A Declaração "Dignidade infinita"Depois de ter recordado os fundamentos teológicos da dignidade humana, concentra-se em algumas das suas graves violações, como o abuso sexual, o assédio sexual, o abuso sexual de mulheres e crianças e a abortoMaternidade de substituição, eutanásia e suicídio assistido, teoria do género, mudança de sexo...
O Magistério já se pronunciou sobre estas questões em várias ocasiões, pelo que a Declaração se limita a resumir esses ensinamentos. A última das violações da dignidade humana analisadas é provavelmente aquela em que o documento do Vaticano entra num terreno ainda pouco explorado do ponto de vista moral: o mundo digital.
Ilustra os perigos inerentes ao progresso das tecnologias digitais, progresso que tende a "criar um mundo em que crescem a exploração, a exclusão e a violência", tendências que "representam o lado negro do progresso digital". Refere a facilidade de difusão de notícias falsas e de calúnias, o risco de "dependência, isolamento e perda progressiva de contacto com a realidade concreta", aspectos que dificultam o desenvolvimento de verdadeiras relações interpessoais, bem como o ciberassédio, a difusão da pornografia e dos jogos de azar.
É de notar que, à medida que "as possibilidades de ligação aumentam, acontece paradoxalmente que todos estão, de facto, cada vez mais isolados e empobrecidos nas relações interpessoais".
Uma mudança de época
No seu discurso à Cúria Romana, em dezembro de 2019, o Papa Francisco começou por dizer: "Não estamos a viver simplesmente numa época de mudança, mas numa mudança de época. Estamos, portanto, num daqueles momentos em que as mudanças já não são lineares, mas de profunda transformação; constituem escolhas que transformam rapidamente o modo de viver, de interagir, de comunicar e elaborar o pensamento, de se relacionar entre as gerações humanas, e de compreender e viver a fé e a ciência".
Uma mudança de época que é essencialmente promovida pela revolução digital, que já afecta todos os aspectos da nossa vida e que, obviamente, constitui também um grande desafio para a Igreja.
A dignidade humana no progresso digital
Perante as numerosas consequências negativas desta revolução ou - nas palavras do documento - "o lado obscuro do progresso digital" (n. 61), existe frequentemente a tendência para procurar soluções disciplinares, proibindo ou controlando a utilização da Internet ou dos meios digitais. Esta solução pode certamente ser adequada e necessária para proteger as crianças em particular, mas não resolve certamente muitos problemas.
Neste sentido, a exortação do documento é importante quando se dirige à comunidade humana, encorajando-a a "ser proactiva na abordagem destas tendências no respeito pela dignidade humana". No nosso mundo globalizado, as novas tecnologias digitais abriram muitas possibilidades, tanto para a evangelização como - a nível humano - para "nos sentirmos mais próximos uns dos outros, para nos apercebermos de um renovado sentido de unidade na família humana, para sermos levados à solidariedade e a um sério empenhamento numa vida mais digna para todos".
Perante tudo isto, o Papa, na citada alocução à Cúria Romana, exortou-nos a "deixarmo-nos interpelar pelos desafios do tempo presente e a agarrá-los com as virtudes do discernimento... a partir do próprio coração do homem, com uma conversão antropológica". São intuições de grande alcance, mesmo se certamente requerem maior aprofundamento, concretização e renovado empenho, tanto da parte da sociedade como da Igreja, para enfrentar proactivamente os perigos inerentes à nova era.
Sacerdote. Foi professor de Direito Canónico em Veneza e de Teologia em Lugano e é autor de várias publicações nos domínios da eclesiologia, do Direito Canónico e da pastoral matrimonial.