Ao mesmo tempo, o Papa estabeleceu laços mais estreitos com os cristãos gregos - em países que acolhem um número crescente de cidadãos católicos - e encorajou a participação de todos para enfrentar os desafios que a Europa enfrenta.
Paciência, fraternidade e boas-vindas
No seu encontro com os fiéis católicos de Chipre (Catedral Maronita de Nossa Senhora das Graças, 2 de Dezembro de 2012), Francisco expressou a sua alegria ao visitar a ilha, seguindo os passos do apóstolo Barnabé, um filho deste povo. Elogiou o trabalho da Igreja Maronita - de origem libanesa - e salientou a misericórdia como uma característica da vocação cristã, bem como a unidade na diversidade dos ritos.
Baseando-se na história de Barnabé, apontou duas características que a comunidade cristã deve ter: paciência e fraternidade.
Tal como a Igreja em Chipre tem braços abertos (acolhe, integra e acompanha), salientou Francisco, esta é "uma mensagem importante" também para a Igreja na Europa como um todo, marcada pela crise de fé. "Não vale a pena ser impulsivo, não vale a pena ser agressivo, nostálgico ou queixoso, é melhor continuar a ler os sinais dos tempos e também os sinais da crise. É necessário recomeçar e proclamar o Evangelho com paciência, tomar em mãos as Bem-aventuranças, especialmente para as proclamar às novas gerações"..
Referindo-se ao pai do filho pródigo, sempre pronto a perdoar, o Papa acrescentou: "É isto que desejamos fazer com a graça de Deus no itinerário sinodal: oração paciente, escuta paciente de uma Igreja dócil a Deus e aberta ao homem". Uma referência também a seguir o exemplo da tradição ortodoxa, como também surgiu no encontro com o arcebispo ortodoxo de Atenas, Hieronymus II.
E sobre fraternidade, num ambiente onde existe uma grande diversidade de sensibilidades, ritos e tradições, ele insistiu: "Não devemos sentir a diversidade como uma ameaça à identidade, nem devemos ser cautelosos e preocupados com os espaços uns dos outros. Se cedermos a esta tentação, o medo cresce, o medo gera desconfiança, a desconfiança leva à desconfiança e mais cedo ou mais tarde leva à guerra"..
É portanto necessário, juntamente com "uma Igreja paciente, perspicaz, que nunca entra em pânico, que acompanha e integra".também "uma Igreja fraterna, que dá lugar à outra, que discute, mas permanece unida e cresce na discussão"..
As mesmas ideias de paciência e aceitação foram também sublinhadas no mesmo dia com as autoridades civis. Evocou a imagem da pérola que a ostra faz, quando, com paciência e no escuro, tece novas substâncias juntamente com o agente que a feriu. No voo de regresso, falava do perdão - assim como da oração e do trabalho em conjunto, e da tarefa dos teólogos - como formas de fazer avançar o ecumenismo.
Um anúncio reconfortante e concreto, generoso e alegre
No dia seguinte, Francisco realizou um encontro com os bispos ortodoxos (cf. Encontro com o Santo Sínodo na sua catedral em Nicósia, 3 de Dezembro de 2121) que ofereceu uma contribuição de luz e encorajamento para o ecumenismo. Referindo-se ao nome Barnabé, que significa "filho da consolação" ou "filho da exortação", o Papa salientou que a proclamação da fé não pode ser genérica, mas deve realmente alcançar o povo, as suas experiências e preocupações, e para isso é necessário ouvir e conhecer as suas necessidades, como é comum na sinodalidade vivida pelas Igrejas Ortodoxas.
No mesmo dia (3-XII-2021) celebrou Missa no estádio do GSP em Nicósia. Na sua homilia, o Papa exortou os fiéis a encontrar, procurar e seguir Jesus. Para que a "transportar as feridas juntas". como os dois homens cegos do Evangelho (cf. Mt 9,27).
Em vez de nos fecharmos na escuridão e na melancolia, na cegueira dos nossos corações por causa do pecado, devemos gritar a Jesus que passa pelas nossas vidas. E devemos fazê-lo, de facto, partilhando as nossas feridas e enfrentando juntos a viagem, saindo do individualismo e da auto-suficiência, como verdadeiros irmãos e irmãs, filhos do único Pai celestial. "A cura vem quando suportamos feridas juntos, quando enfrentamos problemas juntos, quando nos ouvimos e falamos uns com os outros. E esta é a graça de viver em comunidade, de compreender o valor de estarmos juntos, de sermos comunidade".. Deste modo, também nós poderemos proclamar o Evangelho com alegria (cf. Mt 9,30-31). "A alegria do Evangelho liberta-nos do risco de uma fé íntima, distante e queixosa, e introduz-nos no dinamismo do testemunho"..
