Querido anjo da guarda:
Parabéns pelo vosso dia! Bem, desejar felicidade a vocês, que estão literalmente na Glória, pode não ser a melhor maneira de mostrar o meu afeto.
Se ao menos tivesses um corpo, dar-te-ia um abraço, mas és puro espírito e não te posso ver, sentir, cheirar ou ouvir....
Espero não te ofender ao dar-te as luzes da ribalta, porque se há uma coisa que sempre te caracterizou foi a tua humildade. Nunca, mas mesmo nunca, procuraste aparecer na ribalta e não te importas que tantas vezes me esqueça de ti ou viva como se não existisses, mas és tão discreto! Compreendo que, como um bom agente secreto, o teu trabalho é precisamente não te entregares, e é por isso que confirmo que és tão bom no que fazes: não deixas rasto! E é bom porque, caso contrário, estaria a pôr em causa a minha liberdade de escolher entre acreditar ou não acreditar.
Depois de cada ação vossa, pude sempre atribuir a culpa à sorte, ao acaso ou mesmo ao meu valor pessoal, e quantas outras vezes agiram sem que eu tivesse consciência dos perigos!
Por vezes, apresentas-te sob a forma de outra pessoa: através de um amigo, da minha mulher, ou mesmo de um desconhecido. Foi assim que pude conhecer-vos em muitas ocasiões. Explicar-me-ão quando nos encontrarmos cara a cara como o fazem, mas estou certo de que concordam entre vós, não é verdade? Vão e dizem a um dos vossos companheiros: "ei, diz ao teu humano que diga ao meu tal e tal". E lá vai esse humano, que de repente tem um pensamento sem saber porquê, diz-o sem rodeios, e vocês ficam espantados porque é exatamente o que precisavam de ouvir nesse dia.
Como sou uma pessoa racional, posso sempre atribuir o facto à qualidade humana, intelectual ou espiritual daqueles que tantas vezes foram anjos para mim, mas não é tão claro para mim quando fui eu que utilizaste para dar mensagens aos outros. Muitas vezes, pessoas recordaram-me palavras minhas que as ajudaram, embora eu não tivesse consciência de as ter pronunciado, pelo menos no sentido em que a outra pessoa as interpretou. De onde veio esse pensamento? Quem o induziu? Para mim é claro. O Espírito Santo tem-vos como seus moços de recados. Estas vossas inspirações não são assim tão surpreendentes, pois são muito parecidas com aquelas outras "sugestões ao ouvido" que o vosso companheiro caído insiste em fazer-nos, e que parecem estar sempre cheias de luz. Quem não está espiritualmente treinado não as reconhece, mas quando se cai muitas vezes na sua armadilha, já não se duvida da sua existência e procura-se estar sempre vigilante.
Vê-se que o mau da fita, arrogante e vaidoso, não se preocupa tanto em apagar os seus rastos e, embora queira passar despercebido, na realidade não consegue evitar deixar a sua marca. Por isso, no final, graças a ele, acredito mais em ti.
Alguns que me lerem pensarão que sou infantil, que dedico esta carta ao meu amigo imaginário, que acredito em seres invisíveis que sobem e descem do céu... Que pensem o que quiserem. Eu só acredito no que vejo com os meus olhos, que não são apenas os do meu rosto, mas também os que me permitem conhecer essa outra realidade transcendente que todos os homens e mulheres ao longo da história foram e são capazes de descobrir por si próprios.
O que é infantil é esconder-se no refúgio dos cinco sentidos, negando qualquer outra forma de conhecimento por medo de não ser capaz de o controlar. Quando o assunto vem à baila, lembro-me sempre da frase corajosa do escritor científico Eduard Punset, que dizia que "a intuição é uma fonte de conhecimento tão válida como a razão". Não me surpreenderia, porque ajuda-me muito repeti-la.
Há certamente tantas realidades quotidianas em que a intuição nos guia melhor do que a razão! Há tantos padrões e sinais que passam despercebidos a olho nu! É preciso sensibilidade e desapego ao material, mas quem é capaz de os ler descobre como o verdadeiro bem, a verdadeira beleza ou a verdadeira verdade - zurzindo à parte - não estão onde toda a gente olha, onde toda a gente toca, onde toda a gente cheira, mas em lugares menos comuns.
Pois bem, eu sinto-te, anjo querido, e agradeço a Deus por te ter feito meu companheiro na estrada da vida, por seres essa sombra inseparável, essa porta próxima sempre aberta para a transcendência. Perdoa-me por te dar tanto trabalho com as minhas contínuas tentativas de sair do caminho do céu. Amarra-me, tu sabes que não sou de confiança.
E um último desejo: diz ao teu companheiro, ao companheiro desse leitor que me está a ler agora, que hoje ele pode sentir a alegria de ser acompanhado, cuidado e consolado. E sugere-lhe que não a guarde só para si, mas que a partilhe com todos os seus entes queridos, porque hoje é uma grande festa no céu e na terra!
Jornalista. Licenciado em Ciências da Comunicação e Bacharel em Ciências Religiosas. Trabalha na Delegação Diocesana dos Meios de Comunicação Social em Málaga. Os seus numerosos "fios" no Twitter sobre a fé e a vida diária são muito populares.