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A riqueza do Missal Romano: os domingos da Quaresma (V)

O Missal Romano hoje encoraja-nos a pedir a graça de caminhar para Deus seguindo o exemplo amoroso de Cristo.

Carlos Guillén-24 de Março de 2023-Tempo de leitura: 3 acta
Quaresma do Missal Romano

Estamos a entrar no que anteriormente se chamava a "Temporada da Paixão", caracterizada pela cobertura de cruzes e imagens nas igrejas. Estes símbolos intensificam a nossa experiência da proximidade da Paixão do Senhor, põem-nos no caminho com Ele e chamam-nos a um maior desprendimento.

Neste contexto, a Igreja reza:

Pedimos-Te, Senhor nosso Deus, que com a Tua ajuda possamos avançar com coragem para esse mesmo amor que moveu o Teu Filho a entregar-se à morte para a salvação do mundo.Quaésumus, Dómine Deus noster,ut in illa caritáte, qua Fílius tuus díligens mundum morti se trádiditinveniámur ipsi, te opitulánte, alácriter ambulantes.

Mais uma vez estamos a lidar com uma Colecção que foi escrita para o Missal de Paulo VI, com três particularidades. A primeira é que foi inspirada por um texto do Rito Hispânico, que relê na chave da oração um verso do Carta aos EfésiosCaminhai no amor, tal como Cristo nos amou e se entregou por nós como uma oblação e uma oferta de cheiro doce perante Deus" (Ef 5,2). A segunda é a sua estrutura, na qual a petição tem precedência e na qual tanto a invocação como a anamnese são inseridas. A terceira é que é a primeira Recolha Dominical da Quaresma a fazer referência explícita à morte do Senhor.

O Filho que deu a sua vida por amor

As coleções do Missal usam frequentemente o verbo quaésumus (perguntamos nós), mas raramente como título. Ao fazê-lo hoje, a Igreja leva-nos a enfatizar a necessidade absoluta que temos de pedir o que nos falta. Da nossa pequenez, dirigimo-nos a Deus em toda a solenidade, apelando a Dómine Deus. Mas acrescentamos com confiança nosterÉ "nosso" porque Ele queria que fôssemos o Seu povo dando o primeiro passo. É "nosso" porque, ao dar o primeiro passo, queria que fôssemos o seu povo. Confiando na firmeza da vontade de Deus, temos a garantia de que Deus permanecerá fiel ao seu pacto.

A oração recorda ao Pai o imenso caridade com o qual o seu Filho nos amou e se entregou até à morte, a fim de instituir um pacto ainda mais favorável para nós. A construção do pronome pessoal mais o verbo no presente tempo indicativo em trádidit (Ele deu-se) anuncia-nos, com razão, que ninguém nos tira a vida de Jesus, mas que, movido pelo amor, Ele a dá livremente, porque foi por isso que veio ao mundo (cf. Jo 10,18; 15; 13; Mc 10,45). Fala-nos também de um facto real, histórico, que se torna sacramentalmente presente em cada celebração.

São João Paulo II ensina na encíclica Ecclesia de Eucharistia que "quando a Igreja celebra o EucaristiaNo memorial da morte e ressurreição do seu Senhor, este acontecimento central da salvação é realmente tornado presente e "a obra da nossa redenção é realizada". Este sacrifício é tão decisivo para a salvação da raça humana que Jesus Cristo só o realizou e voltou ao Pai depois de nos ter deixado os meios para participar nele, como se tivéssemos estado presentes. Deste modo, todos os fiéis podem participar nele, e assim obter frutos inesgotáveis".

Andar apaixonado

A base sobre a qual podemos elevar a nossa petição a Deus é a mais firme possível. Como diz São Paulo: "Aquele que não poupou o seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não nos dará com ele todas as coisas" (Rm 8,32). É por isso que não há hesitação em dizer que esperamos obter o que pedimos, chá opitulantContamos convosco, Senhor, para nos ajudar, contando com a ajuda da vossa graça, sem a qual nada poderíamos fazer.

A grande petição da Igreja a Deus neste domingo é que Ele nos encontre a caminhar corajosamente na mesma caridade do Seu Filho. Mais uma vez esta Colecta transmite a ideia de movimento, referindo-se aos caminhantes (ambulante) e o advérbio reaparece alacriterO carácter vivo e vivaz desta caminhada, como num crescendo à medida que a Páscoa se aproxima.

Não temos nada maior a pedir na nossa oração do que aquela virtude teológica que ultrapassa todas as outras e que mais nos identifica com Deus. Como Bento XVI escreveu na sua primeira encíclica: "Se o mundo antigo tivesse sonhado que, no fim, o verdadeiro alimento do homem - aquele pelo qual o homem vive - era o Logosa sabedoria eterna, agora isto Logos tornou-se para nós comida verdadeira, como o amor. A Eucaristia atrai-nos para o acto oblativo de Jesus. Não recebemos apenas passivamente o Logos Estamos envolvidos na dinâmica da sua autodoação".

Celebrar os mistérios sagrados ao longo da jornada quaresmal é, portanto, deixar-se envolver nesta doação; vestir-nos, por graça, com a mesma caridade de Cristo, que nos move a dar as nossas vidas por Deus e pelos outros. É na experiência concreta desta caridade que encontraremos a pedra de toque para saber como está a decorrer a nossa conversão quaresmal.

O autorCarlos Guillén

Sacerdote do Peru. Liturgista.

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