América Latina

Uruguai: Experiências de sobrevivência de fé

A sobrevivência da fé exige o empenho de todos, para que a sua luz possa ser mantida viva num mundo inclinado a levar Deus, mas no qual também vemos sinais de esperança.

Jaime Fuentes-3 de Julho de 2021-Tempo de leitura: 5 acta
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Foto: ©Ben White/ Unsplash

Naquela manhã de 15 de Setembro de 2011, o diagnóstico de Bento XVI foi exacto. Olhando-me nos olhos, exclamou ele: "O Uruguai é um país secular... Tem de se sobreviver! Dez anos depois, com a propagação do secularismo, o aviso do Papa Emérito parece ter, tal como a pandemia que estamos a sofrer, um alcance sem precedentes. Haverá uma vacina eficaz para combater a doença?

Não há dúvida de que, no Uruguai, o esforço anti-cristão e anti-igreja foi bem pensado e colheu não poucos êxitos, como já vimos. O resultado final é, até hoje, a ignorância religiosa generalizada, a destruição da instituição familiar e, como Francisco assinalou na sua exortação programática, o esquecimento de Deus. "produziu uma deformação ética crescente, um enfraquecimento do sentido do pecado pessoal e social e um aumento progressivo do relativismo, resultando numa desorientação generalizada." (Evangelii Gaudium, n. 64).

Mas, graças a Deus, tudo nunca é definitivamente negro. Após quase 48 anos de sacerdócio e como bispo durante os últimos dez, talvez possa transmitir algumas experiências.

A primeira é que o Espírito Santo ainda está a trabalharEsta experiência, repetida inúmeras vezes, ensina-nos que o estilo de acção preferido do Espírito de Deus é o silêncio.

O piedade popular. Francis tem toda a razão, quando escreve que a subestimou "seria desrespeitar o trabalho do Espírito Santo". As suas expressões "têm muito para nos ensinar e, para aqueles que sabem lê-los, são um lugar teológico ao qual devemos prestar atenção, particularmente quando pensamos na nova evangelização". (EG, n. 126). Em Minas, muito perto da cidade, encontra-se o Santuário Nacional da Virgem de Verdun. No cume do monte, desde 1901, quando ali foi colocada uma imagem da Imaculada Conceição, nada menos que 60 ou 70 mil pessoas vêm venerá-la a 19 de Abril, quando se celebra a sua festa: famílias inteiras que continuam a transmitir aos seus filhos a sua fé na intercessão da nossa Mãe... E milhares de peregrinos visitam-na durante todo o ano (e precisam de cuidados espirituais e faltam sacerdotes, oh Senhor!).. "A tremenda importância de uma cultura marcada pela fé não deve ser ignorada, insiste Franciscoporque esta cultura evangelizada, para além dos seus limites, tem muito mais recursos do que uma mera soma de crentes face à ofensiva do secularismo de hoje." (ibidem).

A sobrevivência da fé requer o empenho de todos, para que a sua luz possa ser mantida viva. E exige, para ser preciso, que o sacerdócio ministerial esteja verdadeiramente ao serviço do sacerdócio comum dos fiéis leigos.. Não é fácil quebrar uma inércia centenária, sintetizada num conceito que está frequentemente na boca do próprio Papa: o clericalismo. É, acima de tudo, um trabalho de educação daqueles que se estão a preparar para o sacerdócio; um trabalho de longa duração, tão trabalhoso quanto essencial.

A ideia básica da "nova evangelização" a que Francisco chama tinha sido explicada por João Paulo II à Assembleia do CELAM em 1983, e sobre ela elaborou no Uruguai em 1988: deveria ser "novo no seu ardor, nos seus métodos, na sua expressão".

"Sentimento zelo apostólico significa estar com fome para espalhar a alegria da fé aos outros, disse ele no seu último sermão no nosso país. "O zelo apostólico não é fanatismo, mas sim consistência da vida cristã. Sem julgar as intenções dos outros, devemos chamar bem ao bem e mal ao mal ao mal. É do conhecimento geral que distorcer a verdade não resolve os problemas. É a abertura à verdade de Cristo que traz paz às almas. Não tenha medo das dificuldades e incompreensões tantas vezes inevitáveis no mundo, enquanto se esforça por ser fiel ao Senhor!".

"Novo nos seus métodos".."É um apostolado que está disponível para todos os cristãos no seu ambiente familiar, laboral e social, explicou João Paulo II. É um apostolado cujo princípio indispensável é um bom exemplo de conduta diária - apesar das próprias limitações pessoais - e que deve ser continuado por palavras, cada uma de acordo com a sua situação na vida privada e pública.". E Francisco: "Trata-se de levar o Evangelho às pessoas com quem se está a lidar, tanto as que lhe são próximas como as que não conhece. É a pregação informal que pode ter lugar no meio de uma conversa e é também a pregação que um missionário faz quando visita uma casa. Ser discípulo é ter a disposição permanente de levar o amor de Jesus aos outros e isto acontece espontaneamente em qualquer lugar: na rua, na praça, no trabalho, na estrada". (EG, n. 127).

