Os ensinamentos do Papa

Confiança e cuidado

Durante o mês de outubro, a Assembleia Sinodal teve lugar em Roma, a fim de "Voltar a colocar Deus no centro do nosso olhar".. Para além disso, o Papa publicou as exortações apostólicas Laudato Deumsobre os cuidados a ter com a nossa casa comum, e C'est la confiancesobre Santa Teresa do Menino Jesus.

Ramiro Pellitero-4 de novembro de 2023-Tempo de leitura: 9 acta

Para os momentos de crise, os cristãos recorrem à fé, que tem a ver com confiança; e isso significa que, tal como Jesus, devemos cuidar dos outros e do mundo que nos rodeia. 

Com esta proposta, Francisco está em plena continuidade com os inícios do seu pontificado, a caminho do seu décimo primeiro aniversário. Nessa altura (13 de maio de 2013), traçou o seu programa à sombra de São José, cuja missão, fruto da sua fé, não era outra senão a de guardar os dons de Deus e servir o seu amoroso desígnio de salvação. 

Nas últimas semanas, após a sua viagem a Marselha, o Papa inaugurou, a 4 de outubro, os trabalhos da Assembleia Sinodal sobre a Sinodalidade na sua primeira fase. No mesmo dia, foi publicada a exortação apostólica Laudato Deum sobre a crise climática. Em meados do mês, assinou a exortação apostólica É a confiança, no 150º aniversário do nascimento de Santa Teresa do Menino Jesus. 

Marselha: o "estremecimento" da fé vivida 

O Papa deslocou-se a Marselha para participar na celebração do Encontros mediterrânicosA Comissão Europeia lançou a iniciativa "Migração para um mundo mais humano, onde a esperança e a fraternidade tenham lugar", na qual os bispos e os presidentes de câmara da região estão a liderar um processo para promover um mundo mais humano, onde a esperança e a fraternidade tenham lugar. Em segundo plano está a complexa questão dos migrantes que chegam - ou morrem - por exemplo, através do Mediterrâneo. 

A viagem terminou no estádio Velódromocom o Missa onde defendeu que "precisamos de um estremecimento". como a de João Batista no seio de sua mãe Isabel, quando recebeu a visita de Maria que trazia o Messias. 

"Isto O "estremecimento", indicou o sucessor de Pedro, "é o oposto de um coração aborrecido, frio, acomodado numa vida tranquila, que se escuda na indiferença e se torna impermeável, que endurece, insensível a tudo e a todos, mesmo ao trágico descarte da vida humana, que hoje é rejeitada em tantas pessoas que emigram, assim como em tantas crianças por nascer e em tantos idosos abandonados". (homilia 23-IX-2023). Um resumo da mensagem do Papa em Marselha poderia ser: devemos escolher a fraternidade em vez da indiferença. 

O Sínodo a partir de um lugar de confiança

As duas intervenções do Papa (uma homilia e um discurso no início da Assembleia Sinodal de outubro) deram o mote para os trabalhos dessas semanas. 

A homilia de 4 de outubro começou por contemplar a oração de Jesus ao Pai: "Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos prudentes e as revelaste aos pequeninos". (Mt 11,25). Esta oração representa o olhar de Jesus no meio das dificuldades que encontra (contradições, acusações, perseguições). 

Vive uma verdadeira "desolação pastoral", mas não desanima: "No momento da desolação, portanto, Jesus tem um olhar que vai além: ele louva a sabedoria do Pai e é capaz de discernir o bem escondido que cresce, a semente da Palavra acolhida pelos simples, a luz do Reino de Deus que abre caminho mesmo na noite". 

Participar no olhar de Jesus 

A partir desta visão de Jesus, e com referências a São João XXIII (cfr.. Alocução no início do Concílio Vaticano II, 11-X-1962) e Bento XVI (cfr.. Meditação no início do Sínodo sobre a nova evangelização, 8 de outubro de 2012), Francisco declara: "Esta é a principal tarefa do Sínodo: voltar a colocar Deus no centro do nosso olhar, ser uma Igreja que vê a humanidade com misericórdia". E tudo isto sob o impulso do Espírito Santo. 