Francisco ainda tinha tempo nesse dia para uma oração ecuménica com os migrantes (na paróquia da Santa Cruz, Nicósia, 3-XII-2021), contando-lhes com São Paulo: "Já não sois estranhos e estrangeiros, mas concidadãos com os santos e membros da família de Deus". (Ef 2, 19). Respondendo às preocupações que lhe tinham sido trazidas, encorajou-os a preservar e a cultivar as suas raízes. E ao mesmo tempo abrir-se com confiança a Deus, a fim de superar as tentações do ódio - os seus próprios interesses ou grupos ou preconceitos - com a força da irmandade cristã. Desta forma é possível realizar sonhos, ser o fermento de uma sociedade onde a dignidade humana é respeitada e onde as pessoas caminham livremente e juntas em direcção a Deus.
Envolver toda a gente nos desafios da Europa
No sábado, 4 de Dezembro, Francisco chegou a Atenas, a capital da Grécia, berço da democracia e da memória da Europa. No palácio presidencial, ele reconheceu abertamente: "Sem Atenas e a Grécia, a Europa e o mundo não seriam o que são: seriam menos sábios e menos felizes". "Deste modo". -acrescentou ele,"Os caminhos do Evangelho passaram, ligando o Oriente e o Ocidente, os Lugares Santos e a Europa, Jerusalém e Roma".. "Aqueles Evangelhos que, a fim de trazer ao mundo a boa nova de Deus amante da humanidade, foram escritos em grego, a língua imortal utilizada pela Palavra - o Logos- para se expressar, a linguagem da sabedoria humana transformou-se na voz da Sabedoria divina".No seu encontro com o arcebispo ortodoxo de Atenas (4-XII-2021), Hieronymus II, o Papa recordou a grande contribuição da cultura grega para o cristianismo na época dos Padres e dos primeiros concílios ecuménicos.
O cristianismo deve muito aos gregos, tal como a democracia, que deu origem à União Europeia. Contudo", o Papa observou com preocupação no palácio presidencial, "estamos hoje perante uma regressão da democracia, não apenas no continente europeu.
Ele apelou à superação do "cepticismo democrático".Sublinhou a necessidade de todos participarem, não só para atingir objectivos comuns, mas também porque responde a quem somos: o povo. Insistiu na necessidade da participação de todos, não só para atingir objectivos comuns, mas também porque responde a quem nós somos: "seres sociais, irrepetíveis e, ao mesmo tempo, interdependentes"..
Citando De Gasperi - um dos construtores da Europa - apelou à procura de justiça social nas várias frentes (alterações climáticas, pandemia, mercado comum, pobreza extrema), no meio do que parece ser um mar turbulento, e "uma odisseia longa e inatingível".numa clara referência à história de Homero.
Ele evocou o Ilíadaquando Aquiles diz: "Aquele que pensa uma coisa e diz outra é tão odioso para mim como os portões do Hades". (IlíadaIX, 312-313). Continuou na chave da cultura grega e, sob o símbolo da solidariedade da oliveira, exortou a cuidar dos migrantes e refugiados na Europa.
Com referência aos doentes, aos não nascidos e aos idosos, Francisco fez as palavras do juramento de Hipócrates, onde se compromete a "regular o teor da vida para o bem dos doentes", "abster-se de qualquer dano e ofensa". a outros, e para salvaguardar a vida em todos os momentos, particularmente no útero. Ele assinalou, numa clara alusão à eutanásia, que os idosos são o sinal da sabedoria de um povo: "De facto, a vida é um direito; a morte não é; é bem-vinda, não é fornecida"..
Também sob o símbolo da oliveira, expressou a sua gratidão pelo reconhecimento público da comunidade católica e apelou ao estreitamento dos laços fraternais entre cristãos.
Encontro entre o cristianismo e a cultura grega
A fim de reforçar os laços entre o cristianismo e a cultura grega, e à luz da pregação de S. Paulo no Areópago de Atenas (cf. Act 17,16-34), o Papa apontou algumas atitudes fundamentais que devem brilhar nos fiéis católicos: confiança, humildade e acolhimento (cf. Encontro com bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas, seminaristas e catequistas, Catedral de S. Dionísio, Atenas, 4-XII-2021).
Longe de desanimar e lamentar o cansaço ou as dificuldades, devemos imitar a fé e a coragem de S. Paulo. "O apóstolo Paulo, cujo nome se refere à pequenez, viveu em confiança porque levou a peito estas palavras do Evangelho, ao ponto de as ensinar aos irmãos de Corinto (cf. 1 Cor 1,25,27).
