Na sua homilia na missa de encerramento do 52º Congresso Eucarístico Internacional (Budapeste, 12 de Setembro de 2011), Francisco, tomando a sua deixa do Evangelho do dia (cf. Mc 8:29), desafiou os presentes em nome do Senhor: "Mas quem sou eu realmente para si?". Uma pergunta que exige uma resposta pessoal, uma resposta de vida. E a partir desta resposta, disse-lhes, nasce a renovação do caminho dos discípulos, que é um caminho de generosidade.
Eucaristia e proclamação, discernimento e viagem
Este processo desenrolou-se em três etapas.
1) A proclamação de Jesus. Como representante dos discípulos, Pedro responde "Vós sois o Messias!". Mas surpreendentemente, Jesus ordena "não dizer nada a ninguém sobre Ele". (v. 30). Porquê, pergunta o Papa, uma tal proibição? E ele responde: "Por uma razão precisa, dizer que Jesus é o Cristo, o Messias, é preciso mas incompleto. Há sempre o risco de anunciar um falso messianismo, um messianismo de acordo com os homens e não de acordo com Deus"..
É também por isso que, a partir desse momento, Jesus começa a revelar-lhes a sua "identidade pascal", que passa pela humilhação da cruz (cf. Mc 8, 31 e 32). E aí vem a primeira mensagem do Papa do dia: "A Eucaristia está perante nós para nos lembrar quem é Deus. Não o faz com palavras, mas de forma concreta, mostrando-nos Deus como Pão partido, como Amor crucificado e dado [...] na simplicidade de um Pão que se deixa partir, distribuir e comer. Ele está lá para nos salvar. Para nos salvar, ele torna-se um servo; para nos dar vida, ele morre".. E se ficarmos admirados com o que Jesus faz, abrimo-nos ao discernimento com ele.
2) Discernimento com Jesus. A cruz não está na moda, mas esclarece-nos a diferença entre "duas lógicas": a lógica de Deus (de humildade, sacrifício e generosidade) e a lógica da mundanização (ligada à honra e ao privilégio, ao prestígio e ao sucesso).
O que aconteceu a Pedro (que estava ligado ao "seu" Jesus, mas não ao verdadeiro Jesus) também nos pode acontecer: que desmontemos o Senhor "à parte", que o coloquemos num canto do nosso coração, que até nos sintamos bem, mas sem nos deixarmos conquistar pela lógica do verdadeiro Jesus, que nos pede para purificar a nossa religiosidade perante a sua cruz, perante a Eucaristia. É por isso que a adoração antes da Eucaristia é muito boa para nós - precisamos dela. Segunda mensagem: "Que Jesus, o Pão vivo, nos cure dos nossos fechamentos e nos abra à partilha, nos cure da nossa rigidez e absorção de nós próprios, nos liberte da escravidão paralisante, nos liberte da defesa da nossa imagem, nos inspire a segui-Lo para onde Ele nos quiser levar. Não onde eu desejo". E assim chegamos ao terceiro passo.
3) A viagem com Jesus. Jesus censura Pedro, mas é para o ajudar a rectificar (mudar "o seu Jesus" para o verdadeiro Jesus) e a segui-lo bem.. "A viagem cristã não é uma busca de sucesso, mas começa com um passo atrás, com uma descentralização libertadora, com a remoção de si próprio do centro da vida".
É então que podemos caminhar nas pegadas de Jesus. Ou seja, avançar com a sua mesma confiança (amado filho de Deus), servir e não ser servido (cf. Mc 10, 45), ir ao encontro de outros, neste mesmo Corpo (a Igreja!) que formamos com eles através da Eucaristia. Para isso, devemos permitir que a Eucaristia nos transforme, como os santos.
Terceira mensagem do dia: "Como eles, não nos contentemos com pouco, não nos resignemos a uma fé que vive de rituais e repetições, abramo-nos à escandalosa novidade de Deus crucificado e ressuscitado, Pão partido para dar vida ao mundo. Então viveremos em alegria; e traremos alegria".
De facto, e por isso temos a mensagem central do Papa nesta viagem: a Eucaristia transforma-nos para que saibamos reconhecer o Senhor, discernir o nosso caminho depois d'Ele e servir os outros.
