Artigos

As 95 teses de Wittenberg. No início da Reforma Luterana

Em Outubro de 1517, Martin Luther pôs em prática as suas famosas teses de Wittenberg e iniciou a sua reforma. Este artigo encerra o 500º aniversário e complementa o dossier dedicado ao tema na edição de Abril.  

Alfred Sonnenfeld-16 de Outubro de 2017-Tempo de leitura: 6 acta
Praça da Câmara Municipal de Wittenberg.

Há 500 anos, em 31 de Outubro de 1517, Lutero publicou 95 teses na cidade de Wittenberg, que hoje também é chamada "a cidade de Lutero" (Lutherstadt). Desta forma, o jovem professor universitário quis convidar uma discussão científica sobre indulgências, como era habitual no seu tempo, mas também opor-se a pontos da doutrina católica.

Como salvar-se?

Ao entrarmos na igreja em Wittenberg, algumas palavras recordam-nos a mensagem central de Lutero: ".....A salvação não pode ser obtida, nem por obras, nem por sacramentos, nem por indulgências. Os crentes são salvos apenas através da graça divina. Ninguém pode mediar entre Deus e a Humanidade, nem o Papa nem a Igreja.". Como é que Lutero chegou a esta declaração, que resume a sua doutrina?Somos matéria pura. Deus é o responsável pela forma; tudo em nós é trabalhado por Deus.". Esta afirmação, central na sua teologia, tem vindo a crescer nele desde os seus primeiros dias como professor de teologia na recém-fundada Universidade de Wittenberg.

As conversas de Lutero com o seu director espiritual, John Staupitz, tiveram uma grande influência no seu pensamento teológico, embora mais tarde se tenha separado dele e radicalizado a sua posição. Com ele aprendeu a unir a exegese com a teologia dogmática sob o aspecto do que ambos significavam concretamente, segundo ele, "para nós", pro nobise não tanto em si mesmo. 

Anos mais tarde, ele declararia: "Não me interessa o que Jesus Cristo é em si mesmo, interessa-me apenas o que Ele me representa".. Toda a sua doutrina será reduzida à questão puramente soteriológica; ele só está interessado em poder responder a esta pergunta: o que devo fazer para ser salvo? 

"Só".

Em 1513, pouco depois de ter sucedido a Staupitz como professor de teologia na Universidade de Wittenberg, Lutero declarou que a sua doutrinaAs novas abordagens teológicas tinham começado graças aos impulsos recebidos dele (cf. Volker Leppin, Die fremde Reformation. Luthers mystische WurzelnMunique, 2016, p. 46).

A partir daí desenvolve a sua teologia, compreendendo a justificação do pecador do famoso solo/nós: Solus Christus, Sola gratia, Sola fide, Sola Scriptura. Esta afirmação radical de "só" implica que o homem não pode contribuir com nada do que lhe é próprio para a sua salvação. Nem mesmo uma conduta irrepreensível, uma vida exemplar, uma vida de oração ou uma busca de Deus poderia mudar a vontade divina. Por conseguinte, Lutero conclui, "se não pertencermos ao grupo dos eleitos, deslizaremos irrevogavelmente pelo caminho da perdição eterna"..

Numa das suas famosas "conversas após o jantar" (Tischreden), Martin Luther reflecte em voz alta sobre o que desencadeou a sua decisão de colocar as 95 teses na porta da Igreja do Palácio de Wittenberg a 31 de Outubro de 1517. O dominicano John Tetzel tinha sido encarregado pelo arcebispo de Mainz, Albrecht, de pregar sobre a importância das indulgências para a salvação. De acordo com Lutero, "A conversa de Tetzel não era mais que um disparate: as indulgências reconciliar-nos-iam com Deus e isto aconteceria mesmo em caso de falta de contrição e mesmo sem ter feito penitência... Estas fantasias forçaram-me a intervir".. Na sua opinião, os pregadores de indulgências fizeram-no sem ter em conta a diferença entre a remissão da culpa e a remissão das penas pelos pecados, como mostra a frase irónica frequentemente atribuída a Tetzel: "Ao som da moeda na bota, a alma voa do fogo para o paraíso".. Para as pessoas simples, a confusão era generalizada e a teologia não ajudou a dar uma solução clara. Estas confusões levaram o teólogo Lutero a ir a público.

Indulgências

É bem conhecido que Lutero, quando jovem, com a sua consciência escrupulosa, pensava que estava a cometer um pecado mortal se quebrasse alguma das regras e costumes monásticos suaves ou alguma das rubricas da liturgia. 

Mas onde a sua escrupulosidade era mais manifesta era na sua consciência inquieta e inquieta. Nunca esteve em paz consigo mesmo, e queria saber ao certo se estava na graça de Deus ou em pecado. Bem, agora reage ardentemente à confusão sobre o tema das indulgências, o que lhe pareceu ser uma fraude. Estas são as suas palavras: "Aqueles que pregam ao povo simples a entrada no céu através de indulgências estão na realidade a levá-los para o inferno. O próprio Papa também deve ser protegido por contribuir para estas heresias".

O mal produzido pela concessão de indulgências consistia no facto de o povo, ignorante e rude, por vezes não atender tanto ao arrependimento e à contrição interior como ao trabalho exterior necessário, manifestando ainda mais medo da pena do que da culpa. Foi um dos muitos perigos da falsa religiosidade contra o qual Lutero protestou com razão, tal como o fizeram outros pregadores católicos antes dele: Lutero não foi o primeiro a criticar o tráfico ou a venda de indulgências.

