Experiências

"Estar disponível para ouvir confissões é uma prioridade".

O Papa Francisco nomeou o Cardeal Mauro Piacenza (Génova, 1944) Penitenciário Maior da Santa Sé em 2013. Anteriormente foi subsecretário, secretário e prefeito da Congregação para o Clero. É, portanto, a pessoa certa para falar sobre como reforçar a prática da confissão sacramental neste Ano da Misericórdia. 

Henry Carlier-9 de Fevereiro de 2016-Tempo de leitura: 8 acta
Cardeal Mauro Piacenza

O Papa Francisco recordou-o na sua recente entrevista de livro O nome de Deus é misericórdiaA experiência mais importante que um crente deve ter neste Ano Jubilar de Misericórdia é "permitir que Jesus se encontre consigo, aproximando-se do confessionário com confiança". Falámos com a actual Grande Penitenciária da Santa Sé sobre como os sacerdotes e os leigos podem contribuir para a prática da confissão.

No Ano da Misericórdia será central que os fiéis se voltem para o sacramento específico da misericórdia de Deus, a confissão. Mas não deveríamos aprofundar a ideia do perdão, a realidade do pecado e a necessária reconciliação com os nossos irmãos e irmãs?
-Certo, a questão fundamental num Jubileu é sempre a "conversão" e, portanto, o protagonista é a confissão sacramental. Para nós, peregrinos deste mundo e pecadores, o discurso sobre misericórdia seria em vão se não conduzisse à confissão, através da qual fluem as águas frescas e regeneradoras da misericórdia divina.

Todos nós pastores devemos demonstrar caridade pastoral eminentemente pela nossa generosa disponibilidade para ouvir confissões, encorajando a recepção dos fiéis e sendo nós próprios penitentes assíduos. A educação para uma boa confissão começa com a formação das consciências das crianças em preparação para a sua primeira Comunhão.

Onde quer que haja uma crise na frequência deste sacramento fundamental, deve dizer-se que a crise está "in capite", na cabeça; é uma crise de fé. Para ir à confissão é necessário ter um sentido de pecado, porque a primeira maneira de resistir ao mal é reconhecê-lo e chamá-lo pelo seu nome: "pecado".

Olhando para o crucifixo, é possível perceber o que é o pecado e o que é o amor. Mas um tal olhar requer silêncio interior, sinceridade consigo mesmo, a eliminação de ideias preconcebidas e preconceitos, lugares comuns que, ao respirá-los através do ar, se tornaram gradualmente incorporados em nós por osmose.

Confessionários no Paseo de Coches del Retiro durante a JMJ em Madrid.

Atravessar a Porta Santa, o fim de uma viagem ou peregrinação, tem o seu fim "lógico" na reconciliação. E esta é uma condição para obter a indulgência do Jubileu.
-Normalmente chega-se à soleira da Porta Santa depois de uma peregrinação, longa ou curta. Prepara o espírito para a viagem, durante a qual se recorda a natureza peregrina da Igreja no tempo, e faz-nos compreender o significado da nossa própria vida. Durante a peregrinação meditamos, rezamos, dialogamos com o Senhor da misericórdia, examinamos a nossa consciência, pedimos a graça da conversão. Entre outras coisas, isto também nos torna conscientes da dimensão comunitária inevitável e faz-nos compreender que a reconciliação com Deus também implica a reconciliação com os nossos irmãos e irmãs, que é a consequência da primeira.

E atravessa-se a Porta que simboliza o próprio Salvador, que é o verdadeiro portão através do qual se entra no prego sagrado de Deus. Pois não se trata simplesmente de cumprir um rito, uma cerimónia; requer contrição do coração, afastar-se do pecado, mesmo do pecado venial, profissão de fé, oração pelas intenções do Sumo Pontífice, e depois confissão sacramental e comunhão eucarística.

Quais são as principais razões pelas quais a prática da confissão tem declinado nas últimas décadas?
Antes de mais, devemos considerar o contexto geral da sociedade e os chamados "desafios", aos quais nem sempre fomos capazes de dar a resposta certa e atempada.

Outras causas relevantes estão, na minha opinião, enraizadas numa crise de fé que, por sua vez, se deve em grande parte a uma acção pastoral teologicamente débil. Daí a progressiva perda do sentido do pecado e do horizonte da vida eterna. Talvez tenha sido feito demasiado trabalho pastoral com base em slogans e intelectualismo, e isto distanciou confessores e penitentes do confessionário.

Como poderia ser recuperada a prática da confissão?
-É uma questão do quadro geral dos cuidados pastorais. Vale a pena lembrar que o cuidado pastoral é a mais nobre das atenções da Igreja, mas para ser realista e eficaz deve deixar as suas mãos livres ao Espírito Santo, através do qual a tradução prática da doutrina autêntica deve ser realizada. Esta é a única forma de garantir que o trabalho é o do Bom Pastor.

