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A expressão algo divino -quid divinum- em São Josemaría Escrivá

No próximo dia 8 de outubro celebra-se o 57º aniversário da missa celebrada no campus da Universidade de Navarra, na qual São Josemaria proferiu a sua homilia. Amar apaixonadamente o mundoem que fala sobre este "algo de santo, de divino, escondido nas situações mais comuns, que cabe a cada um de vós descobrir".

Javier Rodríguez Balsa-8 de outubro de 2024-Tempo de leitura: 10 acta
A expressão algo divino -quid divinum- em São Josemaría Escrivá

Foto: São Josemaría Escrivá no campus da Universidade de Navarra, 8 de outubro de 1967.

Sou professor, psicopedagogo e licenciado em Ciências Religiosas; atualmente lecciono Religião - entre outras disciplinas - num colégio; como fiel do Opus Dei, impressiona-me - desde há alguns anos - a expressão quid divinum - ou "algo divino" em espanhol- utilizado em várias ocasiões por São Josemaría Escrivá e estudei as várias explicações que lhe são dadas e a sua utilidade prática na vida de um cristão comum.

A expressão quid divinum A expressão "a palavra de Deus", utilizada pelo santo na sua homilia na Universidade de Navarra, em 8 de outubro de 1967, evidencia a dimensão espiritual e teológica da sua pregação. Segundo o professor José Luis Illanes, esta expressão sublinha a importância do sagrado e do divino na mensagem do santo. Embora existam várias interpretações desta expressão, todas elas procuram aprofundar o seu significado teológico. 

Ao mesmo tempo, é importante notar que São Josemaría Na sua mensagem, tanto oral como escrita, utilizou expressões de fácil compreensão. No entanto, isso não o impediu de usar afirmações com um profundo conteúdo teológico, que requerem uma formação adequada para serem plenamente compreendidas. 

Depois de pesquisar para desvendar o seu significado mais puro e prático, encontrei várias explicações que são de grande ajuda para a vida espiritual de um cristão comum, especialmente para aqueles que aspiram à santificação através das suas ocupações quotidianas. 

Por exemplo, São Josemaria falava muitas vezes da importância da "oração contemplativa", que é uma forma de oração em que se procura estar na presença de Deus e abrir o coração à sua ação transformadora. Esta forma de oração pode ser difícil de compreender para quem não está familiarizado com a vida espiritual, mas uma vez compreendido o seu significado, pode ser um instrumento poderoso para crescer na relação com Deus. 

Em suma, embora os ensinamentos de São Josemaria possam conter conceitos teológicos profundos, a sua mensagem dirige-se a todos os cristãos, independentemente da sua formação ou conhecimentos prévios. O seu objetivo era ajudar as pessoas comuns a encontrar Deus no meio das suas ocupações normais e a viver uma vida santa no meio do mundo.

"Quid divinum"utilização e explicações da expressão 

São Josemaria conhecia certamente esta expressão latina, que, segundo o dicionário da Real Academia Espanhola, significa "a inspiração própria do génio"; mas não nos devemos cingir ao seu significado etimológico, mas sim ao sentido que lhe é dado na mensagem da Homilia e noutros textos. Por isso, é necessário ler com calma o contexto da expressão e a intenção com que é usada. 

Monsenhor OcárizPrelado do Opus Dei e Grão-Chanceler da Pontifícia Universidade da Santa Cruz, deu uma explicação improvisada sobre o quid divinum durante um diálogo no "Congresso Internacional do Trabalho. Quando lhe é feita a pergunta: "Padre, qual é a quid divinum?", respondeu Monsenhor Ocáriz, fornecendo uma perspetiva valiosa sobre o seu significado.

A pergunta e a extensa e rica resposta foram: 

(Pergunta): "Padre, sou professor de filosofia em Sevilha. A minha pergunta é muito simples e muito direta. quid divinumo que é o libras esterlinas divinoque algo de sagrado, de divino, que tenho de descobrir? Talvez me digas que também é ascético, mas não sei se há alguma parte que me possas esclarecer".

(Resposta): "Descobrir o libras esterlinas divino Eu diria que é - podem pensar o contrário, o que estou a dizer agora não é uma verdade de fé - parece-me que descobrir o libras esterlinas divino é, acima de tudo, descobrir o amor de Deus por nós. Ver nas pessoas, nas circunstâncias, na materialidade dos esforços humanos, nas contrariedades, ver aí uma expressão do amor de Deus por nós, o que - de um ponto de vista existencial - penso que é a verdade mais importante da fé. A verdade mais importante da fé é a Trindade, a Encarnação..., mas, no fundo, para a nossa vida, para a nossa existência quotidiana, o que estas verdades também nos mostram acima de tudo é o amor de Deus por nós. Como vos lembrais, S. João, de uma forma quase solene, diz: "conhecemos e acreditamos no amor que Deus tem por nós". Como que para resumir: o que é que aconteceu? Conhecemos e acreditámos no amor de Deus por nós. 

