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Algumas tarefas actuais para a teologia moral

Ángel Rodríguez Luño -9 de Fevereiro de 2016-Tempo de leitura: 10 acta
Homem a saltar uma poça.

Qual é o papel da teologia moral hoje - na Igreja e no mundo? Não vou dar uma imagem completa nestas páginas para responder a esta pergunta. Gostaria apenas de me concentrar em mais algumas questões fundamentais, tendo em conta as preocupações expressas pelo Papa Francisco. Quais são as tarefas mais urgentes?

Para responder a esta pergunta, pode ser necessário perguntar primeiro em que estado se encontra o nosso mundo. Sem passar pelos vários diagnósticos que foram propostos, pode-se dizer que existe uma atitude generalizada de indiferença ou desinteresse pela verdade. Por detrás do pretexto da verdade, foi vista uma luta pelo poder (Foucault), e a busca do bem, da verdade e da beleza foi substituída por uma acção espontânea. Alguns autores descreveram a nossa sociedade como uma sociedade líquida (Bauman); outros preferem chamar-lhe uma sociedade de desempenho (Byung-Chul Han). Todos estes diagnósticos apontam para o fim da sociedade disciplinar, com base na existência de uma autoridade. Agora, por outro lado, agir tem prioridade, e não há bem ou mal que não seja o que cada indivíduo - ou a maioria - decide. Assim se cumpre a máxima de Nietzsche, para quem a salvação não se encontra no conhecimento, mas na criação. Criação de uma linguagem e, a partir dela, de uma moralidade: termos como "interrupção da gravidez", "morte digna" ou "relações de casal" configuram os contornos da nova moralidade, na qual é a vontade do homem que decide o que é bom para ele e o que não é.

Neste contexto, quando os próprios fundamentos de um discurso racional sobre o bem desapareceram, o que pode a teologia moral fazer? O que podemos esperar?

Antes de mais, é urgente lembrar que Deus existe e é um Deus activo e empenhado no mundo. Há uma declaração de Romano Guardini, escrita há setenta anos em O Crepúsculo da Idade Moderna, que parece ser verdadeira hoje em dia: "O mundo meramente profano não existe; no entanto, quando uma vontade teimosa consegue elaborar algo em certa medida semelhante a este tipo de mundo, esta construção não funciona"; o que acontece então: "Sem o elemento religioso, a vida torna-se como um motor sem lubrificante: aquece. Em cada momento algo arde" (III.5). A Sociedade Burnout é precisamente o título de um dos grupos de reflexão mais vendidos do ano passado. Em suma, uma sociedade que é contrária à verdade do homem e à sua liberdade não é satisfatória. Nem pode uma situação de cegueira ser satisfatória para os seres humanos. O Papa Francisco lembrou-nos recentemente: "Não há sistemas que anulem completamente a abertura ao bem, à verdade e à beleza, e a capacidade de reagir que Deus continua a encorajar a partir do íntimo dos corações humanos. Peço a cada pessoa neste mundo que não esqueça aquela dignidade que ninguém tem o direito de lhe tirar" (Laudato si', 205). Uma das tarefas abertas à teologia moral é, portanto, lembrar a cada pessoa a sua dignidade. Contudo, isto exige que encontrem o seu lugar na vida da Igreja - e na vida dos fiéis.

A missão da teologia moral

Na mente de muitos, a ideia da moralidade como instância autorizada - muitas vezes entendida como autoritária - que aponta o que é permitido e o que não é, o que é pecaminoso e o que não é, ainda está presente. Esta concepção tende a contrastar autoridade e liberdade, ou lei e liberdade, e a colocar a moralidade no primeiro membro destes binómios. A sua tarefa seria apenas a de apontar os limites (negativos) da acção humana.

