Teologia do século XX

A teologia do Concílio Vaticano II

No Concílio Vaticano II, o Concílio assumiu e fez muita teologia. Foram três anos de trabalho de numerosos peritos e bispos para a pensar na fé ("fides quaerens intellectum") com o objectivo proposto por João XXIII: para explicar melhor a mensagem da Igreja ao mundo em todo o mundo.derno.

Juan Luis Lorda-11 de Outubro de 2022-Tempo de leitura: 8 acta
conselho vaticano ii

Foto: Saída dos Padres do Conselho da Basílica de São Pedro. Fotografia de Lothar Wolleh. ©Wikipedia Commons

Tradução do artigo para italiano

Falar de uma "teologia do Conselho" é perfeitamente legítimo. O Conselho Tinha uma orientação pastoral, mas colheu os frutos de tanta boa teologia e consolidou muitas expressões e perspectivas. Sem poder mencioná-los a todos, é útil tentar uma síntese. Centrar-nos-emos apenas nas quatro Constituições e no Decreto sobre a liberdade religiosa.

Dei Verbum e a Forma da Revelação Cristã

O Conselho começou por lidar com a revelação, mas o primeiro esboço (1962) não foi apreciado como demasiado escolástico. Isto levou a uma mudança em todos os contornos preparados. Rahner e Ratzinger propuseram um para este documento, mas este não teve êxito. Após uma longa elaboração, foi conseguido um pequeno texto sobre Apocalipse e Escritura, que retoma a renovação da Teologia Fundamental (1965) (e as inspirações de Newman). Os primeiros capítulos tratam da revelação, Deus, resposta humana (fé) e transmissão ou tradição (I e II); os restantes tratam da Sagrada Escritura.

Em contraste com o velho hábito escolástico de concentrar a revelação no conjunto de verdades reveladas (dogmas), "Dei verbum" centrava-se no fenómeno histórico da revelação (nos. 1 e 6). Deus manifesta-se trabalhando a salvação na história, em etapas, até à sua plenitude em Cristo. "Com actos e palavras", e não apenas palavras. Há uma profunda revelação em acontecimentos como a Criação e o Êxodo, o Pacto e, ainda mais, a Encarnação, Morte e Ressurreição do Senhor. Estes são os grandes mistérios da história da salvação. Além disso, "não há mais nenhuma revelação pública a esperar perante a manifestação gloriosa de Nosso Senhor Jesus Cristo" (n. 4).

Ele apresenta a fé como uma resposta pessoal (na Igreja) a esta revelação (é assim que o Catecismo começa então), e explica o conceito de tradição (viva) e a sua relação com o Magistério e a Escritura (cap. II). A própria Escritura é o fruto da primeira tradição. "A Tradição Sagrada e a Sagrada Escritura constituem um único depósito sagrado" (10), superando assim o infeliz esquema das "duas fontes".

Descreve a relação peculiar entre a acção de Deus e a liberdade (e cultura) humana na escrita de textos (inspiração). Ele reconhece a conveniência de distinguir géneros literários para os interpretar (uma narrativa simbólica não é a mesma que a descrição histórica de um acontecimento). E propõe todo um tratado de exegese crente em três linhas: "A Sagrada Escritura deve ser lida e interpretada com o mesmo espírito com que foi escrita, a fim de extrair o significado exacto dos textos sagrados, e não devemos prestar menos atenção ao conteúdo e unidade de toda a Sagrada Escritura, tendo em conta a Tradição viva de toda a Igreja e a analogia da fé" (12).

Depois de explicar a profunda relação entre o Antigo e o Novo Testamento, dá um forte impulso pastoral para conhecer e usar mais a Escritura (cap. VI), com boas traduções e instruindo os fiéis. Ele assinala que "o estudo da Sagrada Escritura deve ser como a alma da Teologia Sagrada" (24). E também de pregação e catequese (24). Porque "ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo" (25).

Sacrosanctum Concilium e o Coração da Vida da Igreja

Quando o esboço da revelação foi retirado, o Conselho começou a trabalhar neste belo documento, que reúne o melhor do movimento litúrgico, desde a renovação de Solesmes (Dom Geranguer) até ao "Significado da Liturgia" de Guardini, passando pela teologia dos mistérios de Odo Casel.

Ele apresenta a liturgia como uma celebração do mistério de Cristo, onde a nossa salvação é realizada e a Igreja cresce. O primeiro capítulo, o mais longo, trata dos princípios da "reforma" (como ele lhe chama). O segundo trata do "Mistério Sacrossanto da Eucaristia" (II), e depois dos outros sacramentos e sacramentais (III), do Ofício Divino (IV), do ano litúrgico (V), da música sacra (Vl), e da arte e objectos de culto (VII). Encerra com um apêndice sobre a possibilidade de adaptar o calendário e a data da Páscoa.

