Os ensinamentos do Papa

Sobre o significado e o valor da velhice

Em Agosto o Papa concluiu as suas dezoito catequeses sobre a velhice, iniciadas a 23 de Fevereiro último, após a catequese sobre São José. Francisco oferece-nos lições de humanidade e antropologia cristã. 

Ramiro Pellitero-9 de Setembro de 2022-Tempo de leitura: 8 acta
velhice

Nestas catequeses, o Papa apresenta a velhice como um dom a ser protegido e educado, para que saibamos acolhê-la e cuidar dela, para que a missão humana e cristã dos idosos possa resplandecer.

A velhice como um presente e uma bênção

Começou por colocar a velhice no quadro unitário das idades protagonistas da vida. Hoje em dia, os idosos são mais numerosos do que noutras épocas da história e, ao mesmo tempo, têm estado em maior risco de serem descartados desde o século passado: "A exaltação da juventude como a única idade digna de encarnar o ideal humano, combinada com o desprezo pela velhice vista como fragilidade, degradação ou invalidez, foi a marca dominante do totalitarismo do século XX". (Audiência Geral, 23-II-2022). Hoje em dia, na cultura dominante, os idosos são subvalorizados na sua qualidade espiritual, no seu sentido de comunidade, na sua maturidade e sabedoria. E isto, aos olhos do Papa, envolve um "o vazio de pensamento, imaginação, criatividade".

"Com estas catequeses sobre a velhice". -declarou ela... "Gostaria de encorajar todos a investir pensamentos e afectos nos dons que ela traz consigo e para as outras idades da vida". (ibid.) Os idosos são como as raízes da árvore: o sumo, se este "gotejamento" - por assim dizer - não vier das raízes, não haverá flores nem frutos (cf. ibid.).

Oportunidade de tornar o mundo mais humano

A Bíblia mostra que a maturação humana e a sua qualidade espiritual requer um longo tempo de iniciação, de apoio entre gerações, de transmissão de experiências, como uma longa "fermentação", de um diálogo entre avós e filhos, marcando os extremos das idades. Mas "a cidade moderna tende a ser hostil aos idosos (e não coincidentemente também às crianças)". (Audiência Geral, 2-III-2022). Portanto, sem diálogo intergeracional, temos "uma sociedade estéril, sem futuro, uma sociedade que não olha para o horizonte, mas que olha para si própria". (ibidem).

A velhice, diz Francis, pode salvar o mundo, porque vem antes do dia da destruição. Recordar a história de Noé e a inundação, e as considerações de Jesus (cf. Lc 17, 26-27). Isto pode acontecer-nos sem sermos salvos por robôs. Jesus adverte que se nos preocuparmos apenas com comer e beber, e não com as questões fundamentais das nossas vidas - qualidade espiritual, cuidado com o lar comum, justiça e amor - podemos habituar-nos à corrupção. 

É por isso que Francisco diz aos idosos: "Tem a responsabilidade de denunciar a corrupção humana em que vivemos e em que este modo de vida relativista continua, totalmente relativo, como se tudo fosse lícito. Vá em frente. O mundo precisa, precisa de jovens fortes, que vão em frente, e de velhos sábios". (ibidem). 

"Memória" e "testemunho" de fidelidade vivida 

O Papa também olha para o chamado "Cântico de Moisés", que é como o testamento espiritual daquele que foi o guia do Povo Eleito (cf. Dt 32 ss.). Uma bela confissão de fé, que transmite, como uma herança preciosa, a memória da fidelidade de Deus ao seu povo. Os nossos anciãos também podem alcançar essa lucidez, essa sabedoria que vem de anos bem passados, e portanto essa capacidade de transmitir ("tradição") o significado da história que passou. 

"Na nossa cultura -Francisco observa, "Assim 'politicamente correcto', este caminho é dificultado de várias maneiras: na família, na sociedade e na própria comunidade cristã. Alguns propõem mesmo a abolição do ensino da história, como informação supérflua sobre mundos que já não são relevantes, o que retira recursos ao conhecimento do presente. Como se tivéssemos nascido ontem! (Audiência Geral, 23-III-2022)

É por esta razão que o Papa aponta: "Seria bom que os planos de catequese incluíssem também desde o início o hábito de ouvir a experiência vivida pelos idosos".Assim eles entram na "terra prometida" (a vida de fé) que Deus prepara para cada geração.

Proteger os idosos, educar para o cuidado dos idosos

Francisco diz que cabe à sociedade educar todos para honrar os idosos (cf. Audiência Geral 20-IV-2022). A Bíblia condensa este dever quando ordena "honrar pai e mãe", sugerindo uma interpretação mais ampla. Mas falhamos frequentemente neste dever. "Falta honra quando o excesso de confiança, em vez de se manifestar como doçura e afecto, ternura e respeito, se torna rudeza e prevaricação. Quando a fraqueza é censurada, e mesmo punida, como se fosse uma falha. Quando a perplexidade e a confusão se tornam uma ocasião de escárnio e de agressão". (ibidem).