Mas será esta uma concepção adequada da teologia moral? Talvez tal crítica pudesse - e devesse - ser feita a certas teologias morais que tinham caído no extremo de uma casuística meticulosa e dispersa e que não ofereciam uma visão orgânica e positiva da acção humana. Contudo, parece-me bastante injusto fazer agora a mesma crítica, após a renovação que teve lugar. Numerosos tratados vieram à luz nas últimas décadas que apresentam a mensagem moral de Cristo como uma proposta eminentemente positiva e orgânica. As tentativas foram variadas, como variadas foram as abordagens em que a vida cristã foi compreendida: como uma vida filial, como o seguimento de Cristo, como um passeio à luz do Amor, como uma resposta ao chamamento a ser santos, etc. Em todos estes casos, a moralidade já não é apresentada como uma lista de proibições, mas como um convite: uma proposta de vida que visa a felicidade humana, na terra e no céu.
Assim entendida, a tarefa da teologia moral é lembrar às mulheres e aos homens de hoje que Deus tem um plano para cada um de nós. Que Deus nos amou e nos chamou de forma única - desde antes da criação do mundo (cf. Ef 1,4) - para sermos felizes vivendo em plenitude a nossa própria condição humana redimida por Cristo. Tal apresentação depara-se com desafios, dos quais registo alguns abaixo.

Redescobrindo a beleza de Cristo

O Papa Francisco fez eco de uma velha acusação ao recordar aos cristãos que não podem ter habitualmente uma "cara fúnebre", que seria errado viver um "cristianismo quaresmal sem Páscoa" (Evangelii Gaudium, 6, 10). É a velha tentação do filho mais velho na parábola, que consiste em viver uma fé triste e enfadonha, e que no fundo olha com inveja para o comportamento imoral daqueles que vivem uma vida longe de Deus - ou, pelo menos, longe da Igreja. Uma fé que vê em Deus um mestre para quem se tem de trabalhar como servo, na esperança de uma recompensa justa no final. Uma fé que vê na vontade de Deus uma limitação da própria liberdade (cf. Lc 15, 25 ss.).

Face a esta tentação, uma das verdades mais certas do cristianismo destaca-se: que não somos servos, mas filhos, "e se filhos, então herdeiros; herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo" (Rm 8,17). O Papa lembra-nos constantemente que "com Jesus Cristo a alegria nasce e renasce sempre" (Evangelii Gaudium, 1), pois nele reconhecemos um Deus que nos ama incondicionalmente, que nunca se cansa de nos perdoar e acolher-nos no seu abraço paterno, e que "se sente responsável, isto é, deseja o nosso bem e quer ver-nos felizes, cheios de alegria e serenos" (Misericordiae vultus, 9).
É tarefa da teologia moral apresentar de uma forma orgânica este convite de Deus, que toca todos os aspectos da vida humana. São João Paulo II gostava de recordar aquele ensinamento do Concílio: "O mistério do homem só é esclarecido no mistério do Verbo encarnado", na medida em que Cristo "revela plenamente o homem ao próprio homem e lhe revela a sublimidade da sua vocação" (Gaudium et Spes, 22). Jesus Cristo é a Luz do mundo, que ilumina os problemas e preocupações da Humanidade. O seu mistério é para nós tanto um apelo como uma resposta, e é assim o Caminho para o Pai. Um caminho tão exigente quanto atraente. Nela o homem descobre o esplendor da verdade sobre si mesmo e sobre o que mais lhe interessa: a vida e a morte, o casamento e a amizade, o trabalho e o sofrimento.

Despertar as consciências

Com tudo o que foi dito, permanece uma questão fundamental: como despertar um sentido de Deus num mundo que parece indiferente ao sofrimento dos outros?
O testemunho dos cristãos é sem dúvida uma parte importante da resposta: "Por isto todos saberão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros" (Jo 13,35). A par disto, é necessário despertar a presença não reconhecida de Deus que está no coração de cada mulher e de cada homem. Há um desejo de Deus - que devemos ajudar a reconhecer - na busca da felicidade, da realização, do amor duradouro, como recordou a encíclica Spe Salvi.

E há também uma presença real de Deus na consciência moral. É bem conhecido o que o Beato J.H. Newman escreveu na sua Carta ao Duque de Norfolk: "A consciência é o mensageiro daquele que, tanto no mundo da natureza como no mundo da graça, através de um véu nos fala, nos instrui, e nos governa. A consciência é o primeiro dos vigários de Cristo" (n. 5). A consciência é a luz, a centelha que Deus colocou no homem para alcançar a felicidade no caminho da verdade e do bem. Num mundo centrado no indivíduo, mas ao mesmo tempo sedento de felicidade e com uma certa nostalgia do absoluto, o caminho da consciência é outro que a teologia moral é chamada a explorar.

