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A adoração eucarística convida-nos a "consentir em Deus", não a "sentir Deus".

A adoração eucarística é por vezes utilizada como meio para promover a pastoral juvenil, para responder a necessidades íntimas, ou para procurar efeitos milagrosos, etc. Este artigo propõe algumas coordenadas para a avaliação de práticas pastorais que, sob a aparência de um bem espiritual, podem ser inadequadas para a vivência fecunda da fé nas nossas comunidades.

Marcos Torres Fernández-11 de Junho de 2023-Tempo de leitura: 7 acta
eucaristia

Na Missa matinal de segunda-feira, 5 de Fevereiro de 2018, o Papa Francisco exortou um pequeno grupo de sacerdotes recém-nomeados, e que conselhos lhes deu o Romano Pontífice no início do seu ofício pastoral? O Papa expressou-se da seguinte forma: "Ensinem o povo a adorar em silêncio", para que "aprendam desde já o que todos nós faremos lá, quando, pela graça de Deus, chegarmos ao céu".. Um caminho, o da adoração, duro e cansativo como o do povo de Israel no deserto. "Penso muitas vezes que não ensinamos o nosso povo a adorar. Sim, ensinamo-los a rezar, a cantar, a louvar a Deus, mas como adorar...". A oração de adoração, disse o Papa, "aniquila-nos sem nos aniquilar: no aniquilamento da adoração dá-nos nobreza e grandeza".

Sem dúvida, nós que somos pastores do povo de Deus trazemos no fundo do coração o desejo de que os nossos fiéis amem cada vez mais Jesus Cristo na Eucaristia, fazendo dela o centro da vida paroquial e das nossas comunidades de fé. A adoração é também uma condição para uma correcta comunhão, como ensinava Santo Agostinho, e é uma continuação natural do mistério e da presença real de Cristo no sacramento.

Neste sentido, nós, pastores do rebanho de Cristo, devemos esforçar-nos por que a celebração seja não só bela e significativa, mas também respeitosa e conforme à verdade da fé e à disciplina da Igreja, que procura cuidar dela correctamente.

Nos últimos decénios, graças ao magistério dos últimos Papas e ao trabalho incansável de inúmeros sacerdotes anónimos, a adoração eucarística conheceu não só uma justa recuperação, mas também uma popularidade benéfica para a vida espiritual dos cristãos.

De igual modo, este desejo e fervor eucarístico nem sempre foi acompanhado do necessário discernimento, e em muitas ocasiões observaram-se erros, omissões ou mesmo abusos litúrgicos, que muitas vezes não se devem a más intenções mas a uma deficiente formação teológico-litúrgica de alguns agentes pastorais.

Este artigo gostaria de propor algumas coordenadas para avaliar possíveis práticas pastorais que, sob a aparência de um bem espiritual, podem ser inadequadas para uma verdadeira e frutuosa experiência de fé nas nossas comunidades.

Exposição do Santíssimo Sacramento

Antes de mais, é bom recordar que, graças à reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, a adoração eucarística deixou de ser uma simples prática de devoção eucarística para se tornar uma celebração litúrgica de pleno direito.

Como celebração litúrgica, implica um ritual, uma assembleia liturgicamente constituída, normas litúrgicas e orientações pastorais próprias. Por isso, o quadro de referência essencial é o "Ritual da Sagrada Comunhão e Adoração fora da Missa".

Os ministros devem celebrar a exposição do Santíssimo Sacramento de acordo com o ritual estabelecido, tal como fazem quando celebram qualquer dos outros sacramentos ou sacramentais. É verdade que o ritual actual é bastante flexível na celebração da exposição, desde que se respeitem os mínimos indicados. Referimo-nos agora a algumas práticas que se generalizaram, mas que, na sua ritualidade e significado, não estão de acordo com o que a Igreja ensina na sua liturgia e na história do dogma eucarístico.

Por um lado, é importante não quebrar o estreito vínculo litúrgico-teológico entre a exposição da Eucaristia e a sua celebração. A primeira nasce e compreende-se a partir da segunda. De facto, a Igreja entende a adoração eucarística como um prolongamento da comunhão sacramental, ou como um meio de preparação adequada para ela.

