Paris e a revolução cristã

São muitos os factores que levam os homens a cometer o mal e, muitas vezes, aqueles que o fazem não passam de peões ao serviço do prefeito, do rei, da república ou do grupo de pressão do dia, que tem vindo a mudar de nome.

1 de agosto de 2024-Tempo de leitura: 3 acta
Paris e a revolução cristã

A paródia da última ceia que Paris 2024 ofereceu a milhões de espectadores em todo o mundo dá-nos a oportunidade de explicar a maior revolução da história, que não foi a revolução francesa, mas precisamente a daquele judeu e dos seus 12 amigos. 

Na cerimónia de abertura da Jogos Olímpicoso berço do chauvinismo deu-nos uma mostra do seu orgulho patriótico. Afinal de contas, a organização dos Jogos Olímpicos é, antes de mais, uma operação de marketing para demonstrar poder com fins políticos e económicos. 

Orgulhosos da sua revolução sangrenta, incluindo a decapitação de Maria Antonieta, mostraram ao mundo os seus melhores triunfos e valores, nomeadamente o da liberdade de expressão sem restrições, incluindo o direito de mostrar as "cenas de escárnio e zombaria do cristianismo" que obrigaram os bispos franceses a pedir explicações à organização.

Ao recorrer à história para iluminar este acontecimento, a primeira imagem que nos vem à mente é um outro momento de escárnio e zombaria vivido pelo próprio Jesus. Foi quando, depois de ser crucificado, rezou: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem". Será que os autores e intérpretes do espetáculo sabiam realmente como este tipo de escárnio pode ser doloroso para um crente? Será que sabiam exatamente o que a cena significava e quem estavam a parodiar?

Na Andaluzia, onde vivo, uma região onde a religiosidade popular profundamente enraizada é um tremendo travão à secularização, poucas pessoas com menos de 30 anos saberiam distinguir S. Pedro de S. Paulo, e muitos milhares acreditam que Maria Madalena foi companheira de Jesus e que a Santíssima Trindade é uma invocação mariana. A sério, tenho provas. A ignorância religiosa atingiu limites insuspeitados nos últimos anos.

Também não chupo o dedo para acreditar que ninguém sabia que a cena se destinava a provocar e escandalizar, que é a essência da estética drag, mas será que os soldados romanos que crucificavam Cristo não sabiam também que estavam a cometer uma injustiça? E, no entanto, Jesus intercedeu por eles junto do Pai.

São muitos os factores que levam os homens a cometer o mal, e aqueles que o fazem não passam, muitas vezes, de peões ao serviço do prefeito, do rei, da república ou do grupo de pressão do dia, que tem vindo a mudar de nome. Por isso, antes de mais, gostaria de dizer uma oração aos autores e intérpretes, porque "eles não sabem o que fazem". 

O segundo momento evangélico que me interpela é aquele em que o Mestre diz: "Ouvistes que foi dito: "Olho por olho, dente por dente". Eu, porém, digo-vos: não enfrenteis aquele que vos faz mal. Pelo contrário, se alguém vos bater na cara, não o façais. Pelo contrário, se alguém te bater na face direita, dá-lhe a outra face". A bofetada na face direita é aquela que se dá com as costas da mão em sinal de desprezo, para não manchar nem mesmo a palma com o rosto do outro.

A primeira reação que nos ocorre a todos quando somos alvo de uma injustiça, de um escárnio, é devolver não só olho por olho (o que já era um avanço moral no seu tempo), mas o mesmo dano multiplicado por pelo menos dois ou três. E é aqui que entra a maior revolução da história, aquela que Cristo introduziu apostando no amor ao inimigo, dando a outra face, retribuindo o mal com o bem.

A este propósito, Bento XVI reflectiu: "O amor pelos inimigos está no coração da "revolução cristã", uma revolução que não se baseia em estratégias de poder económico, político ou mediático. É a revolução do amor, um amor que, em última análise, não depende de recursos humanos, mas é dom de Deus, obtido através da confiança exclusiva e sem reservas na sua bondade misericordiosa. É a novidade do Evangelho, que muda o mundo silenciosamente. É o heroísmo dos "pequeninos", que acreditam no amor de Deus e o difundem mesmo à custa da própria vida". 

Que tenhamos uma Igreja cada vez mais pequena, mais afastada do poder, menos ofendida consigo mesma e mais ofendida com as afrontas à dignidade dos seus irmãos; uma comunidade de pequeninos prontos a evangelizar sem limites, a amar sem medo das afrontas, a ser testemunhas até ao martírio, como aqueles apóstolos agora parodiados.

E, para concluir a minha reflexão evangélica sobre a polémica olímpica, mais uma frase da Paixão de Jesus. Uma frase que resume o que os bispos gauleses queriam dizer e com a qual concorda a maioria dos cristãos e das pessoas de boa vontade que acreditam na verdade, na democracia, no respeito, no diálogo e na tolerância. É a frase proferida por Cristo na casa de Anás. Enquanto dava o seu testemunho e, depois de ter recebido uma bofetada da qual nem sequer se podia proteger porque estava amarrado, disse ao seu agressor (e repete-o hoje na cidade da Bastilha): "Se não falei, mostra o que não fiz; mas se falei como devia, porque me bates?

O autorAntonio Moreno

Jornalista. Licenciado em Ciências da Comunicação e Bacharel em Ciências Religiosas. Trabalha na Delegação Diocesana dos Meios de Comunicação Social em Málaga. Os seus numerosos "fios" no Twitter sobre a fé e a vida diária são muito populares.

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