Vaticano

Para um novo humanismo tecnológico

A Assembleia Geral da Pontifícia Academia para a Vida terminou na quarta-feira, 22 de Fevereiro. A reunião terminou com propostas como a criação de uma mesa redonda internacional sobre novas tecnologias e as suas implicações éticas.

Antonino Piccione-24 de Fevereiro de 2023-Tempo de leitura: 4 acta
Humanismo tecnológico

Uma rapariga segura a mão de um robô (Unsplash / Andy Kelly)

"Criar uma mesa redonda internacional sobre novas tecnologias". Esta é uma das propostas que saíram da Assembleia Geral da Academia Pontifícia para a Vidaque terminou na quarta-feira, 22 de Fevereiro. Foi formulado pelo presidente, Monsenhor Vincenzo Paglia, durante a conferência de imprensa de apresentação realizada ontem no Gabinete de Imprensa da Santa Sé. Sobre a mesa, explicou, está a reflexão "sobre tecnologias emergentes e convergentes, tais como nanotecnologia, inteligência artificial, algoritmos, intervenções sobre o genoma, neurociência: todos os tópicos que o Papa Francisco já nos tinha instado a abordar na Carta".Humana Communitas"que tinha escrito por ocasião do 25º aniversário da Academia Pontifícia".

"A Academia já tinha enfrentado o desafio que a fronteira da Inteligência Artificial representa para a humanidade, o que nos últimos meses fez as manchetes de muitos jornais", salientou Paglia, recordando que "em Fevereiro de 2020 foi assinada em Roma a Chamada de Roma e em Janeiro passado também contou com a presença de líderes do judaísmo e do islamismo".

Antropologia e tecnologia

"No próximo ano iremos a Hiroshima para a assinatura com as outras religiões do mundo, bem como várias universidades em todo o mundo, outras instituições como a Confindustria, e o próprio mundo da política", anunciou Paglia, observando que "nesta Assembleia o tema tem sido sobre a interacção sistémica destas tecnologias emergentes e convergentes que se estão a desenvolver tão rapidamente, que podem de facto dar um enorme contributo para a melhoria da humanidade, mas ao mesmo tempo podem levar a uma modificação radical do ser humano. Falamos de pós-humanismo, homem com poder, etc.

Há alguns anos atrás, na Assembleia Geral onde estávamos a discutir robótica, o cientista japonês Ishiguro Hiroshi falou hoje da humanidade como sendo a última geração orgânica, a próxima seria sintética. Esta seria a transformação radical do humano.

A Academia Pontifícia para a Vida, portanto, "sentiu a responsabilidade de enfrentar esta nova fronteira que envolve radicalmente o ser humano, consciente de que a dimensão ética é indispensável para salvar, precisamente, o ser humano comum".

Os desafios das novas tecnologias

Entre as questões no centro da mesa redonda internacional sobre as novas tecnologias emergentes, Paglia, em resposta às perguntas dos jornalistas, mencionou a posse de dados, na qual "os próprios governos são desafiados, porque existem redes que correm o risco de ser mais poderosas do que os próprios Estados. Não podemos abandonar o mundo à deriva de uma atitude selvagem", advertiu o bispo, recordando também "a nova fronteira do espaço, na qual estão a actuar cientistas chineses, americanos e russos. Espero que haja conquistas espaciais: será que esta fraternidade será mantida no espaço, enquanto na Terra travamos guerra uns contra os outros?

Outra questão a ser abordada com cuidado: "O reconhecimento facial, se não houver regulamentação legal, há o risco de criar desequilíbrios", por isso, na opinião de Paglia, somos chamados a reflectir sobre a necessidade de "um novo humanismo, porque queremos permanecer humanos, o transhumano não nos manda para a glória".

O empenho da Academia Pontifícia para a Vida, acrescentou o Chanceler Renzo Pegoraro na conferência, move-se de "uma perspectiva interdisciplinar e transdisciplinar, graças à contribuição dos principais especialistas mundiais nestes campos (um corpo de 160 estudiosos, nos cinco continentes), para captar os efeitos positivos - no campo da saúde, dos cuidados de saúde, do ambiente, da luta contra a pobreza - decorrentes das tecnologias convergentes". Contudo, para enfrentar os receios, riscos e incertezas, e ao mesmo tempo proteger o valor do indivíduo, a sua integridade e promover a busca do bem comum, "é necessário que a governação", continuou Pegoraro, "seja desenvolvida através de legislação adequada e actualizada, mas também através de informação e educação sobre a utilização das próprias tecnologias.

Finalmente, o Professor Roger Strand (Universidade de Bergen, Noruega) e a Professora Laura Palazzani (Universidade de Lumsa, Roma) falaram. "A minha principal mensagem", disse Strand, "é que as tecnologias convergentes e as questões éticas que levantam estão ligadas às características estruturais das sociedades modernas e devem ser abordadas como tal. Nem a ciência nem a tecnologia surgem num vácuo, mas são co-produzidas com a sociedade em que ocorrem". A ciência e a tecnologia moldam-se e são moldadas por outras instituições e práticas, tais como a política e a economia. As questões éticas das tecnologias convergentes estão interligadas com a economia política da tecnociência, com as agendas políticas da inovação e do crescimento económico, com as forças de mercado, ideologias e culturas do materialismo e do consumismo. Estão enredadas no que a Encíclica "Laudato Si" apropriadamente chamou o paradigma tecnocrático".

Como orientar as trajectórias tecnológicas para o bem comum? Segundo o académico norueguês, "é necessário desafiar o paradigma tecnocrático e integrá-lo com preocupações de identidade humana, dignidade e prosperidade. Pode levar gerações para orientar a tecnociência para o bem comum. O mundo das tecnologias convergentes faz lembrar um Admirável Mundo Novo, não necessariamente totalitário, mas totalizante na sua abordagem. Devemos perguntar-nos: pode esta ou aquela trajectória sócio-técnica ajudar-nos a recordar como podem realmente ser as nossas vidas e apoiar-nos na sua vivência?

O debate sobre bioética

O debate teórico, nos seus primórdios, delineou a divisão entre bio-optimistas tecnófilos que elogiam as tecnologias emergentes e biopessimistas tecnófobos que demonizam as tecnologias. Não se trata de escolher entre os dois extremos, salientou Palazzani, mas de reflectir, caso a caso, sobre cada tecnologia e aplicação, para destacar dentro de que limites o progresso pode ser permitido e regulado numa perspectiva centrada no ser humano (contra a tecnocracia e o tecnocentrismo), o que coloca no centro a dignidade humana e o bem comum da sociedade compreendido num sentido global.

"O ética -é a reflexão do conferencista da Lumsa - apela a uma abordagem "cautelosa". Trata-se de justificar os limites do desenvolvimento técnico-científico, especialmente nas suas formas radicais, invasivas e irreversíveis. O risco é que o desejo de perfeição nos faça esquecer o limite constitutivo do homem que, brincando a ser Deus, se esquece de si próprio".

O Papa falou também dos riscos de uma deriva em questões de bioética, na audiência concedida à Pontifícia Academia para a Vida a 20 de Fevereiro. "É paradoxal falar de um homem 'aumentado' se esquecermos que o corpo humano se refere ao bem integral da pessoa e, portanto, não pode ser identificado apenas com o organismo biológico", advertiu Francisco, segundo o qual "uma abordagem errada neste campo acaba na realidade não por 'aumentar' mas sim por 'comprimir' o homem". Daí "a importância do conhecimento à escala humana, orgânica", também no campo teológico.

O autorAntonino Piccione

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