Quando existe esta garantia, então a criatividade mais frutuosa e saudável pode ter lugar, tendo em conta lugares, ambientes, culturas, idades, categorias, capacidades, etc., mas sempre com base na unidade da fé.

A partir de Roma, terá uma visão geral muito enriquecedora. Acha que o tempo passado pelos padres no confessionário é suficiente?
-Em geral, o tempo gasto é certamente escasso. Há demasiada tendência para fazer milhares de coisas, milhares de actividades. O que é importante, contudo, é reconciliar as pessoas com Deus e com o seu próximo; promover a paz de consciência e, portanto, a paz familiar e social; combater a corrupção; encorajar a recepção frequente da Sagrada Comunhão com as disposições adequadas - e portanto frutuosas -.

Em muitos lugares os padres são numericamente escassos em relação às necessidades da evangelização, mas, por esta mesma razão, é necessário escolher as prioridades certas; e entre estas, a disponibilidade para ouvir confissões ocupa um lugar privilegiado.

Como podem os padres ser melhores confessores? Que esforço e vontade são solicitados a fazer neste Ano?
- A este respeito, gostaria de salientar que a vida espiritual e pastoral do sacerdote, tal como a dos seus irmãos e irmãs leigos e religiosos, depende pela sua qualidade e fervor da prática pessoal assídua e conscienciosa do sacramento da penitência. Num padre que raramente ou mal se confessa, o seu ser padre e a sua actuação como padre logo sofreria, tal como a comunidade de que é pastor.

Ao permitir-se ser perdoado, aprende-se também a perdoar os outros. Este Ano da Misericórdia também pode ser providencial em levar os seminaristas a tornarem-se bons confessores, e em promover programas pastorais: pôr em prática nas dioceses iniciativas sábias tais como dar a conhecer os horários das confissões; colaborar em todas as áreas pastorais; promover, especialmente na Quaresma e no Advento, celebrações penitenciais comunitárias com confissão pessoal e absolvição; prestar atenção a ter horários mais adaptados às diferentes categorias de pessoas.

Durante este Ano, o Papa concedeu a todos os sacerdotes a faculdade de absolverem a censura da excomunhão pelo pecado do aborto. Como deve o sacerdote agir nestes casos especiais?
-É importante clarificar as ideias, pois existe uma grande confusão na opinião pública.

A absolvição pelo pecado do aborto não é reservada ao Papa, mas ao bispo (cfr. cân. 134.1), que a pode delegar a outros súbditos e à penitenciária diocesana (cfr. cân. 508.1), aos capelães nos lugares que serve, nas prisões e nas viagens marítimas (cfr. cân. 566.2). Os sacerdotes pertencentes a ordens mendicantes (Franciscanos, Dominicanos, etc.) também desfrutam desta faculdade. Todos os sacerdotes têm também poderes para o fazer, indistintamente em casos de perigo de morte (cf. cân. 976). Em muitas dioceses esta faculdade é conferida a todos os párocos; em outras, a todos os padres durante as estações do Advento e da Quaresma; em outras, a todos os padres, se virem um grande desconforto no confessor, no caso de ele não ser absolvido.

Em qualquer caso, é também bom saber que o penitente não está sujeito a excomunhão se o delito de aborto foi cometido antes dos 18 anos de idade, se não sabia que uma pena estava associada a tal pecado, se a sua mente não estava totalmente lúcida ou se a sua vontade não era totalmente livre (pense no medo grave ou no mau uso da razão).

Em qualquer caso, é evidente que o confessor saberá acolher com bondade, como ouvir, como consolar, como dirigir-se para o respeito pela vida, como abrir horizontes de arrependimento, de resoluções para o futuro e de alegria em provar o perdão, a misericórdia de Deus. Neste horizonte, o desejo de reparação surgirá espontaneamente, e então o próprio padre saberá completar, com a sua oração e penitência, a resposta de amor ao Deus da misericórdia.

Quando as pessoas se confessam que vivem numa situação de casamento irregular, como devem ser cuidadas? Em alguns casos, não poderão absolvê-los....
-Eu sublinho sempre que no acolhimento e na escuta, deve ser dado o maior cuidado e atenção. O próprio facto de estas pessoas virem ao confessionário é uma coisa positiva.

Não é possível, nestas poucas linhas, dar uma resposta exaustiva. Seria necessário distinguir entre os que se encontram numa situação conjugal "irregular" (divorciados e casados de novo, os que vivem juntos sem serem casados, ou os casados apenas civilmente) e os que se encontram numa situação conjugal "difícil" (separados e divorciados). A diferença é essencial, na medida em que aqueles que se encontram em situações conjugais difíceis só correm o risco de cair num estado objectivamente contrário à lei da Igreja.

