Falámos com Sonia Ortega, professora de Sagrada Escritura na Universidade de San Dámaso. Também dá cursos de Bíblia em paróquias e congregações religiosas. Sónia dedica a sua vida à investigação e à divulgação bíblica, mas também iniciou, com o marido e as filhas, uma missão católica na Libéria, chamada "Nas mãos de Maria". Aí oferecem cuidados de saúde e acompanhamento nas prisões; ajudam os habitantes das lixeiras e das sucatas dos guetos de Monróvia, muitos deles afectados pelo consumo de "kush", uma droga em ascensão em África; prestam também cuidados de saúde no campo de refugiados da "Voz da América", nos lares de doentes e nos orfanatos.
Como é que acabou por se tornar professor de Escrituras?
- Estudei teologia, mas nunca tive a intenção de ser professor. De facto, quando me ofereceram a oportunidade de ensinar, fugi literalmente durante um ano. Não me via nesse papel. Mas Deus é assim: leva-nos por caminhos inesperados. Finalmente, devido às necessidades da universidade, ofereceram-me para ensinar em San Dámaso e eu aceitei.
É verdade que já tinha experiência na formação de grupos nas paróquias e na vida religiosa, mas nunca me tinha imaginado à frente de uma sala de aula a ensinar a Sagrada Escritura. No entanto, quando entrei, descobri a beleza de partilhar a Palavra de Deus com outros, e fiquei.
Porque é que é importante para um cristão comum ler a Bíblia e receber formação sobre a Sagrada Escritura?
- Porque ninguém ama o que não conhece. A fé não é apenas sentimento, é também razão e conhecimento. Somos corpo, alma e espírito, e temos de responder a Deus com tudo o que somos.
Vivemos num mundo que nos pede constantemente razões para a nossa fé. E quando estudamos a Escritura, damo-nos conta de que ela ilumina todas as realidades da nossa vida. É um alargamento da mente, da alma e do coração. Enche-nos de alegria porque descobrimos que Deus fala diretamente à nossa vida.
O que é que fazemos com o Antigo Testamento para não adormecermos enquanto o lemos?
- (risos). Só pode ser compreendido a partir de Cristo. A Revelação conclui-se Nele, pelo que ler o Antigo Testamento sem essa chave é como ler o primeiro capítulo de um romance de 350 páginas e tentar tirar conclusões.
Cristo é a chave de toda a Escritura. Mas também precisamos de um guia para a compreender, e é aí que entra a Igreja. Sem uma interpretação adequada, podemos perder-nos nos pormenores e perder a mensagem central da salvação.
Por falar no Antigo Testamento... já se interessou pelo livro dos Números?
- Muito! De facto, há um lugar em Números chamado "Cades Barnéia", e todos nós, em algum momento, passamos pelo nosso próprio "Cades Barnéia". É o momento em que o povo de Israel olha para a Terra Prometida e diz a Deus: "Não era isto que eu esperava". Estavam à espera de algo fácil, mas apercebem-se de que a promessa de Deus exige esforço. E decidem não entrar.
Quantas vezes é que isto nos acontece? Deus mostra-nos um caminho, mas como não é o que imaginámos, resistimos. Esta luta entre a promessa de Deus e as nossas expectativas é real, e compreendê-la muda completamente a forma como lemos as Escrituras.
Que práticas recomenda para nos ajudar a entrar na Sagrada Escritura e a apreciá-la?
- A primeira coisa a fazer é não estudar a Bíblia sozinho. É verdade que a podemos ler pessoalmente, mas a experiência ensinou-me que a partilha da Palavra em grupo a torna muito mais rica. Ouvir como ela ressoa nos outros corações ajuda-nos a aprofundar o seu significado.
É também fundamental ter um guia adequado. Atualmente, existem muitos recursos: livros, podcasts, artigos, cursos online e presenciais... Em San Dámaso, por exemplo, temos uma formação muito acessível sobre a Sagrada Escritura, tanto presencial como online.
Na página de "Nas mãos de Maria" carrego Aulas de Bíblia acessível a toda a gente. Começámos a fazê-lo durante o confinamento e tem sido uma experiência incrível. Há cursos sobre o Génesis, S. João e outros temas fundamentais para a compreensão da Palavra.
Além disso, na Diocese de Getafe, estamos a desenvolver um programa muito bom. Temos vários vídeos e materiais de formação a preços acessíveis. A ideia é que as pessoas não só estudem individualmente, mas também se reúnam em pequenos grupos, em casa ou nas paróquias, para partilharem o que aprenderam.
Para alguém que quer começar a ler a Bíblia, o que recomendaria?
- Em primeiro lugar, não se deve começar no Génesis com a intenção de terminar no Apocalipse. A Bíblia não é um romance que se lê do princípio ao fim. São 73 livros, e cada um requer um ponto de entrada diferente.
O melhor é começar por um Evangelho, como Mateus ou Lucas. Quando o coração se ligar a Cristo, pode passar para outras partes das Escrituras.
Atualmente, existem muitas plataformas e cursos de formação, tanto nas universidades como nas paróquias. Na Diocese de Getafe, por exemplo, criámos um programa com vídeos gratuitos e materiais acessíveis, para que as pessoas possam estudar a Bíblia em comunidade.
Que impacto tem visto nas pessoas que recebem formação sobre a Sagrada Escritura?
- Tenho visto vidas transformadas. Há um crescimento impressionante do interesse pela Palavra de Deus. Vivemos num mundo com demasiadas palavras, demasiada informação, e as pessoas estão exaustas. Mas quando descobrem as Escrituras, encontram algo diferente: uma verdade que satisfaz.
Cada vez mais pessoas sentem que precisam de uma âncora, de algo sólido em que se apoiar. E a Palavra de Deus ressoa no fundo do coração de cada ser humano.
Por último, que conselho daria a quem quer aproximar-se da Bíblia?
- Que ele o coloque no centro da sua vida. Uma coisa tão simples como ler o Evangelho todos os dias e meditar sobre ele muda completamente a nossa maneira de viver. Não é preciso ser um especialista ou fazer grandes cursos. Basta deixar que a Palavra ressoe no nosso coração. Porque quando isso acontece, ela transforma.