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A riqueza do Missal Romano: os domingos da Quaresma (II)

Continuamos a mergulhar no Missal Romano para mergulharmos na riqueza da Quaresma. Desta vez, olhamos para a passagem da Transfiguração.

Carlos Guillén-3 de Março de 2023-Tempo de leitura: 3 acta
Missal quaresmal

O Missal ajuda-nos a entrar na passagem da Transfiguração do Senhor (Unsplash / Konrad Hofmann)

A Colecta para o Segundo Domingo da Quaresma é um texto composto recentemente. Não se inspira na tradição romana, mas em fontes litúrgicas de outras tradições ocidentais, tais como as antigas tradições espanholas e francesas; mas acima de tudo é inspirada pela Evangelho que durante séculos esteve ligada a este dia: a Transfiguração do Senhor (Mt 17,1-9 e paralelos). Há que reconhecer que, em geral, não é comum haver uma relação tão estreita entre orações e leituras na Missa dominical. 

Ó Deus, ordenastes-nos que ouvíssemos o vosso Filho amado,alimente o nosso espírito com a sua palavra;para que, com um olhar limpo,Contemplemos alegremente a glória do vosso rosto.Deus, qui nobis diléctum Fílium tuum audíre praecepísti,verbo tuo intérius nos páscere dignéris,ut, spiritáli purificáto intúitu,glóriae tuae laetémur aspéctu.

A necessidade de fazer uma pausa

À primeira vista pode parecer que esta oração não está em sintonia com a ideia que geralmente temos da Quaresma, que está mais ligada ao tema da conversão e da penitência. Mas o que a Igreja quer é fortalecer a nossa fé para que vivamos a Quaresma da forma correcta, tal como Jesus fez com os seus apóstolos naquela última subida a Jerusalém antes da sua Paixão. Esta colecção ajuda-nos a rezar o mistério da Transfiguração. 

Segue uma estrutura muito clássica. Em primeiro lugar, uma simples invocação a Deus Pai. Depois, a anamnese, que transmite uma referência às palavras do Pai sobre o Filho: "Este é o meu Filho, o Amado, em quem me agrada; escutai-o". Finalmente, duas petições através das quais o padre recolhe as orações de toda a assembleia.

Antes de falarmos sobre o que pedimos a Deus, parece necessário determo-nos no que Deus nos pede: ouvir o seu Filho. A conversão só será possível se ouvirmos Jesus. As obras de penitência só farão sentido se servirem para nos tornar mais livres para ouvirmos Jesus. Não há sentido em práticas que são fechadas em si mesmas, feitas em nome do cumprimento, ou que nos fazem fechar-nos em auto-indulgência espiritual, com o consequente perigo do "Pelagianismo" de que o Papa Francisco nos adverte.

A liturgia iminente da Palavra é o momento privilegiado para ouvir a Deus, porque através da proclamação das leituras, Deus fala ao seu povo e Cristo proclama o seu Evangelho a ele. Pela sua parte, o povo reunido acolhe e faz sua a Palavra de Deus através do seu canto, das suas aclamações e também do seu silêncio meditativo.

Preparar para a glória

Esta colecção está directamente relacionada com o Evangelho e toda a liturgia da Palavra. Isto torna-se mais evidente quando examinamos a primeira petição: que Deus possa dignar-se a alimentar-nos interiormente com a sua palavra. Recordamos então que, através da Santa MissaDeus alimenta o seu povo na mesa dupla da Palavra e do Pão eucarístico. O Bom Pastor dá-nos bom pasto como alimento, instruindo-nos, ensinando-nos, "pois o homem não vive só de pão, mas de cada palavra que sai da boca de Deus". Ele até nos dá a Si mesmo como alimento. Este será o nosso sustento durante o jejum e abstinência quaresmal. 

A Palavra de Deus tem um carácter performativa. Ele explicou Bento XVI na exortação apostólica Verbum Domini: "Na história da salvação não há separação entre o que Deus diz e o que Ele faz; a sua própria Palavra manifesta-se como viva e eficaz". Portanto, é a sua Palavra, ao entrar em nós, que nos conduzirá a uma perspectiva espiritual purificada (spiritali purificato intuitu). Isto é o que a Quaresma pretende alcançar.

Aqui a nossa conversão é expressa em termos do olhar interior da alma porque é posta em relação imediata não tanto com o que deixamos para trás (pecado) mas com o que queremos alcançar: ser recordados (laetemur) com o semblante, com a aparência sensata, com a presença à nossa frente (aspectu) de glória divina. O que Pedro, Tiago e João foram capazes de fazer por um momento no Tabor, e o que eles já desfrutam eternamente no Céu. Assim, é-nos dito que viver a Quaresma é reviver misticamente o acontecimento do Tabor, é preparar-nos para a glória do Céu, permitindo-nos ser nutridos e purificados por Deus aqui na terra.

O autorCarlos Guillén

Sacerdote do Peru. Liturgista.

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