Só assim, acrescenta, poderemos ser, como propôs S. Paulo VI, uma Igreja que "realiza-se um colóquio". (encíclico Ecclesiam suam, n. 34), "que não impõe fardos, mas um jugo suave". (Mt 11,30). 

Em terceiro lugar, esse olhar de Jesus, que abençoa e acolhe, e que queremos tornar nosso, "Evita que caiamos em tentações perigosas".. Três tentações que Francisco aponta: a rigidez, a tibieza e o cansaço.. Perante eles, o olhar de Jesus dirige-se a nós "humilde, vigoroso e alegre", A Igreja é capaz no meio de divisões e conflitos fora e dentro da Igreja, que devem ser "reparados" e "purificados", como fez São Francisco de Assis. Não em si mesma, claro, que é santa e intocável pelo seu lado divino, mas em nós. "Porque todos nós somos um Povo de pecadores perdoados - pecadores e perdoados - sempre necessitados de regressar à fonte, que é Jesus, e de nos pormos de novo a caminho pelos caminhos do Espírito, para que o seu Evangelho chegue a todos". 

O Espírito Santo, protagonista da harmonia

No seu discurso do mesmo dia, 4 de outubro, Francisco começou por recordar as razões que o levaram a escolher o tema da sinodalidade para este Sínodo (que não é fácil). Era um dos temas que os bispos do mundo inteiro queriam, juntamente com os padres e a questão social. 

Depois de ter recordado, como tantas vezes nos últimos meses, o que "não é" um sínodo (nem um parlamento, nem uma reunião de amigos), sublinhou um tema que lhe é muito caro: no Sínodo há um protagonista principal, que não é nenhum de nós, o Espírito Santo. 

"Não esqueçamos, irmãos e irmãs, que o protagonista do Sínodo não somos nós: é o Espírito Santo. E se o Espírito estiver entre nós para nos guiar, será um bom Sínodo. Se entre nós houver outras formas de avançar por causa de interesses humanos, pessoais ou ideológicos, não será um Sínodo, será uma reunião mais parlamentar, que é outra coisa. O Sínodo é um caminho feito pelo Espírito Santo".

Ele une-nos na harmonia, a harmonia de todas as diferenças. Se não há harmonia, não há Espírito: é Ele que a faz".

O Espírito Santo é como uma mãe que guia e consola; como o estalajadeiro a quem o bom samaritano confiou o homem espancado na estrada (cf. Lc 10, 25-37). O discernimento sinodal consiste precisamente em aprender a escutar as diferentes vozes do Espírito. Rejeitar as tentações da crítica "debaixo da mesa". e o mundanismo espiritual. Dar prioridade a não falar, mas a ouvir. Escuta nesta "pausa" que toda a Igreja faz durante este mês, como um sábado santo, para escutar o que o Espírito Santo quer que vejamos. 

Laudato Deumsobre a crise climática

A confiança em Deus, própria da fé (daí o termo "fiel" = aquele que tem confiança), dá-nos também a capacidade de confiar naqueles que nos rodeiam. E leva-nos a cuidar do que pertence ao bem comum, a começar pela dignidade humana e pelo cuidado da terra para todos. 

A exortação Laudato Deum (LD) é uma continuação da encíclica Laudato si' (LS) sobre os cuidados a ter com a nossa casa comum (2015). 

Um drama moral

No contexto da Doutrina Social da Igreja, o Papa parte também aqui do olhar de espanto de Jesus perante as maravilhas da criação do seu Pai: "...".Olhai para os lírios do campo...". (Mt 6, 28-29). Agora, pelo contrário e em muitos casos, estamos perante um verdadeiro drama moral que envolve vários casos daquilo a que se chama "pecado estrutural" (cf. encíclica Sollicitudo rei socialis, 36; Catecismo da Igreja Católica, 1869).

Francisco afirma enfaticamente a existência da crise climática global (nn. 5-19), na qual as causas humanas, se não as únicas, contam muito, mesmo que isso seja por vezes negado ou posto em dúvida na opinião pública; afirma também que alguns danos e riscos serão irreversíveis durante talvez centenas de anos. E que é melhor prevenir uma catástrofe do que lamentá-la por negligência. "Nada mais nos é pedido do que alguma responsabilidade pela herança que deixaremos para trás depois de passarmos por este mundo." (n. 18). Além disso, como a pandemia de covid-19 demonstrou, tudo está ligado e ninguém se salva sozinho..