Isto, adverte o sucessor de Peter, abre o caminho para excessos inimagináveis na sociedade. 

A ponte entre os jovens e os velhos

O Papa insistiu que o "pacto entre gerações" fosse fomentado, a fim de abrir o futuro (cf. Audiência Geral, 27 de Abril de 2022). Baseia-se no livro de Rute, que vê como complementar ao Cântico dos Cânticos para explicar o valor do amor nupcial, na medida em que celebra o poder, a poesia e a força do amor, que pode ser encontrado nos laços de família e parentesco.

Tomando a sua deixa de outra história bíblica, a do velho Eleazar (cf. 2 M, 18 ss.), Francisco explica como a fidelidade da velhice mostra a "honra" que devemos à fé, e que lhe damos quando a vivemos até ao fim, mesmo quando temos de ir contra a maré (cf. Audiência Geral, 4 de Maio de 2022). 

Opondo-se à posição gnóstica (uma fé puramente teórica e espiritualista, que não é "manchada" pela vida e não tem influência na sociedade), Francisco declara que "A prática da fé não é o símbolo da nossa fraqueza, mas o sinal da sua força. (ibid.).

E assim: "Demonstraremos, com toda a humildade e firmeza, precisamente na nossa velhice, que acreditar não é algo 'para os idosos', mas algo vital. Acredite no Espírito Santo, que faz todas as coisas novas, e ele terá todo o gosto em ajudar-nos".. A fé viva é a herança da velhice. 

A generosidade dos idosos é o fruto e a garantia de uma juventude admirável.

Da figura bíblica de Judith - heroína que salva o seu povo pela força e coragem do seu amor - Francisco tira outras lições importantes (cf. Audiência Geral, 11 de Maio de 2022).

"As crianças pequenas aprendem o poder da ternura e o respeito pela fragilidade: lições insubstituíveis, que são mais fáceis de transmitir e receber com os avós. Os avós, por seu lado, aprendem que a ternura e a fragilidade não são apenas sinais de decadência: para os jovens, são passagens que tornam o futuro humano. 

O livro de Job ensina que a velhice pode superar provações - pandemias, doenças, guerras - com fé, e assim abrir a esperança para todos (cf. Audiência Geral, "O Livro de Job")., 18-V-2022). Perante as graves provações que Deus permite, e o aparente "silêncio" de Deus, Jó não se retrai e manifesta a sua fé: "Sei que o meu redentor vive, e que finalmente se levantará do pó: depois de me arrancar a pele, e a minha carne desaparecer, verei Deus. Eu próprio o verei, e nenhum outro; os meus próprios olhos o verão". (19, 25-27).

Amor à justiça, à oração e ao "magistério da fragilidade".

O Papa volta-se também para o livro de Eclesiastes ou Eclesiastes. Ensina como superar o desencanto que vem com a velhice ("tudo é vaidade".), com paixão pela justiça; e isto é um sinal de fé, esperança e amor (cfr. Audiência Geral, 25-V-2022). Em vez de cinismo e tibieza (acedia), que combinam conhecimento e irresponsabilidade, uma velhice bem sucedida torna-se um antídoto para o desapontamento, cepticismo e desânimo paralisante. 

Isto requer oração. Tomando a sua deixa do Salmo 71, Francisco aponta algumas características da oração na velhice. "Todos somos tentados a esconder a nossa vulnerabilidade, a esconder a nossa doença, a nossa idade e a nossa velhice, porque tememos que sejam o prelúdio da nossa perda de dignidade. (Audiência Geral, 1-VI-2022).

O ancião redescobre a oração e testemunha o seu poder. "Os idosos, pela sua fraqueza, podem ensinar aos que estão noutras idades da vida que todos nós precisamos de nos abandonar ao Senhor, para invocar a sua ajuda. Nesse sentido, todos precisamos de aprender com a velhice: sim, há um dom em ser velho entendido como abandonar-se aos cuidados dos outros, a começar pelo próprio Deus". (Ibid).

Isto dá origem a um "magistério da fragilidadenão esconder as fraquezas da velhice é uma lição dos idosos para todos nós. 

A missão humana e cristã das pessoas idosas 

No Evangelho de João, Nicodemos pergunta a Jesus: "Como se pode nascer velho?" (Jo 3:4). E Jesus explica-lhe que a velhice é uma oportunidade para renascer espiritualmente e para trazer uma mensagem de futuro, misericórdia e sabedoria (cf. Audiência Geral, 8-VI-2022).