Liberdade, criatividade e diálogo
No seu encontro com bispos, padres, religiosos e religiosas, seminaristas e catequistas em Bratislava (13-IX-2021), o Papa tomou como ponto de partida a passagem dos Actos dos Apóstolos 1, 12-14, salientando que também nós devemos caminhar juntos desta forma: em oração e no mesmo espírito, acolhendo as questões e anseios dos outros, evitando a auto-referência, a preocupação excessiva por nós próprios, pelas nossas estruturas, pela forma como a sociedade nos olha. Ele concretizou o seu ensino em três palavras.
1) Primeira palavra: liberdade. Evocando a dura história da Eslováquia, Francis apontou. A liberdade é necessária, mas não é algo fácil e estático, é um caminho difícil. Não basta, explicou ele, ter uma liberdade externa, mas a liberdade chama a "ser responsável pelas próprias decisões, discernir, levar a cabo os processos da vida na primeira pessoa".. E isto é difícil, isto faz-nos temer, porque (como a travessia do deserto após a partida do Egipto) é uma viagem difícil.
Também nós podemos ser tentados a rejeitar o risco da liberdade. E evoca a história de O Grande Inquisidor de acordo com Dostoievski. Resume o Papa: "Cristo regressa incógnito à terra e o inquisidor censura-o por ter dado liberdade aos homens"..
É a tentação de pensar que "é melhor ter tudo pré-definido - as leis a observar, segurança e uniformidade - do que ser cristãos e adultos responsáveis que pensam, questionam a sua própria consciência e se deixam questionar"..
Trata-se de tentação", continuou ele, "na vida espiritual e eclesial", "procurar uma falsa paz que nos deixe à vontade, em vez do fogo do Evangelho que nos perturba, que nos transforma".. Mas então a Igreja correria o risco de se tornar um lugar rígido e fechado, uma espécie de deserto. E isto não é certamente atractivo, especialmente para a geração mais jovem.
Por esta razão, o Papa aconselhou os educadores e os formadores da igreja a não terem medo de formar pessoas em liberdade interior e confiança em Deus. Ele convida-os a rejeitar uma religiosidade rígida, preocupados em defender a sua própria imagem.
2) Segunda palavra: criatividade. E aqui Francisco propôs deixar-se iluminar por Santos Cirilo e Metódio, faróis brilhantes na evangelização da Europa. Tal como eles, também nós somos chamados a inventar, nas nossas culturas, um "novo alfabeto" para proclamar e transmitir a mensagem cristã, para a inculturação da fé. "E isto" -referiu-o literalmente. "é talvez a tarefa mais urgente da Igreja nos povos da Europa".
O sucessor de Peter fotografa a realidade do seu país anfitrião de uma forma que se aplica a muitos outros lugares na Europa e no Ocidente: "Temos uma rica tradição cristã como pano de fundo, mas hoje, na vida de muitas pessoas, esta tradição permanece a memória de um passado que já não fala e já não guia as nossas decisões de vida. Perante a perda do sentido de Deus e a alegria da fé, não basta lamentar, enraizar-se num catolicismo defensivo, julgar e acusar o mundo mau, não; a criatividade do Evangelho é necessária", sabendo que "o grande criador" é o Espírito Santo, que nos impele a ser criativos.
O Papa insiste: Cirilo e Metódio implantaram e semearam esta "nova criatividade", mesmo com as dificuldades e mal-entendidos que encontraram. No Evangelho, Jesus assinala que o agricultor semeia, depois vai para casa e dorme, sem querer controlar demasiado a vida, deixando crescer a semente, caso contrário acabará por matar a planta.
3) Terceira palavra: diálogo. A par da formação em liberdade interior e criatividade, é necessário o diálogo, assumindo o cansaço de uma busca religiosa, também com aqueles que não acreditam.
Francis sabe bem onde se encontra. É por isso que ele percorre o caminho de um bom educador na perspectiva da fé cristã: "A unidade, a comunhão e o diálogo são sempre frágeis, especialmente quando no passado há uma história de dor que deixou cicatrizes. A memória das feridas pode levar ao ressentimento, desconfiança, até mesmo ao desprezo, induzindo barreiras àqueles que são diferentes de nós. Mas as feridas podem ser aberturas, aberturas que, imitando as feridas do Senhor, permitem a passagem da misericórdia de Deus, a sua graça transformadora que nos transforma em agentes de paz e reconciliação"..
Eis, pois, a proposta do Papa para os educadores católicos na Eslováquia (em harmonia com o que ele também lhes disse nos seus encontros ecuménicos e inter-religiosos): a "O caminho na liberdade do Evangelho, na criatividade da fé e no diálogo que brota da misericórdia de Deus"..