O Ritual afirma: "Permanecendo diante de Cristo [...] fomentam as disposições próprias que lhes permitem celebrar com a devida devoção o memorial do Senhor e receber frequentemente o pão que nos foi dado pelo Pai". Por isso, é importante educar os fiéis para que a adoração eucarística não venha a ser entendida como um substituto da comunhão sacramental, ou como uma forma de "comunhão" mais fácil ou mais sensível do que a comunhão sacramental.

Também por causa desta ligação entre exposição e sacrifício, a Igreja não permite a exposição do Santíssimo Sacramento fora do altar, e muito menos num lugar que não seja uma igreja. Só no caso de uma exposição prolongada é que a custódia pode ser colocada num expositor elevado, desde que esteja perto do altar.

Nem a montanha, nem a praia, nem uma casa particular, nem um jardim, nem uma carruagem, nem um barco no mar da Galileia são lugares onde podemos prestar culto digno a Deus no Sacramento, como a Igreja nos recorda constantemente nos seus documentos magisteriais, litúrgicos e canónicos após a reforma do Concílio Vaticano II. Neste sentido, também não é permitido expor o Santíssimo Sacramento sozinho, sem a presença de uma assembleia litúrgica que reze em adoração.

Por outro lado, a Igreja ensinou durante séculos que a exposição do Santíssimo Sacramento tem como único e principal objectivo a adoração pública de Cristo na Eucaristia, a confissão justa da fé na Presença Real e a reparação das ofensas que Deus possa receber, especialmente contra as próprias espécies eucarísticas.

Neste sentido, é cada vez mais necessário um profundo discernimento da autoridade eclesiástica para velar por esta finalidade cúltica (latrêutica) da celebração da exposição. É cada vez mais frequente a utilização desta celebração (exposição e adoração) como método de evangelização, como meio de congregar e promover a pastoral juvenil, como forma de responder às necessidades íntimas e afectivas de certos perfis espirituais, ou mesmo como instrumentalização quase supersticiosa, reivindicando poderes ou efeitos milagrosos do sacramento. Na adoração, a Igreja ensina-nos a confessar a verdade da fé eucarística, o abandono à vontade de Deus, o silêncio e o louvor simples. Na adoração, a tradição litúrgica convida-nos a "consentir em Deus", não a "sentir Deus".

A consideração e o reconhecimento da exposição do Santíssimo Sacramento como uma verdadeira celebração litúrgica, cujo centro é Cristo que preside à assembleia eclesial, deve ajudar-nos também a evitar manifestações rituais ou espirituais que reduzam este carácter de "corpo eclesial".

Hoje, as nossas comunidades não vivem fora da cultura individualista e emotivista do Ocidente, nem fora da influência cada vez mais forte da espiritualidade e da ritualidade dos grupos e comunidades evangélicas e pentecostais que não compreendem as realidades sacramentais.

Como nos ensina a Igreja, a presença de Cristo na Eucaristia é sacramental e substancial. Isto implica, por um lado, que a sua presença real não se dá sem o sinal sensível, que neste caso são as espécies do pão e do vinho. Qualquer enfraquecimento do sinal do pão e do vinho implica uma ocultação da verdade do sacramento, que é o próprio Cristo.

Certas celebrações que se assemelham a "espectáculos litúrgico-festivos", porque iluminam, enquadram, decoram ou transformam as espécies de pão e de vinho para gerar um impacto sensível, deturpam o modo como Cristo está presente no sacramento. Do mesmo modo, apresentar a presença de Cristo como se fosse algo mais do que substancial torna difícil que a nossa relação eucarística com Ele seja verdadeira e frutuosa. A sua presença não é corporal, porque Cristo está no céu, mas sacramental. Damos alguns exemplos.

A presença sacramental e substancial do Senhor implica que não podemos entendê-la em termos físicos, como parece ser o caso em alguns ambientes eclesiais.