Hoje, diz o Papa, "A velhice é uma época especial para dissolver o futuro da ilusão tecnocrática da sobrevivência biológica e robótica, mas sobretudo porque se abre à ternura do ventre criativo e generativo de Deus". (ibid.). 

E assim ele ensina: "Os velhos são os mensageiros do futuro, os velhos são os mensageiros da ternura, os velhos são os mensageiros da sabedoria de uma vida vivida". (ibid.).

Escola de aceitação e serviço

A partir da história da cura da sogra de Simão (cf. Mc 1:29-31), Francisco considera: "Quando se é velho, já não se é responsável pelo seu corpo. Tens de aprender a aceitar os teus próprios limites, o que já não podes fazer". (cfr. Audiência Geral 15-VI-2022: "Agora também tenho de ir com uma bengala".). 

A sogra de Peter "Levantou-se e começou a servi-los". Diz o Papa: "Os anciãos que preservam a disposição para a cura, consolação, intercessão pelos seus irmãos e irmãs - sejam eles discípulos, centuriões, pessoas perturbadas por espíritos maus, pessoas descartadas... - são talvez o mais alto testemunho da pureza dessa gratidão que acompanha a fé".. Tudo isto, observa ela, não é exclusivo das mulheres. Mas as mulheres podem ensinar aos homens a gratidão e a ternura da fé, o que por vezes é mais difícil para elas compreenderem.

No diálogo entre Jesus ressuscitado e Pedro no final do Evangelho de João (21,15-23, cf. Audiência Geral 22-VI-2022), Francisco também encontra a base para os seus conselhos aos idosos: 

"Deve ser uma testemunha de Jesus mesmo na fraqueza, na doença e na morte".. Além disso, o Senhor fala-nos sempre de acordo com a nossa idade. E os nossos seguidores devem aprender a deixar-se instruir e moldar pela nossa própria fragilidade, pela nossa impotência, pela nossa dependência dos outros, mesmo na nossa roupa, na nossa marcha.

É a vida espiritual que nos dá essa força e sabedoria para saber dizer adeus com um sorriso: "Uma despedida alegre: vivi a minha vida, mantive a minha fé".

Cabe aos outros, especialmente aos jovens, ajudar os idosos a viver e expressar esta sabedoria, e saber como recebê-la. 

Tempo para dar testemunho da vida que já não morre

Na mesma linha, perto do final da catequese, o Papa convida-nos a reler a despedida de Jesus (cf. Jo 14): "Quando eu tiver partido e preparado um lugar para vós, virei novamente e receber-vos-ei a mim mesmo, para que onde eu estiver, aí também possais estar. (14, 3). 

Afirma o sucessor de Peter: "O tempo da vida na terra é a graça dessa passagem. A presunção de parar o tempo - querer a juventude eterna, bem-estar ilimitado, poder absoluto - não só é impossível como é ilusório". (cf. Audiência Geral, 10-VIII-2022). 

Aqui abaixo, a vida é iniciação, imperfeição no caminho para uma vida mais plena. E Francisco aproveita a oportunidade para dizer que, na nossa pregação, onde a bem-aventurança, a luz e o amor abundam, "talvez lhe falte um pouco de vida".

Em ligação com isto é a catequese original do Papa sobre a "velhote de cabelo branco" que aparece no livro de Daniel (7, 9; cf. Audiência Geral, 17-VIII-2022). É assim que Deus o Pai é normalmente representado. Mas isto - observa Francis "não é um símbolo idiota". que deve ser desmistificada. É um símbolo de uma existência eterna, da eternidade de Deus, sempre velha e sempre nova, com a sua força e a sua proximidade; "porque Deus surpreende-nos sempre com a sua novidade, Ele vem sempre ao nosso encontro, todos os dias de uma forma especial, para esse momento, para nós".

Francisco encerrou a sua catequese sobre a velhice ao contemplar o mistério da Assunção da Virgem Maria (cf. Audiência Geral, 24-VIII-2022). No Ocidente", recordou, "contemplamo-la elevada, envolta numa luz gloriosa; no Oriente é representada deitada, adormecida, rodeada pelos Apóstolos em oração, enquanto o Ressuscitado a carrega nas suas mãos como uma criança. O Papa assinala que a ligação da Assunção de Nossa Senhora com a Ressurreição do Senhor, à qual a nossa própria está ligada, deve ser realçada. 

Maria precede-nos na sua assunção para o céu, também como figura da Igreja, que será no final: a extensão do corpo ressuscitado de Cristo, feito família. Jesus fala disto - da vida plena que nos espera no Reino dos céus - com várias imagens: a festa de casamento, a festa com os amigos, a rica colheita, o fruto que vem, não sem dor. 

De tudo isto e para o bem dos outros", propôs Francisco, incluindo-se ele próprio no grupo, "nós, os mais velhos, devemos ser a semente, a luz e também a preocupação daquela plenitude de vida que nos espera.

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