Amor, cruz e alegria
Em diálogo com os jovens em Košice, Eslováquia (14-IX-2021), o Papa Bergoglio respondeu a três perguntas em linguagem directa, atraente e ao mesmo tempo exigente.
Ao primeiro, sobre o amor no casal, ele respondeu-lhes claramente: "O amor é o maior sonho de vida, mas não é um sonho barato. É bonito, mas não é fácil, como todas as grandes coisas na vida. É o sonho, mas não é um sonho fácil de interpretar. [...] Não banalizemos o amor, porque o amor não é apenas emoção e sentimento, isto é, de qualquer forma, no início. O amor não tem tudo e rapidamente, não responde à lógica do descartável. O amor é fidelidade, dom, responsabilidade"..
Ele acrescentou que a verdadeira revolução hoje em dia é rebelar-se contra a cultura do provisório, ir além do instinto e do instante, amar a vida e com todo o nosso ser. Não estamos aqui para sobreviver, mas para tornar as nossas vidas heróicas. "Nas grandes histórias -lhes apontou. "Há sempre dois ingredientes: um é amor, o outro é aventura, heroísmo".. É por isso que não devemos deixar passar a vida, como os episódios de uma novela.
E ele argumentou: "Portanto, quando sonham com o amor, não acreditem em efeitos especiais, mas acreditem que cada um de vós é especial, cada um de vós. Cada um de vós é um presente e pode fazer da sua própria vida um presente. Os outros, a sociedade, os pobres estão à sua espera. Sonhar com uma beleza que vá para além da aparência, para além da maquilhagem, para além das tendências da moda"..
Francisco encoraja-os a formar uma família, a partilhar a vida com outra pessoa sem se envergonharem da sua própria fragilidade. Porque o amor é amar a outra pessoa como ele ou ela é, e isso é belo. "Os sonhos que temos nos contam sobre a vida por que ansiamos. Os grandes sonhos não são o carro potente, a roupa da moda ou a viagem transgressiva".. Aconselha-os a não ouvir os manipuladores da felicidade, que lhes falam de sonhos e, em vez disso, vendem miragens.
O Papa fala aos jovens, na sua língua, de viverem uma vida única e irrepetível, uma aventura e uma história fascinante. "Não é uma questão de viver sentado no banco para substituir outra pessoa. Não, cada um de nós é único aos olhos de Deus. Não se deixem 'homologar'; não fomos feitos em série, somos únicos, somos livres, e estamos no mundo para viver uma história de amor, de amor com Deus, para abraçar a audácia de decisões fortes, para nos aventurarmos no maravilhoso risco de amar". Ousadia é de facto sinónimo de verdadeira juventude.
Aconselha-os também a não esquecer as suas raízes, que estão nos seus pais e especialmente nos seus avós. Hoje corremos o risco de nos enchermos de mensagens virtuais e de perdermos as nossas raízes reais. "Desligarmo-nos da vida, fantasiar no vácuo não é bom, é uma tentação do maligno. Deus quer-nos bem plantados na terra, ligados à vida, nunca fechados mas sempre abertos a todos. Enraizados e abertos".
Pede-lhes que não se deixem levar pelo princípio de "cada um para o seu", pela tristeza e pelo pessimismo, porque somos feitos para levantar os nossos olhos para o céu e para os outros.
Ao chegar aqui, respondeu a uma segunda pergunta sobre como superar os obstáculos no caminho para a misericórdia de Deus. Francisco aconselhou-os a levantarem-se sempre e a confessarem-se dos seus pecados. Mas sem colocar os pecados no centro, como pessoas castigadas que devem humilhar-se, mas como crianças que correm para receber o abraço do Pai, a misericórdia de Deus que perdoa sempre no sacramento da alegria. Àquele que sente vergonha, Francisco diz que isto é bom, porque é um sinal de que não estamos satisfeitos connosco próprios, que podemos vencer-nos a nós próprios com a ajuda de Deus. E aos que não têm confiança em Deus, encoraja-os a celebrar a festa que tem lugar no céu sempre que alguém se vai confessar.
A última pergunta era sobre como encorajar os jovens a não terem medo de abraçar a cruz. E o Papa responde que a cruz não pode ser abraçada sozinha, porque a dor por si só não salva ninguém. "É o amor que transforma a dor. É por isso que a cruz é abraçada com Jesus, nunca sozinha! Se Jesus é abraçado, a alegria renasce, a alegria renasce. E a alegria de Jesus, em dor, é transformada em paz".. Francisco despediu-se dos jovens, desejando-lhes essa alegria e que a levassem aos seus amigos.