Livros

Lições espirituais de um velho jardineiro inglês

Lucas Buch recomenda-lhe que leia Memórias de um jardineiro inglês (Old Herbaceous).

Lucas Buch-29 de Janeiro de 2021-Tempo de leitura: 3 acta
Jardineiro inglês

O título do livro em inglês é ligeiramente enganador. Não se trata de uma memória (mesmo fictícia), mas de uma narrativa, escrita na terceira pessoa. A história começa quando Viejo Hierbas (como os habitantes locais chamam ao protagonista do livro) já é um homem velho. Memórias e reflexos são intercalados, num tom simultaneamente terno, quase ingénuo, e carregados de uma ironia subtil, tão inglesa como o jardineiro.

Livro

TítuloMemórias de um jardineiro inglês
AutorReginald Arkell
EditorialPeriféricos
Páginas: 224

Embora possa parecer um trabalho ligeiro, na realidade mergulha em alguns campos muito profundos. Em primeiro lugar, mostra uma profissão do tipo que, como diz Higinio Marín, faríamos mesmo que tivéssemos de pagar por ela. Na realidade, o Old Herb parecia condenado a ser um camponês, como todos os jovens da sua aldeia. No entanto, logo sentiu a atracção da jardinagem. Quando era rapaz, o agricultor para quem ele deveria trabalhar mandou-o ajudar a sua esposa com o jardim da casa. Tudo tinha de ser regado à mão... "Depois de carregar baldes de água até mal poder ficar de pé, perguntou se podia voltar na tarde seguinte. 

-Sem ti", disse a esposa do agricultor, "claro que podes voltar amanhã".

E quando ele abençoou o rapaz pela segunda vez numa tarde, estava a falar a sério. Ofereceu-lhe o centavo habitual, mas o pequeno jardineiro recusou. 

-Mas porquê? -assombrada a mulher espantada.

-Porque eu gosto de vir", respondeu ele.

De acordo com a sua filosofia, trabalhar significava fazer algo que não se queria fazer, e a única coisa pela qual se era pago era trabalhar". (pp. 49-50). Do mesmo modo, quando entra no jardim da Sra. Charteris (ao qual dedicará toda a sua vida), depara-se com um problema. Quando ele tenta continuar o seu trabalho no final do dia, ela impede-o de o fazer: "Não posso ter-vos a trabalhar dia e noite. O que diriam as pessoas? Eles chamar-me-iam explorador. Deve estar a divertir-se.....

Aparentemente, andavam outra vez atrás dele. O que lhes importava? Porque não o deixaram em paz? Não estava a magoar ninguém. Porque é que haveria de parar de fazer algo de que gosta porque se chama trabalho, e começar a fazer algo de que não gosta porque se chama diversão"? (p. 80).

O livro é, portanto, uma abordagem à "obra do prazer" da qual Juan Ramón Jiménez escreveu de forma tão bela. Não é só por dinheiro que os homens trabalham. A jardinagem, como tantas outras profissões profissionais, requer uma boa dose de iniciativa e criatividade, "apela à mente e ao coração em vez do livro de bolso". (p. 90). Por outro lado, é uma profissão que permite habitar o mundo no sentido mais nobre do termo, tornando-o próprio: "Enquanto foi responsável pelo jardim que contemplou, nunca se sentiu como um trabalhador remunerado. Ele sentiu que era dele e, de certa forma, era". (p. 11).

Para além da dimensão subjectiva da obra, a vida da erva velha descobre pequenos tesouros de sabedoria doméstica (senso comum), que no mundo apressado em que vivemos é por vezes um pouco mais difícil de aprender. Como a necessidade de se adaptar aos ritmos da realidade, que nem sempre são os nossos. Com fina ironia, Arkell escreve: "Assim que começou, teve de aprender a lição que todo o jardineiro aprende: as flores nunca saem todas ao mesmo tempo. Ou se chega demasiado tarde ou se chega demasiado cedo. As flores que cultiva hoje nunca são tão bonitas como as que cultivou ontem e crescerão de novo amanhã. O jardineiro é um ser frustrado para quem as flores nunca florescem no momento certo. À sua volta, ele vê mudanças e decadência. É tudo muito triste, e como os jardineiros conseguem sobreviver face a tal adversidade é uma daquelas coisas que ninguém jamais compreenderá".(p. 37). Um drama que é equilibrado por tantas satisfações, porque "A jardinagem pode ser a ocupação mais exasperante do mundo, mas dá tanto quanto exige, nem mais nem menos". (p. 65).

Finalmente, o romance é interessante para o período - a mudança de época - que descreve. A vida do velho Herb abrange a passagem do século XIX para o século XX, e ele é um homem velho depois da Segunda Guerra Mundial. Experimenta assim a transformação radical de um mundo. Desde a era Vitoriana, onde a tradição governava tudo e a novidade era quase proibida, até uma época em que a autoridade dos mais velhos não tem qualquer valor. E ele parece ter sempre o pior de tudo, pois é jovem numa altura em que os mais velhos dominavam tudo ("Era assim que as coisas eram naqueles tempos: os velhos agarraram-se aos seus empregos lucrativos até os jovens terem quase idade suficiente para se reformarem, p.97); e ele é velho quando não é a opinião dos mais velhos que importa... Como deixar de ser o governante de um jardim e ainda assim não perder um iota de dignidade ou autoridade? Como passar o bastão alegremente, sem se sentir humilhado? A melhor forma de o autor resolver este pequeno dilema é deixada aos leitores que possam estar interessados no livro. Para evitar o spoiler.

O autorLucas Buch

Boletim informativo La Brújula Deixe-nos o seu e-mail e receba todas as semanas as últimas notícias curadas com um ponto de vista católico.
Banner publicitário
Banner publicitário