A liturgia celebra sempre o Mistério Pascal de Cristo (6), do Baptismo em que os fiéis, morrendo para o pecado e ressuscitando em Cristo, são incorporados no seu Corpo através da vida eterna dada pelo Espírito Santo. É um culto dirigido ao Pai, em Cristo, animado pelo Espírito Santo, e sempre eclesial, porque é o corpo inteiro da Igreja unido à sua Cabeça (dimensão eclesial). E celebra o único mistério pascal de Cristo, tanto na terra como no céu, e para sempre (dimensão escatológica).

O Conselho queria que os fiéis participassem melhor no mistério litúrgico, aumentando a sua formação. Além disso, deu uma multiplicidade de indicações para melhorar o culto cristão em todos os seus aspectos.

Infelizmente, a implementação destas sensatas indicações sobrecarregou completamente os organismos responsáveis ("Consilium" e conferências episcopais). Antes de os bispos receberem instruções, e muito antes de os livros litúrgicos serem retrabalhados, muitos entusiastas alteraram a liturgia com trivialidades arbitrárias. As queixas de muitos teólogos (De Lubac, Daniélou, Bouyer, Ratzinger...) e intelectuais católicos (Maritain, Von Hildebrand, Gilson...) não foram suficientes. Esta desordem provocada em
alguns fiéis desconcertados uma reacção anti-conciliar que dura até hoje, dando asas também ao cisma de Lefebvre. Vale a pena reler o documento para ver o quanto ainda há para aprender.

Lumen Gentium, a culminação do Conselho

Esta Constituição "dogmática" (a única assim chamada) é o núcleo teológico do Concílio, porque na sequência do Concílio Vaticano I e de "Mystici corporis", desenvolve de forma abrangente a doutrina sobre a Igreja e ilumina a outra documentos conciliares sobre bispos, clero, religiosos, ecumenismo, relações com outras religiões e evangelização. A sua riqueza teológica e articulação devem muito a Johan Adam Moeller, Guardini, De Lubac e Congar, e à sábia mão editorial de Gerard Philips, que mais tarde lhe deu um esplêndido comentário.

Já o primeiro número coloca tudo a um nível muito elevado: "A Igreja está em Cristo como um sacramento, ou seja, um sinal e instrumento de união íntima com Deus e da unidade de toda a raça humana". Esta convocação universal expressa o que é a Igreja e, ao mesmo tempo, fá-los surgir entre os homens, unindo-os ao Pai em Cristo através do Espírito. É portanto "como um sacramento".

A relativa novidade da palavra patrística "mistério" deve ser sublinhada, porque a própria Igreja é um mistério da presença de Deus, da revelação e da acção salvífica, e portanto um mistério de fé. Mistério unido ao mistério da Trindade (Igreja da Trindade) porque a Igreja é um povo criado e convocado por Deus Pai, reunido para o culto no Corpo de Cristo, que é a sua cabeça (e que realiza o culto), e construído em Cristo como um templo de pedras vivas pela acção do Espírito Santo. Está portanto intimamente ligada ao Mistério da liturgia ("Ecclesia de Eucharistia"). É também a Igreja da Trindade, porque a sua comunhão de pessoas (comunhão de santos, comunhão nas coisas santas) reflecte e expande-se no mundo, como fermento e antecipação do Reino, a comunhão trinitária de pessoas, que é o destino último da humanidade (dimensão escatológica).

Compreender a Igreja como um mistério salvífico de comunhão com Deus e entre os povos permite-nos superar uma visão externa, sociológica ou hierárquica da Igreja; lidar adequadamente com a relação entre o Primado e o Colégio dos Bispos. E para enfatizar a dignidade do Povo de Deus e o apelo universal à santidade, e para participar plenamente no culto litúrgico e na missão da Igreja.

Todos os seres humanos são chamados a estar unidos a Cristo na sua Igreja. Isto é trazido à história pelo Espírito Santo em vários graus e formas, desde a comunhão explícita daqueles que participam plenamente, até à comunhão interior daqueles que são fiéis a Deus na sua consciência ("Lumen Gentium", nn. 13-16).

É por isso que este mistério de unidade é a chave do ecumenismo, um novo compromisso do Concílio pela vontade do Senhor ("que todos sejam um"), com uma mudança de perspectiva num grande documento ("Unitatis redintegrario"). É diferente contemplar a génese histórica das divisões com os seus traumas, do que o seu estado actual, onde os cristãos de boa fé (ortodoxos, protestantes e outros) realmente partilham os bens da Igreja. A partir daí, deve procurar-se a plena comunhão, através da oração, colaboração, diálogo e conhecimento mútuo, e sobretudo através da acção do Espírito Santo. A plena comunhão em sacris não é o ponto de partida, mas sim o ponto de chegada.