Neste sentido, um fiel não recebe mais a comunhão de Deus porque consome mais pão consagrado (acidente de quantidade), nem porque o consome à maneira do sacerdote (acidente de qualidade). Da mesma forma, Deus não está mais perto de mim porque a ciboria ou a custódia é trazida para mais perto de mim, nem Deus me abençoa mais porque o padre me abençoa apenas com a custódia (acidente de lugar).

A fé da Igreja ensina-nos que o único efeito que esta prática (condenável) pode ter é o de excitar a sensibilidade subjectiva.

São costumes que não reflectem a verdadeira fé da Igreja. De facto, Cristo nas espécies eucarísticas não se move, não caminha fisicamente, nem está fisicamente à minha frente ou perto de mim. A sua presença é apenas substancial e não está sujeita a tais mudanças.

A fé ensina-nos que os acidentes (locativos, quantitativos, qualitativos) de Cristo estão no céu. Portanto, como dizemos, Cristo não "abençoa-me" mais e melhor, ou mais perto ou mais longe, movendo o ostensório, abençoando individualmente ou expondo o Senhor em qualquer lugar, como se quisesse fingir que Ele está fisicamente presente, como nas cenas evangélicas. A bênção é sobre o ministro sagrado, e a bênção é sobre a assembleia litúrgica no seu conjunto, como corpo de Cristo que é. Qualquer outra prática indicaria uma comunhão mais plena com Cristo do que a comunhão sacramental da comunhão na graça de Deus. A preocupação da Igreja por uma correcta compreensão da Presença Real leva a que estas práticas sejam expressamente proibidas por contradizerem as rubricas estabelecidas no ritual.

Celebrações através da televisão

Do mesmo modo, Cristo não está presente diante de mim, ou eu sou abençoado por Ele, se vejo uma emissão de televisão ou de Internet. O que os fiéis vêem diante de si não é o Senhor, mas apenas um ecrã, diante do qual não convém ajoelhar-se ou pensar que Ele nos abençoa.

Não há sacramento ou celebração sacramental no espectador, e há apenas uma união espiritual com a celebração que é visualizada se for em directo. Por outro lado, a única bênção à distância que existe, e que não precisa do YouTube, é a bênção "Urbi et Orbi", que é um sacramental da Igreja que se refere apenas ao ofício do Romano Pontífice. Qualquer outro tipo de bênção difundida, ainda mais se pretender ser eucarística, não é de facto uma bênção. Neste sentido, é louvável o esforço de todos os pastores da Igreja para explicar bem aos fiéis que uma transmissão litúrgica em directo não é uma participação nela, mas apenas um meio de carácter devocional para paliar a impossibilidade de assistir a ela, e para se unirem a ela mentalmente. Qualquer outra abordagem enfraqueceria os fundamentos da própria realidade sacramental, e enfraqueceria a importância e a necessidade da Comunhão para os doentes e idosos.

Procissões com o Santíssimo Sacramento

Por fim, devemos recordar que o culto eucarístico, na história da Igreja, foi tornado solene e público para confessar pública e solenemente a presença real de Cristo: ou porque esta foi posta em causa, ou porque as próprias espécies sagradas foram sacrilegamente atacadas.

Como ensina o ritual, as procissões com o Santíssimo Sacramento, especialmente as de Corpus Christi, e as bênçãos nelas previstas, destinam-se a respeitar este carácter de confissão e culto público.

Por isso, o Santíssimo Sacramento exposto não deve ser utilizado para outro fim que não seja o de manifestar a fé da Igreja na Presença Real.

O Santíssimo Sacramento na custódia, por exemplo, não pode ser utilizado para fazer cordões sanitários pandémicos, para fazer os fiéis pensarem, a partir de campanários ou mesmo de helicópteros, que Deus não os esquece, para abençoar os campos ou pedir chuva, para fazer orações dramatizadas como se Deus estivesse a falar a partir da custódia, para realizar curas físicas ou para expulsar demónios e desinfectar uma casa da presença do mal.

Qualquer abuso neste sentido, para além de não confessar correctamente a fé da doutrina eucarística, seria uma instrumentalização do Santíssimo Sacramento como talismã e remédio supersticioso, e uma falta de fé e de confiança nos sacramentais que a Igreja instituiu para estes fins específicos.

O autorMarcos Torres Fernández

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