Deplora o paradigma tecnocrático que continua a avançar por detrás da degradação do ambiente. É uma forma de pensar "como se a verdade, o bem e a realidade brotassem espontaneamente do mesmo poder tecnológico e económico". (LS 105); como se tudo pudesse ser resolvido por um crescimento infinito ou ilimitado (LS 106). Por isso, é necessário repensar a nossa utilização do poder (LS 24 ss.), o seu sentido e os seus limites, sobretudo na ausência de uma ética sólida e de uma espiritualidade verdadeiramente humana. 

Ausência de uma política internacional eficaz

A partir daí, num terceiro ponto, denuncia a fraqueza da política internacional (LS 34 e seguintes) e o papel da conferências sobre o clima com os seus progressos e fracassos. As negociações não estão a avançar porque os países colocam os seus interesses nacionais à frente do bem comum global (LS 169), com tudo o que isso implica em termos de "falta de consciência e de responsabilidade". (LD 52). 

A quinta secção é dedicada às expectativas do Papa para a COP28 no Dubai (Emirados Árabes Unidos), que terá lugar de 20 de novembro a 12 de dezembro de 2023. "Temos de ultrapassar a lógica de nos apresentarmos como seres sensíveis e, ao mesmo tempo, não termos a coragem de efetuar mudanças substanciais". (LD 56). 

O sexto e último ponto do documento estabelece o ".motivações espirituais". (nn. 61 e segs.) "que brotam da própria fé", especialmente para os fiéis católicos, ao mesmo tempo que encoraja o mesmo para os outros crentes. O reconhecimento de Deus como criador, o respeito pelo mundo, a sabedoria que dele brota e a gratidão por tudo isto estão condensados na própria atitude de Jesus quando contemplava a realidade criada e convidava os seus discípulos a cultivar atitudes semelhantes (cf. n. 64). Além disso, o mundo renovar-se-á em relação a Cristo ressuscitado, que envolve todas as criaturas e as encaminha para um destino de plenitude, de modo que há mística nas mais pequenas realidades e que "o mundo canta o Amor infinito: como não cuidar dele? (n. 65).

Face ao paradigma tecnocrático, a cosmovisão judaico-cristã convida-nos a sustentar uma "antropocentrismo situado", isto é, que a vida humana seja inserida no contexto de todas as criaturas que compõem uma "família universal (LS 89, LD 68). 

A proposta do Papa aos fiéis católicos é clara: individualmente, reconciliarmo-nos com o mundo em que vivemos, embelezá-lo com o nosso próprio contributo. Ao mesmo tempo, promover políticas nacionais e internacionais adequadas. Em todo o caso, o que é importante, diz Francisco, é "Lembrem-se que não há mudança duradoura sem mudança cultural, sem um amadurecimento no modo de vida e nas convicções das sociedades, e não há mudança cultural sem mudança nas pessoas". (LD 70). E isso inclui sinais culturais importantes - que podem favorecer processos de transformação a nível social e político - a nível pessoal, familiar e comunitário: "Os esforços dos agregados familiares para poluir menos, reduzir os resíduos e consumir de forma sensata estão a criar uma nova cultura". (LD 71). Isto permitirá que se façam progressos "no caminho do cuidado mútuo"..

C'est la confianceO "segredo" de Santa Teresa: o "segredo" de Santa Teresa

A exortação C'est la confiance (abreviado como CC) sobre a confiança no Amor misericordioso de Deus, no 150º aniversário do nascimento de Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face (15-X-2023), propõe literalmente a mensagem de Santa Teresa: "A confiança, e nada mais do que a confiança, pode levar-nos ao Amor". (n. 1). Francisco acrescenta: "Com confiança, a fonte da graça transborda na nossa vida, o Evangelho faz-se carne em nós e transforma-nos em canais de misericórdia para os nossos irmãos e irmãs". (CC 2).

A "atração" de Jesus 

A primeira secção, "Jesus para os outrosO livro "A vida de Teresa" destaca duas luzes que brilham na relação de Teresa com Jesus.