Então descubra o libras esterlinas divino é ver nas pessoas alguém que Deus ama; mesmo que não se veja, acreditar que ali, por trás de tudo, está o amor que Deus tem por nós". 

Penso que esta explicação espontânea é excelente e ajuda-nos a perceber o nosso Criador como próximo, mostrando-nos que Ele está à nossa procura e que podemos encontrá-lo nas pequenas coisas do dia a dia. Se conseguirmos descobrir o quid divinum Na nossa vida quotidiana, estaremos a participar na melhor maneira de nos aproximarmos de Deus e de O amarmos a Ele e aos outros por Ele, como São Josemaria o expressou. 

Do mesmo modo, os professores Illanes e Méndiz indicam que ".A expressão "algo divino" aparece aqui, e noutras passagens da homilia, sempre em espanhol. No entanto, a nosso ver, pode ter a sua origem na fórmula latina quid divinum, de origem pré-cristã, que se usava na antiguidade para falar da perfeição ou do génio na arte, das propriedades curativas de certas águas, etc., e também, mais filosoficamente, do intelecto no homem e das leis que regem o mundo (cf. Cícero, De Legibus, I, 61). É provável que o fundador do Opus Dei conhecesse esta fonte, mas nesta homilia prefere utilizá-la em espanhol, talvez para não ter de a traduzir." (Conversas com Monsenhor Escrivá de Balaguer, edição histórico-crítica, Ed. RIALP 2012).

Dizia São Josemaria na sua homilia em Navarra: "Num laboratório, na sala de operações de um hospital, no quartel, na cátedra universitária, na fábrica, na oficina, no campo, na casa de família e em todo o imenso panorama do trabalho, Deus espera-nos todos os dias". E um pouco mais adiante: "Não há outro caminho, meus filhos: ou sabemos encontrar o Senhor na nossa vida quotidiana, ou nunca o encontraremos". 

Pode deduzir-se que não é uma coisa o algo divino, mas é o próprio Deus que encontramos, porque "ele espera por nós todos os dias". Então porque é que ele usa a expressão "há algo de santo, de divino, escondido nas situações mais comuns, que cabe a cada um de vós descobrir".? (Homilia "Amar apaixonadamente o mundo"). 

Algo divino e quotidiano ao mesmo tempo

O que é esta "coisa santa, divina" senão o próprio Deus, podemos perguntar-nos. Talvez a interpretação seja a de que Deus nos quer transmitir "algo", que poderia muito bem ser traduzido por "Alguém", "que cabe a cada um de vós descobrir".

O Fundador do Opus Dei volta a utilizá-la mais tarde, com uma nuance: "Esta doutrina da Sagrada Escritura (...) deve levar-vos a realizar o vosso trabalho com perfeição, a amar a Deus e aos homens, pondo amor nas pequenas coisas do vosso dia a dia, descobrindo esse algo de divino que está contido nos pormenores".Assim, o "algo de divino" está contido nos pormenores, nas pequenas coisas, nas coisas que as pessoas fazem todos os dias, quando lhes dedicamos amor. 

Pela terceira vez, utiliza-o quando se refere ao amor humanoRecordei-vos: "Fazei as coisas com perfeição, recordei-vos, ponde amor nas pequenas actividades do dia, descobri - insisto - esse algo divino que está encerrado nos pormenores: toda esta doutrina encontra um lugar especial no espaço vital, no qual se enquadra o amor humano".

A expressão é também utilizada por São Josemaria em outras homilias, como no caso de "Rumo à santidade": "Estamos convencidos de que não há nenhum mal, nenhuma contradição, que não venha para o bem: assim, a alegria e a paz estão mais firmemente estabelecidas no nosso espírito, que nenhum motivo humano nos pode arrancar, porque estas visitas deixam-nos sempre algo de próprio, algo de divino. Louvaremos o Senhor nosso Deus, que realizou em nós obras maravilhosas, e compreenderemos que fomos criados com a capacidade de possuir um tesouro infinito".