Gaudium et Spes e o que a Igreja pode oferecer ao mundo

Para compreender o alcance teológico da Gaudium et Spes, a sua história deve ser recordada.

Quando as primeiras linhas foram retiradas, como vimos acima, foi decidido orientar o Concílio com duas questões: o que diz a Igreja sobre si mesma, que deu origem ao "Lumen gentium", e o que a Igreja pode contribuir para "a construção do mundo", que daria origem ao "Gaudium et spes". Já nessa altura se pensava nas grandes questões: a família, a educação, a vida social e económica, e a paz, que constituem os capítulos da segunda parte.

Embora pareça fácil falar cristãmente sobre estes assuntos, não é tão fácil estabelecer uma doutrina teológica universal, porque há demasiadas questões temporais, especializadas e... opinativas. Foi por isso que lhe foi atribuído o título de constituição "pastoral", e notou-se que a segunda parte, cheia de sugestões interessantes, era mais opinante do que a primeira, mais doutrinal.

Esta primeira parte tinha surgido espontaneamente, devido à necessidade de dar uma base doutrinal ao que a Igreja poderia contribuir para o mundo. E revelou-se um feliz compêndio de antropologia cristã, com três capítulos intensos sobre a pessoa humana e a sua dignidade, a dimensão social do ser humano, e o significado da sua acção no mundo. E um quarto capítulo de resumo (aparentemente redigido em grande parte pelo próprio Karol Wojtyła com Daniélou). Paulo VI na sua viagem à ONU recordaria que a Igreja é "um perito em humanidade".

João Paulo II sublinhou constantemente que Cristo conhece o ser humano e é a verdadeira imagem do homem (n. 22) e que "há uma certa semelhança entre a união das pessoas divinas e a união dos filhos de Deus na verdade e na caridade" (24), como acontece nas famílias, nas comunidades cristãs e deve ser procurada em toda a sociedade. Esta frase conclui com esta expressão luminosa da vocação humana: "Esta semelhança mostra que o homem, a única criatura na terra que Deus amou por amor próprio, não pode encontrar a sua própria realização a não ser no dom sincero de si mesmo aos outros" (24).

Além disso, o último capítulo da primeira parte da Constituição Pastoral recordou que: "Os leigos são propriamente, embora não exclusivamente, responsáveis pelas tarefas e dinamismo secular [...] devem esforçar-se por adquirir verdadeira competência em todas as áreas" e "cabe à consciência bem formada dos leigos assegurar que a lei divina seja gravada na cidade terrestre" (43). Também aqui há ainda muito a fazer...

Dignitatis humanae e uma mudança de abordagem ao liberalismo

Embora seja um documento menor, este decreto é de importância estratégica na relação da Igreja com o mundo moderno.

Muitos bispos tinham pedido ao Conselho que proclamasse o direito à liberdade religiosa porque estavam sujeitos a ditaduras comunistas, como no caso de Karol Wojtyła. Os regimes democráticos liberais reconheceram esse direito como uma parte essencial do seu pedigree. Os cidadãos são livres de procurar a verdade religiosa e de a expressar livremente no culto, incluindo o culto público, respeitando ao mesmo tempo a ordem pública. A experiência histórica foi que a proclamação liberal da liberdade de culto tinha sido muito benéfica para a Igreja Católica onde era perseguida ou onde havia uma religião oficial, como na Inglaterra e em países oficialmente protestantes (Suécia, Dinamarca...), e seria uma grande libertação nos países comunistas e também muçulmanos.

Mas esta não era a tradição das antigas nações cristãs (nem católicas nem protestantes) porque, argumentou-se, "a verdade não tem os mesmos direitos que o erro". É por isso que, no século XIX, as autoridades eclesiásticas a todos os níveis, tal como se tinham oposto à divulgação de publicações anti-fé e anti-moral, opuseram-se fortemente às tentativas liberais de estabelecer a "liberdade de religião" nos países católicos. Era um conflito entre perspectivas: a de uma nação entendida como uma comunidade religiosa e a da consciência do indivíduo.

É verdade que num regime supervisionado, como o de uma família com filhos, os pais podem e até devem impedir, dentro de certos limites, a disseminação de opiniões erradas na sua casa. Mas isto está deslocado quando as crianças são emancipadas, porque então prevalece o direito fundamental de cada pessoa de procurar a verdade por si própria. E é isto que acontece nas sociedades modernas, com pessoas emancipadas em plena posse dos seus direitos. Há uma mudança da protecção do bem comum de uma sociedade homogeneamente religiosa para o reconhecimento do direito fundamental de cada pessoa a procurar a verdade.

No entanto, esta mudança foi considerada herética por Monsenhor Lefebvre e levou ao seu cisma. Argumentou que o Concílio sobre este ponto contradizia a doutrina tradicional da Igreja e era, portanto, inválido.

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