Há uma anedota bem conhecida, mais ou menos piedosa, sobre um padre que, caminhando pelo campo, encontrou um pastor a cuidar do seu rebanho. Numa "explosão de misticismo", o padre começou a perguntar ao homem, que não era exactamente prolixo em palavras, sobre o seu trabalho e o seu rebanho:
-Quantas ovelhas tem?
-Não sei, pai, cerca de uma centena ou mais.
-E será que distingue cada um deles?
-Bem... mais ou menos, entre o que tem uma marca ou o que tem um "bocao" de cão, eu consigo...
O padre estava cada vez mais excitado e depois atreveu-se a perguntar A PERGUNTA:
-E se um deles se perder no mato, você vai e procura-o, não é?
Ao que o pastor respondeu:
Eu, procuro aquele idiota? Vai e deixa-a sair do penhasco!
Vá em frente e deixe-o sair do penhasco! Quantas vezes não dissemos ou pensámos pelo menos algo semelhante sobre alguém que nos ignorou, nos humilhou, nos atacou... e sofre uma contradição... É o "ele merece"... Que, se não o desejo do mal, pelo menos, o sentimento de "justiça divina" se realize (graças a Deus, a justiça divina não é governada pelos nossos parâmetros humanos).
O ensinamento desta parábola, que Lucas retoma em diferentes "versões": a dracma, a ovelha... é que, ao contrário do que uma pessoa "racional" faria, Deus perde a sua cabeça por cada um de nós.
Pensando bem, a confusão que a senhora faz sobre um dracma quase lhe custou mais do que a própria moeda; ou o que poderia ter acontecido com as outras noventa e nove ovelhas que andam sozinhas no mato (considerando que não são os animais mais espertos da natureza), poderíamos compreender que seria melhor se o outro tolo aventureiro cai do penhasco... porque o merece.
A verdade é que a ênfase tem sido frequentemente colocada na ovelha perdida, aquela que parte para descobrir novos lugares, aquela que não se apercebe que o pastor que a ama bem está a conduzi-la pelo melhor caminho. No entanto, podemos muitas vezes estar no grupo dos noventa e nove, daqueles que vêem como o pastor se sai do seu caminho para o ingrato que parte... sem perceber que, como o irmão mais velho na parábola do filho pródigo, é muitas vezes o nosso coração que está à beira do precipício, mesmo que estejamos sentados num banco de igreja.
Somos todas as ovelhas loucas e somos todas as noventa e nove.
Cristo morreu por cada um de nós na cruz, e dá a cada um de nós a confiança para "ir sozinho" quando tem de cuidar daquele que, muitas vezes, já julgámos, condenámos e pusemos de lado "porque ele merece". Deus não calcula o lucro de um ou de noventa e nove, porque somos todos únicos, somos um (um mais um, mais um...) no seu coração e Ele veio procurar-nos a todos quando fomos ver o que estava para além do caminho que este não me mostrou.
Lembro-me muitas vezes de uma pessoa que tinha sido feita sofrer por vários motivos por irmãos na fé. Ele tinha todos os motivos para estar zangado, arrogante, para lhes virar a cara muitas vezes. Quando lhe perguntaram como poderia agir amavelmente para com eles, ele respondeu: "Se Deus me perdoou tantas coisas, como não as posso perdoar? Seria pensar que eu era mais esperto do que Deus". Ele tinha todos os motivos para dizer: "ir e deixá-los cair do penhasco...". Mas não, lá estava ele, com o coração do Pastor, a reunir ovelhas ingratas com um sorriso.
P.S. Não posso terminar este artigo sem este vídeo que vi há alguns dias e que resume na perfeição 🙂
Diretora da Omnes. Licenciada em Comunicação, com mais de 15 anos de experiência em comunicação eclesial. Colaborou em meios como o COPE e a RNE.