O Papa Francisco fê-lo recentemente, com base na consciência ecológica. O problema do ambiente é moralmente relevante para o mundo contemporâneo, está na mente de todos, e nele reconhecemos um espaço de verdade e bondade. Com base na preocupação com o ambiente e na necessidade urgente de cuidados reais com a criação, o Papa aponta um complemento fundamental da ecologia ambiental: a ecologia humana. Isto implica "algo muito profundo: a necessária relação da vida dos seres humanos com a lei moral escrita na sua própria natureza, que é necessária para criar um ambiente mais digno". Bento XVI disse que existe uma 'ecologia do homem', porque 'o homem também possui uma natureza que deve respeitar e que não pode manipular à vontade'" (Laudato si', 155).

A consciência é precisamente o lugar onde esta verdade sobre si próprio e sobre o mundo, sobre o que é bom fazer e como se comportar em relação ao seu ambiente e aos outros, se manifesta a cada pessoa. "No fundo da sua consciência, o homem descobre uma lei que não se dá a si próprio, mas que deve obedecer e cuja voz ressoa, quando necessário, nos ouvidos do seu coração" (Gaudium et Spes, 16).

O grito de consciência pode ser capaz de despertar um mundo adormecido e indiferente, desde que não seja neutralizado ao concebê-lo como o reduto da subjectividade, o que na realidade não é, porque a consciência também agita. De facto, "a dignidade da consciência deriva sempre da verdade: no caso de uma consciência erecta, é uma questão de verdade objectiva, aceite pelo homem; no caso de uma consciência errónea, é uma questão do que o homem, errando, considera subjectivamente verdadeiro" (Veritatis splendor, 63).

O Caminho da Misericórdia

Nesta altura, é possível voltar ao que vimos anteriormente. De facto, a verdadeira resposta a este grito de consciência é Jesus Cristo. O mal que um homem cometeu pode ser grande, o mal no mundo pode tornar-se insuportável: o século XX testemunhou-o. No entanto, os cristãos sabem que esta não é a última palavra. Deus falou. Como São João Paulo II escreveu no seu último livro: "O limite imposto ao mal, cuja causa e vítima por acaso é o homem, é em última análise a Misericórdia Divina" (Memória e Identidade, 73).

O Papa Francisco lembra-nos agora isto com particular urgência, encorajando-nos a redescobrir o amor incondicional de Deus pelo homem a fim de o colocar na linha da frente da missão da Igreja. A misericórdia é a principal manifestação da onipotência de Deus, e deve ser também a primeira mensagem da Noiva de Cristo, tanto que, como escreve na Bula de Convocação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia: "A credibilidade da Igreja passa pelo caminho do amor misericordioso e compassivo" (n. 10).

Mas em que consiste a misericórdia, como é vivida, qual é a sua relação com a verdade e a justiça? Estas são questões que não podem ser adiadas, porque têm consequências práticas para o cuidado pastoral ordinário da Igreja. Em qualquer caso, vale a pena notar que, embora nós seres humanos possamos ter conflitos entre a misericórdia e a verdade, entre a misericórdia e a justiça, não devemos esquecer que em Deus eles são identificados. Seria um erro cair no antropomorfismo banal que assume contradições que não podem existir em Deus. No entanto, a questão permanece em aberto: na vida da Igreja, o que significa concretamente percorrer este "caminho de amor misericordioso e compassivo"? A esta pergunta, como às anteriores, a teologia moral deve dar uma resposta.

Certamente, parte dela já se encontra no apelo à rejeição da indiferença, e nas atitudes de com-paixão, abertura e acolhimento que o Papa Francisco tantas vezes tem apontado - em palavras e em inúmeros gestos. No entanto, aquele que acolhe o pecador arrependido não está no objectivo, mas no início da viagem. O modelo divino, tal como revelado na história da salvação, é diferente. Basta pensar na história do Êxodo, que a Igreja relê todos os anos durante a Quaresma: bem-vinda e perdão e depois continuar num caminho de acompanhamento. Uma e outra vez, o Senhor perdoa o seu povo, acolhe o seu desejo de renovação e recorda-lhe a sua vocação mais profunda e o caminho que o leva a viver como seus filhos amados. É a história de um Deus fiel, compassivo e misericordioso. Precisamente um dos nomes por misericórdia no Antigo Testamento, hesed, tem muito a ver com a fidelidade divina.

