámaso, em Madrid.