Herdeiro de uma rica tradição profética e sapiencial, Jesus não se limitou a pregar. Era também um mestre das parábolas, contando histórias que se ligavam às pessoas e transmitiam as suas mensagens de uma forma profunda e inesquecível.
A exclamação dos seus contemporâneos: "Nunca ninguém falou como este homem" (João 7,46), resume perfeitamente a singularidade e o impacto dos ensinamentos de Jesus, imbuídos de profunda sabedoria e expressos através de parábolas incomparáveis, como a da ovelha perdida, a do Bom Samaritano e a do filho pródigo. Exemplos da sua capacidade magistral de utilizar histórias do quotidiano para transmitir mensagens morais e espirituais profundas.
Porque é que Jesus utilizou parábolas?
As razões apresentadas pelos exegetas para o uso de parábolas por Jesus são variadas, mas podemos apontar duas razões principais:
1) Revelar aos discípulos os mistérios do Reino de Deus. Uma vez que os discípulos têm uma disposição recetiva e aberta à mensagem de Jesus (Marcos 4,11; Mateus 13,11; Lucas 8,10), as parábolas ajudam-nos a compreender verdades espirituais profundas que, de outra forma, seriam demasiado complexas ou difíceis de entender (Mateus 13,11-12). Neste sentido, o uso de parábolas foi um dom de Deus e um sinal de graça para eles: "Mas bem-aventurados os vossos olhos, porque vêem, e os vossos ouvidos, porque ouvem. Porque em verdade vos digo que muitos profetas e justos desejaram ver o que vedes, e não o viram; e ouvir o que ouvis, e não o ouviram" (Mateus 13,16-17); cf. Marcos 4, 11).
2. Esconder os mistérios do reino de Deus àqueles que não crêem. Os que não acreditam têm o coração endurecido e não estão dispostos a receber a mensagem de Jesus, muito menos numa linguagem figurada que não compreendem (Marcos 4:12; Mateus 13:13-15; Lucas 8:10). De certa forma, as parábolas são também um meio de revelar a incredulidade e a dureza de coração daqueles que rejeitaram a sua mensagem.
No entanto, tentaremos mostrar que havia outras razões para Jesus usar parábolas, nomeadamente: (1) o cumprimento das profecias messiânicas e (2) a manifestação da sua natureza divina como Filho de Deus.
Jesus cumpre as profecias
Pretendemos destacar a forma como Jesus cumpre as profecias messiânicas através de parábolas.
O exemplo mais claro encontra-se no Evangelho de Mateus, que diz: "Jesus dizia tudo isto ao povo por parábolas, e sem parábolas nada lhes falava, para que se cumprisse o que foi dito pelo profeta: 'Abrirei a minha boca, falando por parábolas, e anunciarei as coisas secretas desde a fundação do mundo'" (Mateus 13,34-35).
Nesta passagem, Mateus diz que o uso que Jesus faz das parábolas cumpre a profecia de Asafe e demonstra o seu papel de profeta que revela a vontade de Deus. A profecia de Asafe, um poeta e músico do Antigo Testamento, encontra-se no Salmo 78,2. Assim, segundo Mateus, é "que eu abrirei a minha boca para os juízos, para que brotem os enigmas do passado". Esta profecia previa que o Messias ensinaria por parábolas, e Jesus cumpre-a, pois "sem parábolas nada lhes dizia".
Depois, há a profecia de Isaías: "Ele disse-me: "Vai e diz a este povo: "Por mais que ouçais, não entendereis; por mais que olheis, não compreendereis. Ele entorpece o coração deste povo, endurece-lhe a audição, cega-lhe os olhos: que os seus olhos não vejam, os seus ouvidos não ouçam, o seu coração não compreenda, que não se convertam e sejam curados" (Isaías 6,9-10). É o próprio Jesus que cita esta passagem em vários lugares (Mateus 13,13-15; Marcos 4,11-12; Lucas 8,10) precisamente para explicar porque é que falava por parábolas.
Vemos que Jesus não só segue uma tradição (profética e sapiencial) com a sua forma de pregar por parábolas, mas que também tem consciência de estar a cumprir as profecias sobre si próprio.
Deus fala por parábolas
A Bíblia ensina-nos que a linguagem que Deus usa é muitas vezes misteriosa, sublinhando o carácter parabólico do seu discurso como a forma natural da sua expressão.. A ideia de que Deus fala por parábolas está bem fundamentada na Escrituras. Vejamos alguns exemplos.