Para se conhecer uma realidade em profundidade, procura-se descobrir os seus elementos constitutivos, as funções que desempenham e as relações entre eles, o que não acontece em Deus, pois n'Ele não há elementos constitutivos. Assim, quando falamos da Vontade de Deus, do Seu Infinito Amor, Bondade, Providência e Misericórdia, bem como da Sua Imensidão, Omnipotência, Essência e Ser, estamos a falar da mesma coisa, porque em Deus todas elas se identificam, são o mesmo Deus. E n'Ele o que mais nos engrandece e eleva é o Seu Amor, que se encontra no Seu Amor. "pondo amor nas pequenas coisas da sua rotina diária".

Por isso, S. Josemaria exorta a que, no trabalho, nas ocupações ordinárias e comuns e nas relações com os outros - especialmente no ambiente familiar -, o cristão ponha amor em encontrar o amor de Deus, sabendo que esse amor é um trabalho árduo, diligente, esforçado, sacrificial. 

Ele próprio o diz na sua homilia "A obra de Deus": "Gosto muito de repetir - porque o vivi bem - esses versos de pouca arte, mas muito gráficos: a minha vida é só amor / e, se sou hábil no amor, / é por força da dor, / que não há melhor amante / do que aquele que muito sofreu. Fazei as vossas tarefas profissionais por Amor: fazei tudo por Amor, insisto, e vereis - precisamente porque amais, mesmo que provem a amargura da incompreensão, da injustiça, da ingratidão e até do próprio fracasso humano - as maravilhas que o vosso trabalho produz. Frutos saborosos, semente de eternidade!"..

Ernst Burkhart e Xavier vão ao pormenor, perguntando: o que significa que as actividades profanas não são "exclusivamente profanas", mas escondem "algo de divino"? Estes autores fornecem uma explicação teológica pormenorizada e profunda, tratando o assunto de forma abrangente: A quid divinumEste "algo de santo" que cabe a cada um de nós descobrir é como a marca que Deus deixou em todas as coisas ao criá-las em Cristo e para Cristo; uma marca que implica um apelo a cooperar livremente com Deus para orientar tudo para Cristo. Vejamos isto por etapas. A "coisa santa" não é apenas a presença divina da imensidade, que sustenta todas as criaturas no ser, embora S. Josemaria aluda, sem dúvida, a essa presença quando escreve que encontramos esse Deus invisível nas coisas mais visíveis e materiais. A "coisa santa" refere-se também aos desígnios de Deus sobre as actividades humanas que têm por objeto as realidades terrenas. 

No entanto, esta não é a única coisa que o quid divinummas abraça-a. Quando o cristão lida com as realidades temporais na sua atividade profissional, familiar ou social, pode descobrir, à luz da fé, "o seu destino último sobrenatural em Cristo", como diz o texto citado. Não é que haja algo de sobrenatural nas coisas, mas que o cristão pode ordenar ao fim sobrenatural (o único fim último) as actividades que têm por objeto as realidades criadas; pode descobrir que Deus o chama a colocar Cristo no exercício dessas actividades, a ordená-las ao seu Reino. Para isso, é claro, ele deve esforçar-se por realizá-las com perfeição, de acordo com as suas próprias leis. Mas isso não basta. Ele deve, em última análise, procurar a sua própria perfeição como filho de Deus em Cristo através dessas actividades: deve esforçar-se por se identificar com Cristo através do amor e das virtudes informadas pelo amor. Então, pode dizer-se que encontrou a quid divinumO "destino sobrenatural último em Cristo" que as actividades humanas têm, e ele coloca Cristo no cume da sua obra, porque o coloca no cume do seu próprio coração, que é onde Ele quer ser elevado e reinar.

Elementos desse algo divino

Temos, portanto, dois elementos do quid divinum. Uma é percetível à luz da razão e está no objeto de toda a atividade temporal: as suas próprias leis, desejadas por Deus, com o seu fim imediato. A outra pressupõe a primeira, mas só pode ser percepcionada à luz da fé, porque só a fé nos permite "ver o seu destino sobrenatural último em Jesus Cristo". 

E prosseguem: "Esse algo de santo é descoberto pelo amor que o Espírito Santo derrama nos corações. Quando isso acontece, a própria atividade que se realiza torna-se uma questão de oração, de diálogo com Deus. Um diálogo que, por vezes, pode ser feito com palavras e conceitos, tendo em conta o "algo de santo" que foi descoberto. Mas, noutras ocasiões, pode não precisar de palavras nem de conceitos: pode ser uma oração contemplativa que transcende o quid divinum. Recordemos uma vez mais as palavras de São Josemaria: "Reconhecemos Deus não só no espetáculo da natureza, mas também na experiência do nosso próprio trabalho" (Cristo passa, 48). 