Certamente, quando o confessor não pode dar a absolvição, deve oferecer compreensão, agir de modo a que as pontes não sejam quebradas, garantir a sua oração a estas pessoas, colocar-se sempre disponível para ouvir, encorajar a oração, fazê-los compreender a preciosidade de participar na Santa Missa festiva, fazê-los compreender a maravilha da leitura da Palavra de Deus, bem como da visita ao Santíssimo Sacramento para um diálogo de coração a coração com Jesus; abrir a possibilidade de participar em grupos de oração ou grupos dedicados a obras de misericórdia.

Deve então ser claro ao dizer que não devem sentir que estão fora da Igreja; nunca foram excomungados. Talvez haja um mal-entendido sobre isto, que é bom esclarecer, e é igualmente bom esclarecer a razão da sua exclusão da recepção da Eucaristia. Pela minha experiência como confessor - e confesso assiduamente - nunca me aconteceu que pessoas pertencentes às categorias acima mencionadas não me tenham agradecido e pedido autorização para regressar.

Em termos de como viver hoje os aspectos litúrgicos particulares deste sacramento, quais poderiam ser mais bem tratados, conhecidos ou valorizados?
-Há um Ritual deste sacramento, cuja utilização se tornou obrigatória desde 21 de Abril de 1974, que deve ser respeitado, apreciado e devem ser encontradas formas de o ilustrar para os fiéis. Ao utilizá-lo e ao torná-lo objecto de catequese, devem ser tidos em conta tanto os aspectos individuais como os comunitários.

Como não se trata de um cerimonial rígido, deve-se agir de forma sagrada, sabendo que se está a administrar o Sangue mais precioso do Redentor, que o protagonista aqui não é o padre que confessa, mas Jesus, o Bom Pastor, e que o padre, portanto, deve ser apenas o reflexo do Bom Pastor, o canal de transmissão das águas frescas e regeneradoras do Amor Misericordioso. O vestido do confessor também deve estar de acordo com aquele que administra um sacramento. Normalmente, o confessionário, localizado na igreja e equipado com uma grelha que assegura o máximo respeito pelos fiéis, deve ser utilizado. Tudo isto é regulado pelo cânon 964 do Código de Direito Canónico.

Claro que pode haver outros casos particulares, por exemplo, por ocasião de um acampamento juvenil, etc. Aconteceu-me recentemente que tive de ouvir confissões durante um voo e também num aeroporto; ambas são excelentes ocasiões que não teria tido se nem sempre tivesse usado o vestido eclesiástico, o que me coloca num permanente estado de serviço.

Como será vivida a iniciativa do Papa "24 horas para o Senhor" em Roma, de 4 a 5 de Março? Em que consistirá? Como podemos preparar-nos para esta nomeação com a misericórdia de Deus em todo o mundo?
-Em Roma começará na Basílica de São Pedro com uma celebração penitencial comunitária (Liturgia da Palavra, homilia, silêncio para meditação e exame de consciência, confissão individual dos presentes em vários confessionários, e acção de graças comum ao Pai de misericórdia). Posteriormente, o Santíssimo Sacramento será exposto em todas as igrejas escolhidas. Os confessores podem ser visitados a qualquer hora do dia durante estas 24 horas.

A iniciativa está a ser muito bem aceite, especialmente pelos jovens. O facto de todas as dioceses estarem a responder a tal convite também educa num sentido profundo de eclesialidade. Será também uma ocasião privilegiada para ilustrar a beleza da comunhão dos santos.

Um problema frequente para os confessores é a falta de preparação dos penitentes, o que faz com que algumas confissões se arrastem desnecessariamente. O que recomendaria ao confessor que acolhesse os fiéis, mas sem se prolongar demasiado e desencorajar os outros que aguardam a sua vez?
-Os fiéis devem ser levados a uma boa confissão desde o momento da sua primeira comunhão; depois deve ser explicada a diferença entre uma conversa, direcção espiritual e confissão sacramental. É útil dispor previamente de folhetos ou formulários com contornos do exame de consciência, se possível diferenciados por idade, etc.

O próprio confessor deveria fazer um esforço para não tagarelar, mas para falar de forma sóbria, clara e suave, e para chegar ao essencial e ajudar o penitente a chegar ao essencial, sem o fazer sentir-se desconfortável. É aconselhável procurar o equilíbrio e a prudência, e se uma fila se tiver formado, dizer ao penitente que o pode ouvir mais tarde, ou mesmo depois de a fila ter terminado, e ouvi-lo com maior profundidade.

O autorHenry Carlier

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