O que quis ele dizer com "novo na sua expressão"? João Paulo II explicou em Salto: "?Todo o homem e mulher cristãos devem adquirir um conhecimento sólido das verdades de Cristo - apropriado à sua própria formação cultural e intelectual - seguindo os ensinamentos da Igreja. Cada um deve pedir ao Espírito Santo que lhe permita levar a 'proclamação alegre', a 'Boa Nova', a todos os ambientes em que vive. Esta formação cristã profunda permitir-lhe-á deitar 'o novo vinho' de que o Evangelho nos fala, em 'odres novos' (Mt 9, 17): anunciar a Boa Nova numa língua que todos possam compreender". Francis insiste: "Somos todos chamados a crescer como evangelizadores. Procuramos ao mesmo tempo melhor formaçãoTodos precisamos de deixar que outros nos evangelizem constantemente, mas isso não significa que devamos adiar a nossa missão evangelizadora. Nesse sentido, todos temos de deixar que outros nos evangelizem constantemente; mas isso não significa que devemos adiar a missão evangelizadora, mas que devemos encontrar a forma de comunicar Jesus que corresponda à situação em que nos encontramos. (EG, n.121).

Tornar Jesus Cristo conhecido também traz consigo o preocupação com as necessidades materiais dos indivíduos e da sociedadeeste comportamento "acompanha sempre a evangelização, continuou João Paulo II. "A Igreja compreendeu a evangelização desta forma ao longo da história, e assim, juntamente com a proclamação da Boa Nova, foram empreendidas iniciativas para satisfazer estas necessidades. Como bem salientou o meu predecessor Paulo VI, de feliz memória, 'evangelizar para a Igreja é levar a Boa Nova a todos os estratos da humanidade, é, pela sua influência, transformar a partir de dentro, fazer a própria humanidade nova: 'Eis que estou a fazer um mundo novo' (Ap 21,5)'" (Evangelii Nuntiandi, 18). Francisco dedica todo o quarto capítulo de Evangelii gaudium para explicar "a dimensão social da evangelização, precisamente porque, se esta dimensão não for devidamente explicada, há sempre o risco de distorcer o significado autêntico e integral da missão evangelizadora".. E é impossível resumir a insistência perseverante do Papa, que, de mil maneiras e através de iniciativas exemplares, a explica nos seus muitos aspectos.

 "Temos de sobreviver!"Bento XVI disse-me naquela manhã. De vez em quando, como toda a gente, apetece-me "passar a ferro"... Penso que é desnecessário, como são conhecidos e partilhados, enumerar as suas causas. Mas tento não os esquecer e pô-los em prática duas verdades essenciais: "Sem momentos de adoração silenciosa, de encontro orante com a Palavra, de diálogo sincero com o Senhor, as tarefas tornam-se facilmente desprovidas de sentido, somos enfraquecidos pelo cansaço e pelas dificuldades, e o nosso fervor extingue-se. A Igreja precisa desesperadamente dos pulmões da oração."(EG, n. 262). A segunda verdade é um facto que me dá o mesmo sentimento que o Papa Francisco: "Estou muito feliz por grupos de oração, grupos de intercessão, leitura orante da Palavra, adoração perpétua da Eucaristia se multiplicarem em todas as instituições eclesiais". (EG, n. 262). É verdade, no Uruguai como em tantos lugares do mundo, aqui e ali estão a nascer iniciativas de oração, peregrinações, recurso à Santíssima Virgem, adoração perpétua da Eucaristia...

 As dificuldades enfrentadas pela Igreja no Uruguai, embora com sotaques próprios, como se viu em serviços anteriores, não são diferentes das encontradas hoje em dia nestas e noutras latitudes. Em todos os casos, o incentivo para sobreviver é formidável: é "...a missão da Igreja".a luta pela alma deste mundo", como escreveu São João Paulo II, convidando-nos a ultrapassar o limiar da esperança. É o mesmo espírito que inspira Francisco: de facto, "Quantas vezes sonhamos com planos apostólicos expansionistas, meticulosos e bem desenhados de generais derrotados! Assim, negamos a história da nossa Igreja, que é glorioso porque é uma história de sacrifício, de esperança, de luta diária, de vida desgastada no serviço, de constância no trabalho que cansa, porque todo o trabalho é 'o suor da nossa testa'". (EG n. 96).

O autorJaime Fuentes

Bispo emérito de Minas (Uruguai).

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