Em primeiro lugar, a sua alma missionária, porque, como em todo o encontro autêntico com Cristo, a sua experiência de fé chamava-a à missão. "Teresa soube definir a sua missão com estas palavras: 'No céu, desejarei o mesmo que desejo agora na terra: amar Jesus e fazê-lo amado'". (CC 9). 

Além disso, ela compreende que Jesus, ao atraí-la para si, atrai também para si as almas que ela ama, sem tensão nem esforço. Isto acontece com base na graça do Batismo e através da ação do Espírito Santo, que, com efeito, nos liberta da auto-referencialidade., de uma santidade centrada em si mesma. 

A segunda secção, "a pequena estrada da confiança e do amor", exprime a mensagem deste grande santo, que compreendeu o que Deus pede aos "pequeninos". Uma mensagem também conhecida como "o caminho da infância espiritual. É um caminho que, como o Papa corretamente assinala, todos podem seguir, e que, devo acrescentar, encontrou outras formas e expressões em santos como Charles de Foucauld e Josemaría Escrivá. 

Para além de todo o mérito, o abandono quotidiano

E Francisco explica-o indo ao cerne teológico do seu documento: face a uma ideia pelagiana de santidade (cfr. Gaudete et exsultate47-62), "Therese sublinha sempre o primado da ação de Deus, da sua graça". (CC 17).

O que é que Jesus nos pede? Ele não nos pede grandes acções, mas "apenas o abandono e a gratidão".. Isto não significa, pela nossa parte, admitir um certo conformismo ou quietismo, mas sim, sublinha o Papa a propósito do santo, "A sua confiança sem limites encoraja aqueles que se sentem frágeis, limitados, pecadores, a libertarem-se e a transformarem-se para chegarem ao alto". (CC 21).

Como se vê, esta confiança e este abandono não dizem respeito apenas à própria santificação e salvação, mas abrangem toda a vida, libertando-a de todo o medo: "A confiança plena, que se torna abandono no Amor, liberta-nos dos cálculos obsessivos, da preocupação constante com o futuro, dos medos que nos tiram a paz."(CC 24). É o "santo abandono".

No meio da escuridão, uma esperança mais firme

Esta confiança, mesmo no meio da mais absoluta escuridão espiritual, foi vivida por Teresa, que se identificou pessoalmente com a escuridão que Jesus quis experimentar no Calvário pelos pecadores. Ela "sente-se irmã dos ateus e senta-se, como Jesus, à mesa com os pecadores (cf. Mt 9, 10-13).. Intercede por eles, renovando continuamente o seu ato de fé, sempre em comunhão amorosa com o Senhor."(CC 26). 

O olhar sobre a misericórdia infinita de Deus, juntamente com a consciência do drama do pecado (o Papa retoma o relato da santa sobre a condenação do criminoso Henri Pranzini) constroem o trampolim a partir do qual Teresa formula a sua mensagem. 

O amor e a simplicidade no coração da Igreja 

A terceira secção da exortação formula esta mensagem de forma densa: "Eu serei o amor". Ela, observa o sucessor de Pedro, é um exemplo de como o amor a Deus é simultaneamente eclesial e muito pessoal, de coração para coração. "No coração da Igreja, minha Mãe".decidiu, "Eu serei o amor". Francisco acrescenta: "Tal descoberta do coração da Igreja é também uma grande luz para nós hoje, para não nos escandalizarmos com os limites e as fraquezas da instituição eclesiástica, marcada por obscuridades e pecados, mas para entrarmos no seu coração ardente de amor, que se acendeu no Pentecostes graças ao dom do Espírito Santo". (CC 41).

Exatamente "Assim, chegou à última síntese pessoal do Evangelho, que partia da confiança total e culminava na doação total aos outros."(CC 44). E isto exprime "o coração do Evangelho". (CC 48).

O Papa conclui salientando que "É preciso ainda retomar esta brilhante intuição de Teresa e tirar as consequências teóricas e práticas, doutrinais e pastorais, pessoais e comunitárias. É preciso ousadia e liberdade interior para o poder fazer". (CC 50). 

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