Lemos na seguinte passagem de Oséias que Deus diz de si mesmo: "Falei aos profetas, e multipliquei as visões; e por intermédio dos profetas usei de parábolas" (Oséias 12:10). Deus diz claramente que falou por meio de parábolas e visões. Embora este versículo sublinhe o uso de parábolas por parte de Deus, também sugere que Jesus, ao usar parábolas, o faz em conaturalidade com o seu estatuto de Filho de Deus. Foi isso, em parte, que chamou a atenção dos seus contemporâneos: "porque os ensinava com autoridade e não como os escribas" (Mateus 7,29); perceberam o carácter parabólico do seu discurso como a sua forma natural (divina) de expressão.
Vemos isto também em Provérbios 25:2: "A glória de Deus é ocultar um assunto; a glória dos reis é esquadrinhá-lo", onde se sugere que faz parte da natureza de Deus ocultar certas coisas, deixando aos humanos a tarefa de as descobrir e compreender através da procura e do discernimento. Isto relaciona-se diretamente com o uso das parábolas, exigindo que o ouvinte participe ativamente na procura da verdade. Não são simplesmente histórias. São veículos de significados espirituais e morais profundos que devem ser descobertos e compreendidos através da reflexão e do discernimento.
Parábolas para revelar os mistérios
O mesmo acontece em Ezequiel 17,2: "Filho do homem, propõe um enigma e conta uma parábola à casa de Israel". Nesta passagem, Ezequiel, como profeta, recebe esta instrução num contexto difícil em que Israel precisa de ser chamado ao arrependimento e à reflexão sobre as suas acções. A parábola torna-se o melhor instrumento para que a mensagem de Deus seja seriamente considerada e profundamente compreendida. Jesus emprega este mesmo método divino; e, sendo profetizado, também o está a cumprir com as suas parábolas.
Por fim, o Salmo 49,4: "Darei ouvidos ao provérbio, e porei o meu problema ao som da cítara". Este versículo reforça mais uma vez a ideia de que os provérbios e as adivinhas são uma forma de comunicação com Deus. Jesus, como Filho de Deus, utilizou parábolas de forma semelhante, revelando verdades espirituais através de histórias simples que convidavam à reflexão e à compreensão.
Estas passagens ilustram que o uso de parábolas é uma forma frequente de expressão e comunicação divinas, levando os ouvintes a procurar a verdade, a discernir e a refletir profundamente. Neste sentido, o uso de parábolas por Jesus é a melhor forma de revelar os mistérios do Reino de Deus e de manifestar o seu estatuto de Filho de Deus.
Outras profecias messiânicas cumpridas
De uma forma mais indireta, encontramos outras profecias que nos sugerem a forma como o Messias iria pregar e que Jesus também cumpre de alguma forma. Vejamos algumas delas.
Isaías 42,1-4: "Eis o meu servo, a quem sustenho, o meu escolhido, em quem me comprazo. Pus sobre ele o meu espírito; ele manifestará a justiça às nações. Não gritará, não clamará, não gritará nas ruas. Não quebrará a cana quebrada, não apagará o pavio aceso. Ele manifestará a justiça com verdade. Não vacilará nem quebrará, enquanto não estabelecer a justiça no país. Na sua lei esperam as ilhas".
Embora o texto não mencione explicitamente as parábolas, esta passagem profética descreve o carácter do servo do Senhor, o Messias. Assim, vemos que as parábolas de Jesus são apresentadas como histórias do quotidiano, numa linguagem simples e acessível: "Não gritará, não clamará, não gritará pelas ruas", e dirige-se aos de condição humilde: "Não quebrará a cana quebrada, não apagará o pavio vacilante".
Provérbios 1, 6: "para compreender provérbios e ditos, ditos de sábios e enigmas". O provérbio sugere que a compreensão da sabedoria não é imediata, mas requer um processo gradual de aprendizagem e reflexão.
Do mesmo modo, as parábolas de Jesus também podem ser vistas como uma forma de revelação gradual. Nem todas as pessoas compreendem o pleno significado das parábolas desde o início. Aqueles que estão dispostos a ouvir com atenção e a procurar sabedoria podem vir a compreender as verdades profundas que Jesus transmite através delas. Embora Provérbios 1,6 não se refira especificamente a parábolas, estabelece princípios que iluminam a forma de pregar de Jesus.
Conclusão
Podemos concluir que Jesus utilizou as parábolas no seu ensino para cumprir uma dupla função. Em primeiro lugar, para revelar os mistérios do Reino de Deus aos seus discípulos e para os esconder dos que tinham o coração endurecido. Mas também, ao fazê-lo, estava a cumprir as profecias messiânicas e, além disso, estava a revelar o seu estatuto divino de Filho de Deus.
Doutor em Direito Canónico