Os ensinamentos do Papa sobre o significado da Quaresma - a preparação para a Quaresma e o Páscoa-, a partir de Quarta-feira de Cinzas, concentraram-se no Angelus destes Domingos. Neles, ele percorre os passos das passagens evangélicas propostas pela liturgia: as tentações do Senhor, a sua transfiguração, o encontro com a mulher samaritana, a cura do homem nascido cego e a ressurreição de Lázaro.
Hora de "voltar ao básico
Na sua homilia na Quarta-feira de Cinzas, celebrada na Basílica de Santa Sabina (22-II-2023), o Papa apresentou a Quaresma - como uma breve síntese de uma dimensão importante da vida cristã - como "... um tempo de grande importância para a vida cristã".o momento certo para voltar ao básico"; i.e. "para nos despojarmos do que nos pesa, para nos reconciliarmos com Deus, para reacender o fogo do Espírito Santo que habita escondido nas cinzas da nossa frágil humanidade. Voltar ao básico". Um tempo de graça para ".para regressar ao essencial, que é o Senhor". Assim, o rito das cinzas introduz-nos neste caminho de regresso, convida-nos - sublinhou Francisco - "... a regressar ao lugar onde nascemos, ao lugar onde nascemos.para voltarmos a ser quem realmente somos y para regressar a Deus e aos irmãos".
"Deus também vive a Quaresma".
Ele usou esta frase para distinguir dois passos. Quaresma, em primeiro lugar, como um tempo de "regresso a quem somos", e em segundo lugar, como um tempo de "regresso a quem somos".. E o que somos nós? Somos criaturas que vêm da terra e precisam do Céu, mas primeiro voltaremos ao pó, e depois erguer-nos-emos das nossas cinzas. Deus criou-nos, nós somos Seus, pertencemos a Ele. E o Papa formulou algo bastante original: "Somos criaturas de Deus, pertencemos a Ele.Como Pai terno e misericordioso, Ele também vive a Quaresma, porque Ele deseja-nos, espera por nós, aguarda o nosso regresso, e encoraja-nos sempre a não desesperar, mesmo quando caímos no pó da nossa fragilidade e do nosso pecado".
Deus "sabe muito bem que somos apenas pó" (Sl 103,14). E, observa o sucessor de Pedro: "... nós não somos pó" (Sl 103,14).Contudo, esquecemo-nos frequentemente disto, pensando que somos auto-suficientes, fortes, invencíveis sem Ele; usamos a maquilhagem para acreditar que somos melhores do que somos. Somos pó".
Daí a necessidade de nos despojarmos "O desejo de nos colocarmos no centro, de estar à frente da classe, de pensar que só com as nossas capacidades podemos ser os protagonistas da vida e transformar o mundo que nos rodeia".
Por outras palavrasEste é "um tempo de verdade" para tirar as máscaras que usamos todos os dias fingindo ser perfeitas aos olhos do mundo; para lutar, como Jesus nos disse no Evangelho, contra a falsidade e a hipocrisia. Não as dos outros, mas as nossas; para as olharmos de frente e lutarmos".
Deixar o baluarte do self
Voltando ao essencial de quem somos perante Deus", continua o Papa, "a Quaresma surge-nos como "... um tempo em que não somos apenas um tempo de oração, mas também um tempo de oração.um tempo favorável para reacender as nossas relações com Deus e com os outros; para nos abrirmos em silêncio à oração e para sairmos do baluarte do nosso eu fechado; para quebrar as correntes do individualismo.e do isolamento e para redescobrir, através do encontro e da escuta, quem é que caminha ao nosso lado todos os dias, e para reaprender a amá-lo como um irmão ou uma irmã.".
Como conseguir tudo isto? A Quaresma propõe três formas principais: esmola, oração e jejum. Se humildemente nos colocarmos sob o olhar do Senhor, então "... seremos capazes de fazer tudo isto.A esmola, a oração e o jejum não permanecem gestos exteriores, mas exprimem quem realmente somos: filhos de Deus e irmãos e irmãs entre nós.".
Portanto, estes são "dias favoráveis para nos lembrar que o mundo não se fecha nos limites estreitos das nossas necessidades pessoais [...], para dar a Deus o primado das nossas vidas, [...] para parar a ditadura das agendas sempre cheias de coisas para fazer; das pretensões de um ego cada vez mais superficial e incómodo; e para escolher o que realmente importa.".
A caminho da Páscoa - propõe o Bispo de Roma- Fixemos o nosso olhar sobre o Crucificado [...]. E no final da viagem encontraremos com maior alegria o Senhor da vida; encontrá-lo-emos, o único que nos fará erguer das nossas cinzas".".