Para contrariar esta situação, publicou as 95 teses como um manuscrito básico para discussão académica. De acordo com o historiador protestante Volker Reinhardt (cf. Luther der Ketzer, Rom und die ReformationMunique, 2016, p. 67), hoje, alguns estudiosos aceitam novamente que Lutero de facto pregou as teses, como o seu colega reformador Philip Melanchthon tinha afirmado. Ao mesmo tempo, publicou uma carta ao Arcebispo Albrecht, que considerou ser a causa de todo o problema devido à comissão dada ao Tetzel para pregar sobre a eficácia das indulgências. Acusa-o de incompetência, especialmente por contribuir para a confusão entre as pessoas mais simples. 

De facto, uma consequência perigosa foi a mistura do espiritual com o económico, como aconteceu quando as autoridades eclesiásticas perceberam que a concessão de indulgências poderia tornar-se uma fonte copiosa de rendimentos para construir catedrais, hospitais ou pontes. O aspecto espiritual da concessão de indulgências tornou-se ainda mais obscuro quando grandes banqueiros, tais como os Fuggers de Augsburg, intervieram no negócio, adiantando créditos à Santa Sé em troca de receberem uma percentagem significativa das indulgências recolhidas.

Complexidade dos problemas

Se voltarmos a nossa atenção para o conteúdo das 95 teses, podemos chegar a uma primeira conclusão: podemos reconhecer com Lutero que o mais importante não é olhar para a satisfação exterior do cristão, mas para a sua contrição interior. Mas Lutero vai ainda mais longe ao afirmar que, se houver contrição, o penitente já não precisa de ir a um confessor. Os conselhos de John Staupitz e as leituras do místico John Tauler afirmaram que o penitente não precisaria de se confessar imediatamente se fizesse um acto sincero de contrição e não houvesse confessor na altura; mas Lutero radicaliza este pensamento e afirma que o pecador já não precisaria de confessar oralmente os seus pecados mortais. 

Na primeira tese, podemos ler: Jesus Cristo disse: "Fazei penitência, pois o reino dos céus está próximo".e no segundo: "Estas palavras não devem ser interpretadas como referindo-se ao sacramento da penitência, ou seja, a essa penitência com confissão oral e satisfação que é realizada graças ao ministério sacerdotal".. Já nestas teses Lutero elimina de uma só vez toda a mediação sacerdotal entre Deus e o homem. A consequência prática depois de ter lido a segunda tese seria clara: "Se a penitência é entendida no sentido bíblico, só o arrependimento é importante e não a confissão com a boca ou a satisfação com as obras".Segundo a doutrina luterana, a acção do sacerdote entre Deus e o pecador não seria necessária.

Um carácter difícil

Martin Luther rejeitou veementemente os abusos e erros da pregação de Tetzel e protestou com toda a sinceridade. Mas mesmo que a doutrina teológica das indulgências - considerada na teologia como uma adição ao sacramento da penitência - tivesse sido pregada com a maior clareza teológica possível, não poderia caber na cabeça de Lutero, pois de 1514 a 1517 os fundamentos da sua teologia luterana tinham sido forjados na sua mente. Lutero não admitiu o mérito das boas obras dos santos ou o valor da satisfação, e sustentou que só pela penitência interior e confiança em Cristo se obtém a remissão total da culpa e do castigo. Abominava a santidade através de obras. Com as suas 95 teses quis levar os altos dignitários da Igreja a uma penitência sincera, mas através de discussões polémicas e com o objectivo de aniquilar indulgências e introduzir a teologia luterana.

Antes de iniciar a sua exposição das 95 teses, Lutero escreve que as escreveu por amor à verdade e com o desejo de a esclarecer. Na quinta tese, porém, ele polémica contra o papa: "O Papa não quer nem pode remeter outras penalidades para além das que impôs à sua discrição ou de acordo com os cânones".. Na 20 tese, especifica: "O que o Papa entende por indulgência plenária não é a remissão de todas as penas, mas apenas das impostas por ele".. Também não falta ironia na redacção de algumas das suas teses, tais como o número 82: "Porque é que o Papa não esvazia o purgatório, dada a sua santíssima caridade e a grande necessidade de almas?

Uma leitura atenta das 95 teses revela o carácter complexo e atormentado de um autor cheio de contradições, de um monge piedoso que usa o seu conhecimento retórico de antíteses aguçadas com conhecimento humanista, e ao mesmo tempo é rápido a usar expressões de um baixo nível humano. Numa ocasião, descreve-se a si próprio como trágico, nostrae vitae tragoedia.

Subjectivismo

Em conclusão, recordemos as declarações de Joseph Lortz, um perito de renome mundial sobre a vida e os escritos de Lutero. 

Lortz argumenta que embora Lutero tivesse um conhecimento profundo da Bíblia, tornou-se vítima do seu próprio subjectivismo. Nos seus esforços para compreender o significado da salvação, interpretou a Sagrada Escritura à sua própria maneira e de acordo com as suas próprias necessidades. Ele fez uso selectivo de textos bíblicos, reduzindo frequentemente a mensagem bíblica a fórmulas simples.

De acordo com Lortz, Lutero viu-se a si próprio como um ".profeta em isolamento"Ele aventurou-se, como os profetas, a interpretar as revelações bíblicas de acordo com as suas próprias necessidades. Como resultado, nem sempre conseguiu captar a plenitude das mensagens bíblicas.

A sua mensagem não é portanto fácil, e conduz através de caminhos complexos para a visão protestante da vida e da fé.

O autorAlfred Sonnenfeld

Universidade Internacional de La Rioja (UNIR)

Leia mais
Boletim informativo La Brújula Deixe-nos o seu e-mail e receba todas as semanas as últimas notícias curadas com um ponto de vista católico.