Esse "algo santo", diz São Josemaria, está "escondido", como se estivesse oculto por detrás das situações comuns ou tivesse a mesma cor que elas, de modo que é preciso esforço, esforço, para o descobrir. O libras esterlinasdivino é uma oportunidade de santificação (e de apostolado) que muitas vezes não brilha aos olhos humanos. Está mesmo à nossa frente, no coração daquilo que fazemos, mas é preciso procurá-la com interesse, como se procura um tesouro. E muito mais do que um tesouro terreno, porque aqui está em causa a santidade". 

Outras explicações para a expressão quid divinum A professora Ana Marta González assinala que "isto corresponde a outro aspeto crucial da mensagem de São Josemaria: a valorização da contingência como lugar privilegiado da manifestação de Deus, precisamente porque é aí, nesse espaço de contingência, que o homem exerce e materializa a sua liberdade. Ambas as coisas estão contidas no convite de S. Josemaria a encontrar a libras esterlinas divino que está contido nos pormenores, e que cabe a cada um de nós descobrir.

Não se trata apenas de uma recomendação piedosa, mas de perceber o kairós, a oportunidade e o valor do momento presente, no qual a presença de Deus se torna material e de algum modo visível para nós: fazer bem as coisas que temos em mãos já não é apenas uma exigência ética, derivada da nossa posição na sociedade humana, mas a oportunidade concreta que nos é oferecida para corresponder ao dom de Deus e materializar a sua presença no mundo dos homens, mostrando que nem por ser ordinária deixa de ser transformadora" (Mundo e condição humana em São Josemaría Escrivá).(Mundo e condição humana em São Josemaría Escrivá. Chaves cristãs para uma filosofia das ciências sociais. Romana, n.º 65, julho-dezembro de 2017, p. 368-390).

Outra exposição pode ser encontrada no Site do Opus Dei: "Isso libras esterlinas divino o que cabe a cada um descobrir, e assim ajudar os outros a serem encorajados a descobri-lo, é simplesmente "a vontade de Deus nos pequenos e grandes pormenores da vida", ou seja, o que dá valor e sentido transcendente à vida corrente é que, nela e a partir dela, Deus diz o que espera de cada um". 

A presença de Deus para um cristão e o apelo que ele faz para colaborar com os seus projectos são duas faces da mesma moeda, inseparáveis e ligadas. E é aqui que entra o que São Josemaria assinalava quando dizia que "Deus espera por nós todos os dias". Estamos presentes a Ele e temo-lo presente para responder à sua permanente chamada. 

Mas a espera de Deus não é como a nossa espera, que pode ser estática; Deus não está a "fazer outra coisa" enquanto espera pela nossa resposta. Deus está presente na vida de cada um de uma forma dinâmica, oferece sempre amor e pede amor, dá-se a nós e pede-nos, é simultaneamente dom e tarefa. 

É o que afirma também o Catecismo da Igreja Católica quando nos ensina que "em todas as suas obras, Deus manifesta a sua benevolência, a sua bondade, a sua graça, o seu amor; mas também a sua fiabilidade, a sua constância, a sua fidelidade, a sua verdade".

Conclusões 

Tendo em conta as várias explicações, pode concluir-se que: 

Descoberta do Amor Divino: Descobrir o quid divinum implica reconhecer o amor de Deus manifestado em todos os aspectos da vida, desde as pessoas e as circunstâncias até aos esforços e dificuldades. 

Escondido no lugar-comum: Segundo São Josemaria, a "coisa santa" está "escondida" por detrás das situações comuns e exige um esforço consciente para a descobrir. Nem sempre é evidente a olho nu e requer uma procura ativa. 

Oração e diálogo com Deus: A atividade descoberta como "coisa santa" torna-se um meio de oração e de comunicação com Deus. Este diálogo pode manifestar-se através de palavras e conceitos, ou pode ser uma oração contemplativa que transcende a compreensão do libras esterlinas divino

Perspetiva pessoal: A perceção do quid divinum como expressão do amor divino é uma visão pessoal, não uma verdade de fé universalmente estabelecida. 

Inspiração mútua: Ao descobrir o "quid divinum", a pessoa não só encontra valor e objetivo na sua própria vida, como também pode motivar os outros a procurarem o mesmo. 

A vontade de Deus: quid divinum representa a vontade de Deus manifestada tanto nos pequenos como nos grandes aspectos da vida, dando à existência quotidiana um valor e um significado transcendentes.

O autorJavier Rodríguez Balsa

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