A mesma ideia é encontrada no Novo Testamento. Jesus acolhe os pecadores e os doentes, perdoa os seus pecados, cuida dos seus males, e depois deixa-os, como Bartimeu, segui-lo pelo caminho (cf. Mc 10,52). "Vai e não peques mais", diz ele à adúltera depois de a ter perdoado (Jo 8,11). Assim, misericórdia é acolher, e misericórdia é também acompanhar, ou seja, dar cada vez mais espaço à luz de Cristo nas almas, para ajudar as almas a "caminhar na verdade" (cf. 2 e 3Jn). Poder-se-ia dizer que o perdão é a porta de entrada para a vida renovada que Cristo oferece a cada um; o início, tantas vezes repetido na existência de uma pessoa, da vida de acordo com o Espírito que Cristo deu.

Do sentimento à atitude virtuosa

Para compreender que não há contradição entre misericórdia e verdade, seria necessário distinguir a misericórdia como mero sentimento e a misericórdia como atitude virtuosa de caridade. Na minha experiência pastoral, sempre me aconteceu que, quando me confrontava com alguém que me exprimia o seu estado de sofrimento interior, um sentimento espontâneo de compaixão e um desejo intenso de dizer ou fazer algo para aliviar a dor dos outros surgia em mim. Mas quando se quer passar desse sentimento inicial à acção que ajuda e tenta resolver o problema, é preciso aplicar a inteligência, e depois é preciso perguntar-se: quais são as causas desta triste situação, quais poderiam ser os remédios? A minha experiência de 40 anos como padre é que nunca consegui corrigir nada confiando em dados falsos ou escondendo a realidade. É como se disséssemos a uma pessoa que vem até nós com uma ferida profunda e de muito mau aspecto: "Não se preocupe, não é nada, não há necessidade de uma desinfecção dolorosa, ela cicatrizará por si só". Esta bondosa leveza é muitas vezes muito dispendiosa.

A desinfecção é por vezes irritante. É por isso que a mensagem de Cristo também é, por vezes, dispendiosa. Significa tomar decisões difíceis, e lidar com situações dolorosas. Não devemos esquecer que a vida de Jesus passa pela árvore da Cruz, que, como os Padres assinalaram, é a contraparte da árvore que deu testemunho do primeiro pecado. Assim, a misericórdia, que tem no sacrifício de Cristo a sua mais alta manifestação, é também uma porta aberta à humildade. É necessário aprender a deixar-se amar por Deus, e reconhecer que a própria existência não é apenas uma tarefa a ser realizada, mas sobretudo um presente a ser recebido.

Talvez esta seja precisamente a parte mais difícil para o mundo actual, tão marcada pela presunção superficial e auto-suficiência infantil. É algo que o Papa Francisco parece ter bem presente: "Não é fácil desenvolver esta humildade saudável e feliz sobriedade se nos tornarmos autónomos, se excluirmos Deus da nossa vida e o nosso eu tomar o seu lugar, se acreditarmos que é a nossa própria subjectividade que determina o que está certo e o que está errado" (Laudato si', 224). Encontrar a misericórdia é também deixar-se encontrar por ela; deixar-se surpreender e ser conduzido pelo mesmo que nos diz: "Vem e segue-me". Isto requer uma atitude de humildade e abertura, o que significa já não querer determinar o que é certo e o que é errado, mas sim deixar que o Bem, a Verdade e a Beleza determinem as nossas acções.

Tudo isto exige da teologia moral um esforço para propor sempre de novo o caminho do perdão e do discipulado, para que a luz de Cristo brilhe cada vez mais brilhante na consciência e na vida dos cristãos. Assim, o que começou como um encontro talvez inesperado com o abraço do Pai culminará na vida da criança que é movida apenas pelo amor.

O autorÁngel Rodríguez Luño 

Professor de Teologia Moral Fundamental
Pontifícia Universidade da Santa Cruz (Roma)

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