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A riqueza do Missal Romano: os domingos da Quaresma (IV)

No Domingo da Alegria, o quarto Domingo desta Quaresma, a oração de recolha e a liturgia convidam-nos a aproximar-nos do mistério redentor de Cristo.

Carlos Guillén-18 de Março de 2023-Tempo de leitura: 3 acta
Quaresma do Missal Romano

No quarto Domingo da Quaresma a liturgia ajuda-nos a contemplar o mistério e a alegria da redenção (Unsplash / Josh Applegate)

Ao atravessarmos a metade da Quaresma, chegamos ao domingo chamado Laetare pelas primeiras palavras da antífona de entrada: "Regozijar, Jerusalém...!". Surpreendentemente, a Colecta deste domingo não tem nenhuma referência directa à alegria própria deste domingo.

Ó Deus, que por meio da Vossa Palavra fazeis a reconciliação da raça humana de uma forma maravilhosa, concedei que o povo cristão se apresse com alegria e diligente dedicação a celebrar as próximas festas da Páscoa.Deus, qui per Verbum tuum humáni géneris reconciliatiónem mirabíliter operáris, praesta, quaésumus, ut pópulus christiánus prompta devotióne et álacri fide ad ventúra sollémnia váleat festináre.

Antes de aprofundar o seu conteúdo, é de notar que este novo texto para o Missal de Paulo VI foi composto com base numa oração do sacramentado. Gelasianum Vetus e a um sermão quaresmal do Papa S. Leão o Grande (+461). 

Do espanto à alegria

A estrutura desta frase consiste na mais curta invocação possível -Deus-seguido por uma interessante cláusula de anamnese e uma única petição. A parte mais teologicamente significativa é esta recordação da forma maravilhosa como o Pai realiza a reconciliação da raça humana através da sua Palavra. Esta é a chave em torno da qual gira não só o texto da Coleta, mas toda a liturgia, uma vez que a reconciliação da humanidade através da Palavra feita homem é o centro da nossa fé. 

Note-se a bela forma como a Igreja transforma a doutrina em contemplação com uma única palavra: mirabilitro. Oração litúrgica (lex orandi) propõe-nos a verdade em que devemos acreditar (lex credendi), mas também nos ajuda a desejá-lo, despertando a nossa maravilha. A atenção está fixada nesta forma invulgar, tão característica da obra de Deus, a única capaz de fazer coisas verdadeiramente "admiráveis". O uso deste advérbio projecta-nos ao Domingo de Páscoa, onde a admiração atingirá o seu clímax na Proclamação Pascal: "Que espantoso benefício do teu amor por nós! Que ternura e caridade incomparáveis! Para redimir o escravo, deste o Filho! necessário foi o pecado de Adão, que foi apagado pela morte de Cristo. Feliz a culpa que merecia tal Redentor!".

Encontremos aqui o fundamento mais forte da nossa alegria como cristãos, neste espanto pelo amor de Deus Trindade pela humanidade, que leva a Igreja a convidar os seus filhos a regozijarem-se, a regozijarem-se e a exultarem de alegria. É oportuno citar um dos primeiros textos do pontificado de Francisco: "A alegria do Evangelho enche o coração e toda a vida daqueles que encontram Jesus. Aqueles que se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, a alegria nasce e renasce sempre".

Da alegria à pressa

Não se trata de recordar acontecimentos espantosos do passado, que já não nos afectam. O presente indicativo do verbo operaris salienta que a reconciliação continua a ter lugar hoje, especialmente através da acção do Espírito Santo na celebração litúrgica; é algo que nos afecta existencialmente. Desta convicção nasce o que então pedimos a Deus: que o seu povo seja capaz de apressar (festinare) a fim de chegar a estas próximas solenidades com um compromisso pronto, disposto e preparado (prompta devotione) e uma fé animada, activa e espirituosa (alacri fide).

A colecção para o quarto Domingo da Quaresma transmite-nos este movimento, recorda-nos que estamos em peregrinação. Lembra-nos, por exemplo, a marcha alegre e apressada de Nossa Senhora (cum festinatione) quando foi visitar Isabel, quando ouviu do anjo que a sua prima estava no sexto mês de gravidez (cf. Lc 1,39); e também na firme determinação com que Jesus subiu a Jerusalém com os seus discípulos, quando a sua Paixão se aproximava (cf. Lc 9,51; 12,50; 13,33).

O espanto e a alegria colocam o povo de Deus no caminho. Para estar no caminho e chegar ao fim, é necessário pedir fé, fé com obras, e também estar disposto a carregar generosamente a sua cruz na busca do Mestre. A recompensa será entrar no seu Reino, na alegria, na Vida. São Josemaría disse que "o amor autêntico traz consigo a alegria: uma alegria que tem as suas raízes na forma da Cruz" (Forja, n. 28). A penitência de um cristão é alegre, não porque não lhe custe, mas porque vive alegremente em Cristo, mesmo quando se identifica com Ele carregando a Cruz. E no horizonte da sua viagem, que ele viaja com pressa, fé alegre e dedicação diligente, está o banquete que nunca terminará.

O autorCarlos Guillén

Sacerdote do Peru. Liturgista.

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