Sem diálogo com o diabo
No segundo domingo (Angelus, 26-II-2023), Francisco contemplou a cena das tentações do Senhor e a sua batalha contra o diabo (cf. Mt 4, 1-11). O demónio, especializado na divisão, tenta separar Jesus do Pai, "...e tornar a vida do demónio um mistério".para o afastar da sua missão de unidade para nós". Essa unidade que consiste em tornar-nos participantes do amor que une as Pessoas divinas do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Os venenos da divisão
O Papa interpreta a cena: "O maligno tenta então incutir Nele [Jesus] três 'venenos' potentes, a fim de paralisar a Sua missão de unidade. E estes venenos são apego - apego a necessidades como a fome -, desconfiança - para com o seu Pai - e poder - a sede de poder"..
Francis acrescenta que são também tentações que o diabo usa connosco,".para nos dividir do Pai e nos fazer deixar de nos sentir irmãos e irmãs uns dos outros; ele usa-os para nos conduzir à solidão e ao desespero.".
Mas Jesus vence o diabo sem diálogo, sem negociação e sem discutir com ele. Ele confronta-o com a Palavra de Deus que fala de liberdade das coisas (cf. Dt 8, 3), de confiança (cf. Dt 6, 16) e de serviço a Deus (cf. Dt 6, 13).
É daqui que Francisco toma a sua deixa para nos fazer perguntas e nos dar conselhos: "Que lugar tem a Palavra de Deus na minha vida? Volto-me para a Palavra de Deus nas minhas lutas espirituais? Se tenho um vício ou tentação que continua a repetir-se, porque não procuro um verso da Palavra de Deus que responda a esse vício? Então, quando a tentação vem, eu recito-a, rezo, confiando na graça de Cristo.".
A beleza luminosa do Amor
O Segundo Domingo da Quaresma coloca-nos na transfiguração do Senhor (cf. Mt 17,1-9), que manifesta toda a sua beleza como o Filho de Deus. O Papa coloca-nos uma questão que não é nada óbvia: "Será a transfiguração do Senhor uma questão para nós?Em que consiste esta beleza?". E ele responde que não consiste num efeito especial, mas que, sendo Deus Amor, consiste em "...".o esplendor do Amor divino encarnado em Cristo". Os discípulos já conheciam a face do Amor, mas não se tinham apercebido da sua beleza.
Caminhar, servir, amar
Agora a beleza de Deus é-lhes mostrada desta forma: como um antegozo do paraíso, que os prepara para reconhecer essa mesma beleza".quando vai até à cruz e o seu rosto está desfigurado".. Pedro teria querido parar o tempo, mas Jesus não quer afastar os seus discípulos da realidade da vida, o que inclui a forma de o seguir até à cruz. "A beleza de Cristo -Francis parece estar a responder a certos pensadores modernos, como Marx e Nietzsche. não é alienante, leva-o sempre em frente, não o faz esconder-se: continue!".
Este é um ensinamento para nós. Estar com Jesus é como "aprendemos a reconhecer no seu rosto a beleza luminosa do amor que se dá a si próprio, mesmo quando ostenta as marcas da cruz"..
E não só isso, mas também podemos aprender a descobrir a luz do amor de Deus nos outros: "É na sua escola que aprendemos a captar a mesma beleza no rosto das pessoas que caminham ao nosso lado todos os dias: familiares, amigos, colegas, aqueles que cuidam de nós de várias maneiras.. Quantos rostos brilhantes, quantos sorrisos, quantas rugas, quantas lágrimas e cicatrizes falam de amor à nossa volta! Aprendamos a reconhecê-las e a encher os nossos corações com elas.".
A consequência tem de ser pôr-se em movimento,"para levar a luz que recebemos também a outros, com as obras concretas do amor (cf. 1 Jo 3,18), mergulhar mais generosamente nas tarefas diárias, amando, servindo e perdoando com mais entusiasmo e disponibilidade".
A sede de Deus e a nossa sede
O Evangelho do terceiro Domingo da Quaresma apresenta o encontro de Jesus com a Samaritana (cf. Jo 4, 5-42): "um dos mais belos e fascinantes encontros". do Senhor (cf. Angelus, 12-III-2023).
Ele pergunta-lhe: "dê-me uma bebida".. É, explica o Papa, um ".imagem da humilhação de Deus". Jesus quis ligar-se à nossa pobreza, à nossa pequenez, porque tinha sede e sede por cada um de nós.
Com um argumento agostiniano, Francisco explica: "A sede de Jesus, de facto, não é apenas física, ela expressa a sede mais profunda da nossa vida: é acima de tudo sede do nosso amor. Ele é mais do que um mendigo, ele tem sede do nosso amor. E surgirá no auge da paixão, na cruz; ali, antes de morrer, Jesus dirá: "Eu tenho sede" (Jo 19,28). Aquela sede de amor que o levou a descer, a humilhar-se, a tornar-se um de nós".
Mas é o Senhor que dá de beber à mulher samaritana. E fala-lhe da água viva do Espírito Santo, que ele derrama da cruz, juntamente com o seu sangue, do seu lado aberto (cf. Jo 19,34).
