Com a perda do homem que a lidera há mais de vinte anos, o bispo Javier Echevarría Rodríguezque morreu a 12 de Dezembro aos 84 anos de idade, o Opus Dei, uma das mais influentes e notórias organizações católicas do mundo, enfrenta agora uma transição geracional.
Contudo, fá-lo a partir de uma base de força, graças em parte às duas décadas que Echevarría tem estado ao seu leme.
Echevarría assumiu a tarefa de prelado do Opus Dei em Abril de 1994, na sequência da morte de D. Álvaro del Portillo. Será quase certamente o último confidente pessoal de S. Josemaria Escrivá - que fundou o Opus Dei em Espanha em 1928 e morreu em 1975 - a dirigir a instituição.
Javier Echevarría trabalhou como secretário pessoal de Escrivá a partir de 1955, e tornou-se secretário geral da organização em 1975. Quando em 1982 o Opus Dei se tornou uma "prelatura pessoal", ou seja, uma entidade que incorpora tanto o clero como os leigos em torno de uma espiritualidade específica e não com base nos limites geográficos de uma diocese, Echevarría foi nomeado o seu vigário geral.
Do fundador
Como com praticamente todas as novas forças da vida católica, seja uma ordem religiosa, um movimento ou outra coisa qualquer, o Opus Dei viu-se confrontado com o desafio de provar a sua contínua validade para além da morte do seu carismático fundador.
Para o Opus Dei, de certa forma, este desafio foi adiado por quase 40 anos, porque tanto Álvaro del Portillo como Echevarría, colaboradores pessoais de Escrivá, foram considerados internamente, em primeiro lugar e acima de tudo, como intérpretes competentes do seu pensamento, de modo que foi quase como se o fundador continuasse a deter as rédeas do além da sepultura.
Agora a Opus Dei terá de se manter de pé, com uma liderança que não vem necessariamente com o mesmo carimbo pessoal de aprovação do próprio São Josemaría.
Durante os seus quase 90 anos, o Opus Dei tem sido um actor poderoso mas controverso na Igreja Católica, elogiado pela sua dedicação à formação dos leigos e pelas suas boas obras, mas também visto com desconfiança pelos críticos que o criticam por uma cultura interna rigorosa e objectivos políticos e teológicos profundamente conservadores.
Estas impressões foram talvez mais marcantes quando Echevarría iniciou o seu mandato em 1994, pouco depois da beatificação de Escrivá sob o pontificado de João Paulo II em 1992, um acontecimento que alimentou uma controvérsia quase infinita, e muito antes da canonização do fundador em 2002 ou da publicação em 2003 do infame romance de Dan Brown, o Código Da Vinci.
Nessa altura, as teorias da conspiração e a especulação sobre o Opus Dei eram muito atractivas, tanto nos círculos seculares como em alguns círculos da própria Igreja Católica.
Houve um animado debate sobre o alegado império financeiro do Opus Dei, a sua atitude para com as mulheres, as suas práticas de mortificação corporal, o seu alegado sectarismo e muito mais, tudo isto sustentado pelo pressuposto de que o próprio Escrivá e outros primeiros membros do Opus Dei tinham apoiado o regime fascista de direita de Francisco Franco.
Neste ambiente, os especialistas do Opus Dei assinalaram que existia uma clivagem subjacente na organização entre uma política de encerramento, em termos de adaptação às regras do mundo exterior, e a transparência, no sentido da abertura e da prestação de contas da vida interna e da filosofia da instituição, na convicção de que qualquer contacto com a realidade era preferível à mitologia e à "lenda negra" que tinha sido difundida.
Como prelado, Echevarría resolveu substancialmente o debate a favor da transparência, e o resultado foi uma rápida "normalização" do estatuto do Opus Dei no seio da Igreja Católica e uma correspondente queda no nível de controvérsia e animosidade.
Gestão da informação por Javier Echevarría
Quando Echevarría iniciou o seu mandato, ainda havia muitos bispos católicos que olhavam com desconfiança para a ideia de uma iniciativa relacionada com o Opus Dei ser estabelecida na sua diocese, mas em 2016 esse medo quase desapareceu. Agora, a maioria dos bispos e outros dignitários da Igreja olham para o Opus Dei como olhariam para a Caritas ou para a ordem salesiana, ou seja, simplesmente como mais uma peça de mobiliário na sala de estar católica.
Sob a liderança de Echevarría, o Opus Dei deixou de ter o que muitos consideravam ser a gestão de notícias mais disfuncional da Igreja Católica - recusando-se, por princípio, a responder sequer a perguntas legítimas, e assim alimentar imagens negativas - para agora ser classificado como o melhor de Roma.
Hoje, a Universidade da Santa Cruz, que dirige o Opus Dei em Roma, está a promover um curso de formação para jornalistas de todo o mundo sobre a cobertura do Vaticano e do catolicismo, chamado "Church Up Close", e provavelmente todos os decisores católicos que precisam de ajuda para abordar os seus maus problemas de imprensa deveriam fazer o seu primeiro telefonema a alguém do Opus Dei.
Tudo isto tem sido o resultado de uma política iniciada e confirmada por Echevarría, que é que se não temos nada a esconder, não temos nada a temer.
Um pastor dedicado
Por outro lado, Echevarría era também um pastor dedicado que se preocupava profundamente com as pessoas confiadas aos seus cuidados. Os amigos dizem que ele passou mais tempo do que alguém alguma vez poderia contar rezando pelos membros do Opus Dei em todo o mundo que tinham perdido entes queridos, que estavam doentes, que tinham perdido os seus empregos ou que estavam a sofrer de outras formas, e que ele estava perto deles pessoalmente.
Quem suceder a Echevarría à frente do Opus Dei enfrentará um desafio difícil, mas ao mesmo tempo herdará uma organização preparada para durar muito tempo.
Isto deve-se principalmente à visão do fundador, mas também à liderança firme e sobretudo discreta exercida pelos seus dois sucessores imediatos, um dos quais faleceu há duas décadas, tendo o outro deixado o mundo este ano.