Vaticano

Misericórdia e correcção na Igreja

A reforma do Código de Direito Canónico, que visa dotar a Igreja Católica de um sistema de sanções adequado à situação actual, sendo ao mesmo tempo eficaz na punição dos vários comportamentos que constituem uma infracção, foi apresentada na terça-feira 1 de Junho.

Ricardo Bazán-2 de Junho de 2021-Tempo de leitura: 4 acta
reforma do código de direito canónico

Foto: ©2021 Catholic News Service / U.S. Conference of Catholic Bishops.

A reforma do Livro VI do Código de Direito Canónico sobre sanções penais na Igreja viu finalmente a luz do dia. Uma conferência de imprensa para a apresentação da Constituição Apostólica teve lugar na terça-feira 1 de Junho. Pascite gregem Dei, que visa dotar a Igreja Católica de um sistema de sanções adequado à situação actual, sendo ao mesmo tempo eficaz na punição das várias formas de conduta que constituem uma infracção.

Esta é uma reforma que tem sido desejada há várias décadas, uma vez que, como a experiência tem demonstrado, quando o Código de Direito Canónico entrou em vigor em 1983, o livro que regula as infracções na Igreja não parecia ser um instrumento adequado, uma vez que tinha prevalecido uma leitura pastoral em vez de uma leitura jurídica. É por isso que o Papa Francisco, na introdução à norma, esclarece: "O Pastor é chamado a exercer a sua tarefa 'pelos seus conselhos, as suas exortações, o seu exemplo, mas também pela sua autoridade e o seu poder sagrado' (Lumen gentium, n. 27), porque a caridade e a misericórdia exigem que um Pai também se dedique a endireitar o que possa ter ficado de novo".

Isto foi tristemente provado com os crimes de abuso sexual de menores cometidos na Igreja, uma vez que as normas do código eram insuficientes para lidar com as denúncias que tinham ocorrido desde os anos 80 e que foram tornadas públicas em todo o mundo em 2002. Assim, o então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Card. Joseph Ratzinger levou a questão muito a sério.

Como Papa, Bento XVI confiou a difícil tarefa de reformar o Livro VI ao Pontifício Conselho para os Textos Legislativos (PCTL) em 2009. É um trabalho colegial que durou quase 12 anos, entre reuniões do grupo de estudo criado no âmbito do referido discatério para rever o código, bem como consultas com outros dicastérios, bispos, faculdades de direito canónico, entre outros, até chegar ao texto final que entrará em vigor a 8 de Dezembro de 2021. Assim, o novo Livro VI, sobre as sanções da Igreja, que consiste em 89 cânones, é o seguinte: 63 cânones foram modificados (71%), 9 foram movidos (10%), e 17 permaneceram na mesma (19%).

Como Monsenhor Filippo Iannone, Presidente da PCTL, salientou na conferência de imprensa, o novo Livro VI tem três objectivos: restabelecer as exigências da justiça, a alteração do infractor e a reparação dos escândalos. Podemos ver um processo de amadurecimento na forma de entender o direito penal como um instrumento de restauração da justiça, próprio da Igreja como Povo de Deus, em que há um intercâmbio de relações entre os seus fiéis, que deve ser regulado de acordo com a justiça, baseado na caridade, de tal forma que os direitos dos fiéis possam ser respeitados e a sua protecção garantida.

Em muitas ocasiões, o Papa Francisco procurou explicar que a misericórdia não é contrária à justiça, pelo que é um dever de justiça, mas ao mesmo tempo, de caridade, corrigir aqueles que erram (cf. Exortação Apostólica Gaudete et exsultate).

Trata-se sem dúvida de um regulamento muito competente, como se pode ver no texto, que contém uma melhor determinação das normas penais do que era anteriormente o caso quando o código foi promulgado. Reduz o âmbito da discrição do bispo, o juiz natural da diocese. As infracções foram também melhor especificadas, juntamente com uma lista de penas (cf. cân. 1336) e parâmetros de referência para orientar a avaliação de quem deve julgar as circunstâncias específicas. Com vista a proteger a comunidade eclesial e a reparar o escândalo e reparar os danos, o novo texto prevê a imposição de preceitos penais, ou a instauração de processos punitivos sempre que a autoridade o considere necessário, ou tenha estabelecido que por outros meios não é possível obter um restabelecimento suficiente da justiça, a alteração do infractor e a reparação do escândalo.

Finalmente, são dados aos bispos os meios necessários para prevenir a infracção e, assim, poder intervir na correcção de situações que poderiam ser posteriormente mais graves, salvaguardando ao mesmo tempo o princípio da presunção de inocência (cfr. cân. 1321 § 1).

Além disso, infracções que foram recentemente criminalizadas através de leis especiais foram incorporadas no código, tais como a tentativa de ordenação de mulheres, o registo de confissões, e a consagração de espécies eucarísticas para fins sacrílegas. Ao mesmo tempo, certas infracções que estavam presentes no Código de 1917 e que não foram incluídas em 1983 foram incorporadas, por exemplo, a corrupção em actos de posse, a administração de sacramentos a pessoas proibidas de os administrar, ocultando à autoridade legítima quaisquer irregularidades ou censuras na recepção de ordens sagradas.

Foram acrescentadas novas infracções, tais como a violação do sigilo pontifício, a omissão da obrigação de executar uma sentença ou decreto penal, a omissão da obrigação de notificar a prática de um crime, e o abandono ilegítimo do ministério. Por último, as infracções de natureza patrimonial, que foram noticiadas nos últimos anos, foram acrescentadas à lista. 

Esta reforma do sistema penal da Igreja coloca nas mãos dos bispos um "instrumento ágil e útil, regras mais simples e claras, para encorajar o recurso ao direito penal quando necessário, para que, respeitando as exigências da justiça, a fé e a caridade possam crescer no povo de Deus". Contudo, isto não pode acontecer automaticamente, é necessária uma reflexão prévia, para compreender que não se é mais pastoral porque não se aplica uma pena àqueles que cometeram um crime, mas que a justiça e a caridade o exigem, há um dever de justiça que cabe aos pastores levar a cabo.

Não surpreendentemente, muitas vítimas de abuso sexual clerical, em vez de verem o agressor na prisão, procuram uma sanção canónica, que geralmente consiste na suspensão do estado clerical e no afastamento de qualquer ofício pastoral, onde pode causar mais danos. Não devemos esquecer que o tempo e a prática judicial serão de grande utilidade, daí o Pascite gregem Dei Preciso de tempo para desdobrar o efeito que o Papa Francisco procura, para ser um instrumento para o bem das almas.

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