A segunda Carta aos Tessalonicenses contém uma declaração que à primeira vista é intrigante, mas que, de facto, aparece em toda a Escritura, expressa de várias maneiras: "Por isso Deus envia-lhes um poder sedutor, para que acreditem numa mentira, a fim de que todos os que não acreditaram na verdade, mas se entregaram à injustiça, possam ser condenados" (2Ts 2,11-12). Para o compreender, devemos contextualizá-lo e estar atentos à gramática do grego original.
As Cartas aos Tessalonicenses
Um dos temas centrais das duas Cartas aos Tessalonicenses é o da Parousia ou Segunda Vinda de Jesus Cristo - o dia do Senhor - que virá para julgar e certificar a condenação ou salvação dos homens (1 Ts 4,13 - 5,11; 2 Ts 2,1-12).
Paulo pregou pela primeira vez em Salónica à pressa, e as cartas servem para continuar o treino e para exortar e dar alívio na perseguição e dúvida. Em ambas as cartas é sublinhado que não sabemos quando será a Parousia, e são dadas referências básicas: o facto de alguns crentes já terem morrido, sem que o Senhor tenha vindo, não refuta a pregação de Paulo; o dia do Senhor ainda não chegou, embora alguns digam que chegou, porque uma série de acontecimentos deve ter lugar antecipadamente, que são brevemente mencionados.
O "pequeno apocalipse" de 2 Tessalonicenses
Alguns estudiosos chamam à passagem 2 Ts 2,1-12 um "pequeno apocalipse". De facto, os motivos e terminologia aí utilizados são os próprios do género apocalíptico (cf. 4 Esdras 13:10; Mt 24:1-51; Livro do Apocalipse). E isto deve ser tido em conta na sua interpretação: não devemos procurar correspondências nas realidades dos símbolos e imagens utilizadas; o que é descrito como iminente não deve ser transposto para um futuro distante; anúncios proféticos que só serão compreensíveis depois de terem sido realizados não devem ser traduzidos em termos históricos. 2 Tessalonicenses 2,1-12 é precedido por uma acção de graças em que se fala da perseverança dos Tessalonicenses no meio de perseguições e tribulações; isto é, diz Paulo, "um sinal do justo julgamento de Deus" (2 Tess 1,3-5), uma realidade em que ele então se detém, falando da retribuição divina que espera aqueles que aceitaram o Evangelho - a recompensa do descanso - e aqueles que o rejeitaram - castigo com castigo eterno (2 Tess 1,6-10).
Após uma breve oração pela perseverança (2 Ts 1,11-12), Paulo volta-se para a questão da vinda do Senhor, não tanto para dizer quando ou como será, mas para confortar os destinatários (2 Ts 2,1-12). Depois exorta novamente à perseverança na fé (2Ts 2,13-17). Tanto do que foi dito até agora como do que se segue (2 Ts 3,1-18), podemos dizer que no cerne da carta está a pregação e aceitação do evangelho pregado por Paulo, e as consequências da sua rejeição para a salvação.
O julgamento justo de Deus
A expressão paulina sobre a qual nos centraremos encontra-se neste contexto imediato: "Então aparecerá o ímpio [apokalyphthesetai ho anomos], a quem o Senhor exterminará com o sopro da sua boca (cf. Is 11,4; Ap 19,15; ver Sl 33,6) e destruirá com a sua majestosa vinda [com a manifestação (radiância) da sua vinda: te epiphaneia tes parousias autou] (cf. 1 Cor 15,24, 26). Ele, pela acção de Satanás, virá com todo o poder [energético], com falsos sinais e maravilhas [kai semeiois kai terasin pseudous; cfr. Ap 13, 13-14], e com todo o tipo de engano [apate; cfr. Col 2,8; Ef 4,22] mal [de injustiça: tes adikias; cf. 1 Cor 13,6; Rom 2,8], dirigido contra aqueles que estão a perecer, uma vez que não aceitaram o amor da verdade [tes aletheias] para serem salvos. Portanto, Deus envia-lhes um poder sedutor [uma força de engano: "planos energéticos"; cf. Dt 29,3; Is 6,9-10; 29,10; Mt 13,12-15; Rm 11,8], para que acreditem na mentira [a pseududududarizar], para que sejam condenados [julgados: krithosin; cf. Rom 2,12] todos aqueles que não acreditavam na verdade [te aletheia; cf. Gl 5,7], mas tinham prazer na injustiça [te adikia]" (2 Tess 2,8-12).
A exposição destes versículos é realizada de acordo com uma comparação ou sincrese: a manifestação do ímpio versus a manifestação (= parousia) de Cristo (cf. 2 Tim 1:10; 4:8); as maravilhas realizadas pelo poder de Satanás versus as maravilhas realizadas por Cristo; sedução e mentira versus verdade; injustiça versus justiça; rejeição versus crença; condenação versus salvação.
O texto não é apresentado como uma ameaça aos crentes, mas como um consolo, e leva-os a considerar o destino daqueles que rejeitaram voluntariamente o Evangelho. Por conseguinte, é também uma exortação à perseverança. O tempo dos verbos situa a referência a "aqueles que estão a perecer" a partir do que já aconteceu (é visto desde o fim): ou seja, "aqueles que estão a perecer" são aqueles que no decurso das suas vidas se fecharam teimosamente ao Evangelho. Ao fazê-lo, tornaram-se presas fáceis do poder do engano que as afastou de Deus (Rm 1,18-32).
Deus não quer nem mal-entendidos nem sedução por mentiras. No entanto, ele prevê-o e fá-lo servir os seus desígnios: manifesta o pecado do coração e precipita o julgamento (cf. Ex 4, 21: o caso do Faraó). Esta é a disposição divina: Deus quer que todos sejam salvos e que venham ao conhecimento da verdade (1 Tim 2,4), mas não pode salvar aqueles que o rejeitam de boa vontade.
Deus leva a liberdade do homem a sério, o que não significa que ele não seja senhor da história ou que não nos dê a ajuda de que precisamos. A sedução não vem de Deus, mas de Satanás (cf. 2 Cor 4,4), mas os injustos são culpados desta sedução por causa das suas escolhas. O caminho da salvação é a abertura a Deus, a escuta do Evangelho, a aceitação da verdade, a fé (cf. Mc 16,16).
Professor do Novo Testamento, Universidade de Navarra.