Faz o mesmo connosco: "Jesus, sedento de amor, sacia a nossa sede com amor. E faz connosco como fez com a mulher samaritana: sai ao nosso encontro na nossa vida diária, partilha a nossa sede, promete-nos a água viva que faz brotar em nós a vida eterna (cf. Jo 4,14)".
Toda a gente tem (está) com sede
Jesus não só pede uma bebida mas, como faz com a mulher samaritana,"pede-nos para cuidarmos da sede dos outros".Ouvimo-lo de tantos - na família, no trabalho, nos outros lugares que frequentamos - que têm sede de proximidade, atenção, escuta; ouvimo-lo daqueles que têm sede da Palavra de Deus e precisam de encontrar na Igreja um oásis onde possam beber água. Isto é-nos dito pela nossa sociedade, onde a pressa, a pressa em consumir e sobretudo a indiferença dominam, esta cultura de indiferença gera aridez e vazio interior. "E não o esqueçamos, diz Franciscodá-me uma bebida" é o grito de tantos irmãos e irmãs que têm falta de água.viver, enquanto continuamos a poluir e a desfigurar a nossa casa comum, que também, exausta e sedenta, tem sede".
Também nós, como a mulher samaritana", propõe Francisco, "devemos deixar de pensar em saciar a nossa sede (material, intelectual ou cultural), "Mas com a alegria de ter encontrado o Senhor, poderemos satisfazer os outros: dar sentido à vida dos outros, não como donos, mas como servos desta Palavra de Deus que nos saciou, que nos satisfaz continuamente; poderemos compreender a sua sede e partilhar o amor que Ele nos deu".
E o Papa convida-nos a interrogarmo-nos: "Será que tenho sede de Deus, será que percebo que preciso do seu amor como a água para viver? E então, eu que tenho sede, estou preocupado com a sede dos outros, com a sede espiritual, com a sede material?"
Atitudes do coração humano perante Jesus
No quarto domingo, o Evangelho mostra Jesus restaurando a visão a um homem cego de nascença (cf. Jo 9,1-41). Mas este prodígio", observa Francis, "não é bem recebido por vários indivíduos e grupos". (cf. Angelus19-III-2023). Nas suas atitudes, vemos as atitudes fundamentais do coração humano em relação a Jesus: "o bom coração humano, o coração humano morno, o coração humano temeroso, o coração humano corajoso".
De um lado estão os discípulos, que, perante o problema do cego, querem procurar alguém a quem culpar, em vez de se perguntarem o que devem fazer.
Depois há os vizinhos, que são cépticos: eles não acreditam que aquele que agora vê é o mesmo cego que antes. E os seus pais também não querem qualquer problema, especialmente com as autoridades religiosas.
Todos eles afirmam ser "corações fechados ao sinal de Jesus, por várias razões: porque procuram alguém a quem culpar, porque não sabem como ser surpreendidos, porque não querem mudar, porque estão bloqueados pelo medo, porque não sabem como ser surpreendidos, porque não querem mudar.".
Também está a acontecer-nos hoje, diz Francisco: "Face a algo que é realmente uma mensagem de testemunho de uma pessoa, uma mensagem de Jesus, caímos nessa: procuramos outra explicação, não queremos mudar, procuramos uma saída mais elegante do que aceitar a verdade".
Deixe-se curar para ver
E assim chegamos ao ponto em que o único que reage bem é o homem cego. "Está feliz por ver, testemunha o que lhe aconteceu da forma mais simples: 'Eu era cego e agora vejo'. Ele diz a verdade". Ele não quer inventar ou esconder nada, não tem medo do que as pessoas vão dizer, porque Jesus deu-lhe toda a sua dignidade, sem sequer lhe pedir agradecimentos, e deu-lhe renascimento.
"E isto é claro". -Francisco aponta-Ocorre sempre: quando Jesus nos cura, devolve-nos a nossa dignidade, a plena dignidade da cura de Jesus, uma dignidade que vem do fundo do nosso coração, que se apodera de toda a nossa vida.".
Como ele o faz frequentemente, Francis interroga-nos sobre a mesma cena: "Qual foi a nossa posição, o que teríamos dito então? [...] Será que nos deixamos aprisionar pelo medo do que as pessoas vão pensar? [Como acolhemos pessoas que têm tantas limitações na vida, quer físicas, como este cego, quer sociais, como os mendigos que encontramos na rua? Acolhemos isto como uma maldição ou como uma oportunidade para as alcançarmos com amor?
E o sucessor de Pedro aconselha-nos a pedir "a graça de nos maravilharmos todos os dias com os dons de Deus e de vermos as várias circunstâncias da vida, mesmo as mais difíceis de aceitar, como oportunidades de fazer o bem, como Jesus fez com o homem cego".