Vaticano

Cardeal Marc OuelletLer mais : "A verdadeira causa do abuso não é o celibato, mas a falta de auto-controlo e o desequilíbrio emocional".

Nesta entrevista para Omnes, o Cardeal Marc Ouellet, Prefeito da Congregação para os Bispos, argumenta que o celibato não é a causa de abusos, mas a falta de auto-controlo e desequilíbrio afectivo de alguns sacerdotes. Ele argumenta que o celibato é justificado numa visão de fé: é uma confissão de fé na identidade divina de Cristo que chama, e uma resposta ao seu apelo de amor.

Maria José Atienza / Giovanni Tridente-17 de Fevereiro de 2022-Tempo de leitura: 4 acta
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Foto: Cardeal Ouellet ©CNS foto/Paul Haring

Um Simpósio sobre a vocação baptismal começa na quinta-feira, 17 de Fevereiro, no Vaticano, intitulado Para uma teologia fundamental do sacerdócio. O discurso inaugural foi proferido pelo Papa Francisco, que reflectiu sobre a Fé e sacerdócio no nosso tempo. No decurso do trabalho, que continuará até sábado, serão também discutidos a sacramentalidade, missão, celibato, carismas e espiritualidade.

A iniciativa foi pessoalmente devida ao Cardeal Marc Ouellet, Prefeito da Congregação para os Bispos, que fundou em 2020 a Centro di Ricerca e di Antropologia e VocazioniO Centro de Investigação, Antropologia e Vocações, independente da Santa Sé, está sediado em França.

Nesta entrevista com Omnes, o Cardeal Ouellet reflecte sobre vários aspectos do sacerdócio e da vocação baptismal, e sobre outras questões que serão abordadas no decurso do Simpósio nos próximos dias.

No Simpósio, irá apresentar o sacerdócio numa perspectiva trinitária. Em contraste, percebemos uma concepção mais "humana" ou mesmo "funcionalista" do padre. Será esta a raiz de algumas propostas, como na Via Sinodal Alemã?

-O sacerdócio refere-se à relação do homem com Deus. No cristianismo, Cristo é o único mediador desta relação, que é um pacto de amor. O sacerdote representa sacramentalmente Cristo como mediador e só pode ser compreendido sob esta luz. Não podemos estar satisfeitos com um ponto de vista sociológico que considere a distribuição do poder, nem nos podemos limitar às perspectivas dos meios de comunicação social.

Uma ideia recorrente é a da ordenação das mulheres. A abertura dos ministérios leigos às mulheres também tem sido vista como um passo para o diaconado, ou talvez também para o sacerdócio. Será o diaconado e/ou o sacerdócio para as mulheres uma possibilidade aberta?

-Descrever a questão desta forma reflecte uma mentalidade masculina funcional que iguala a mulher ao papel masculino e negligencia a sua própria dimensão carismática. As mudanças na Igreja devem ir muito mais fundo do que uma atribuição de papéis, o que mantém as mulheres numa posição subordinada aos homens. É tempo de a teologia reflectir sobre o mistério feminino em si mesma e em reciprocidade com o masculino.

A "teologia fundamental do sacerdócio", na qual o Simpósio se baseia, faz parte de uma teologia da Igreja. Mas será a Igreja compreendida hoje?

Uma teologia fundamental do sacerdócio pensa primeiro no baptismo como a primeira participação no sacerdócio de Cristo, pois o baptismo comunica-nos a graça da sua filiação divina que é o fundamento do seu sacerdócio e da nossa participação no mesmo como membros do seu Corpo. O ministério ordenado pressupõe o baptismo e consiste num carisma subsequente de representação de Cristo Cabeça, colocado ao serviço do crescimento do sacerdócio filial dos baptizados. Por conseguinte, a Igreja não deve ser reduzida à sua hierarquia, pois é sobretudo a comunidade dos baptizados em torno da Mãe de Deus.

A vida da Igreja está enraizada na Eucaristia. O sacerdócio nasce da Eucaristia e vive para a Eucaristia, mas como podemos também fomentar a identidade eucarística de todos os baptizados? 

- A Igreja faz a Eucaristia e a Eucaristia faz a Igreja", disse o Padre de Lubac. A Igreja realiza o rito, mas é Cristo na Eucaristia que dá vida à Igreja, que é o seu Corpo constituído pelo baptismo. A celebração eucarística é um mistério nupcial onde Cristo ressuscitado entrega o seu Corpo à Igreja, a sua Noiva, e aguarda a resposta pessoal de amor de cada baptizado e membro da assembleia. Precisamos de reevangelizar o significado do domingo.

Em que sentido se fala de "cultura vocacional"?

-O Sínodo da Juventude falou de uma cultura vocacional no sentido, antes de mais, de uma resposta a Deus em todos os serviços que nós, os baptizados, prestamos à sociedade. Cada pessoa recebe um dom particular do Espírito Santo, que se concretiza na escolha de um estado de vida e, portanto, de um serviço específico à Igreja e à sociedade. Uma comunidade eclesial deve preocupar-se em despertar e acompanhar as vocações particulares que normalmente florescem quando existe uma consciência vocacional entre os baptizados.

Celibato e abusos

O escândalo do abuso de crianças colocou os padres no centro das atenções. Com vista à prevenção, como podem ser treinados, especialmente emocionalmente?  

-Os padres precisam de compreensão e solidariedade. São duramente testados pela actual situação de abuso, e precisam que a comunidade viva melhor o seu compromisso. Esta necessidade também diz respeito à formação de sacerdotes, que não deve ser completamente isolada, mas deve ser feita em relação e sinergia com as famílias, comunidades locais, pessoas consagradas e leigos. A amizade sacerdotal tem sido sempre um recurso precioso para manter o impulso para a santidade.

Alguns acreditam que a abolição do celibato sacerdotal ajudaria a acabar com os abusos.

-algumas pessoas pensam que o celibato é a causa do abuso, enquanto que o abuso existe em todas as situações de educação, vida familiar, vida desportiva, etc. A verdadeira causa não é o estado de celibato consagrado, mas a falta de auto-controlo e desequilíbrio afectivo. É certamente necessário melhorar o discernimento das vocações para o sacerdócio e assegurar o equilíbrio psico-afectivo e moral dos candidatos.

Como se pode explicar o celibato hoje em dia?

-O celibato deve ser apresentado a partir da perspectiva da fé. Cristo chamou os seus discípulos para deixarem tudo para o seguirem. Ele foi capaz de o fazer em virtude da sua identidade divina como o Filho eterno do Pai que veio em carne e osso para trazer salvação à humanidade. Segui-lo no celibato é antes de tudo uma confissão de fé nesta identidade e um acto de amor em resposta ao seu chamamento amoroso.

Os padres têm uma tarefa especial na missão da Igreja. Como é que a missão, o "envio", define o sacerdócio?

-O sacerdócio fundamental é a consagração baptismal que nos torna filhos e filhas de Deus. O ministério ordenado está ao serviço do crescimento dos baptizados através da proclamação da Palavra e do dom dos sacramentos. O padre exerce assim uma paternidade espiritual que pode encher o seu coração de alegria apostólica quando vivido num espírito de santidade.

Existem outros aspectos do Simpósio que gostaria de destacar?

-Sim, de facto. Talvez a surpresa do Simpósio seja ver a importância e o papel da vida consagrada para a comunhão das duas participações no único sacerdócio de Cristo, o sacerdócio baptismal e o ministério ordenado.

O autorMaria José Atienza / Giovanni Tridente

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