O apóstolo não lhes disse: 'vocês estão errados em tudo' ou 'agora estou a ensinar-vos a verdade', mas começou por abraçar o seu espírito religioso". (cf. Actos 17:22-23). Porque ele sabia que Deus trabalha no coração do homem, Paulo "Ele acolheu o desejo de Deus escondido no coração destas pessoas e teve a bondade de lhes transmitir a maravilha da fé. O seu estilo não era imponente, mas propositivo"..
Sobre este ponto, Francisco recordou que Bento XVI aconselhou a prestar atenção aos agnósticos e ateus, especialmente porque "Quando se fala de uma nova evangelização, estas pessoas talvez fiquem assustadas. Eles não querem ver-se como um objecto de missão, nem querem abdicar da sua liberdade de pensamento e vontade". (Discurso à Cúria Romana, 21 de Dezembro de 2009).
Daí a importância do acolhimento e da hospitalidade de um coração aberto para poder sonhar e trabalhar em conjunto, católicos e ortodoxos, outros crentes, também irmãos e irmãs agnósticos, todos, para cultivar o "misticismo". da fraternidade (cfr. Evangelii gaudium, 87).
No domingo 5 de Dezembro, o Papa visitou refugiados no centro de acolhimento e identificação em Mytilene. Apelou à comunidade internacional e a cada indivíduo para que ultrapassassem o egoísmo individualista e para que parassem de construir muros e barreiras. Ele citou as palavras de Elie Wiesel, que sobreviveu aos campos de concentração nazis: "Quando vidas humanas estão em perigo, quando a dignidade humana está em jogo, as fronteiras nacionais tornam-se irrelevantes". (Discurso de aceitação do Prémio Nobel da Paz, 10 de Dezembro de 1986).
Com uma expressão que se tornou famosa, o Papa acrescentou, referindo-se ao Mar Mediterrâneo:"Não permitamos que a mare nostrum se torne uma mare mortuum desolada, não permitamos que este local de encontro se torne um teatro de conflitos! Não permitamos que este 'mar de memórias' se transforme no 'mar do esquecimento'. Irmãos e irmãs, rogo-vos: deixai-nos parar este naufrágio da civilização"!
Conversão, esperança, coragem
Na homilia desse domingo (cf. Megaron Concert Hall(Atenas, 5-XII-2021), Francisco tomou a sua deixa da pregação de São João Baptista no deserto para apelar à conversão, a atitude radical que Deus pede a todos nós: "Tornar-se é pensar além, ou seja, ir além da forma habitual de pensar, além dos esquemas mentais a que estamos habituados. Estou a pensar nos esquemas que reduzem tudo a nós próprios, à nossa pretensão de auto-suficiência. Ou nesses esquemas fechados pela rigidez e pelo medo de paralisar, pela tentação de "sempre foi feito assim, porquê mudá-lo" [...]. Converter-se, então, significa não ouvir aqueles que corroem a esperança, aqueles que repetem que nada jamais mudará na vida - os pessimistas habituais; é recusar acreditar que estamos destinados a afundar-nos nas areias movediças da mediocridade; é não ceder aos fantasmas interiores que aparecem sobretudo nos momentos de provação para nos desencorajar e nos dizer que não podemos, que tudo está errado e que ser santos não é para nós".
Por isso, acrescentou, juntamente com a caridade e a fé, é necessário pedir a graça da esperança. "Pois a esperança reaviva a fé e reacende a caridade".. Esta mensagem também esteve presente, numa língua diferente, no último dia do seu encontro com os jovens atenienses.
Num discurso cheio de alusões à cultura grega (oráculo de Delfos, a viagem de Ulisses, o canto de Orfeu, a aventura de Telemachus), Francisco falou-lhes de beleza e admiração, serviço e fraternidade, coragem e desportivismo (cf. Encontro com jovens na Escola St. Dionysius, Atenas, 6 de Dezembro de 2021).
O espanto, explicou ele, é simultaneamente o início da filosofia e uma boa atitude para se abrir à fé. Espantamento do amor e perdão de Deus (Deus perdoa sempre). A aventura de servir com encontros reais e não apenas virtuais. É assim que descobrimos e vivemos como "filhos amados de Deus" e descobrimos Cristo que nos encontra nos outros.
Ao despedir-se deles, ele propôs "A coragem de avançar, a coragem de correr riscos, a coragem de não ficar no sofá. A coragem de correr riscos, de sair ao encontro dos outros, nunca em isolamento, sempre com os outros. E com esta coragem, cada um de vós encontrará a si próprio, encontrará outros e encontrará o sentido da vida. Desejo-vos isto, com a ajuda de Deus, que vos ama a todos. Deus ama-te, sê corajoso, vai em frente!! Brostà, óli masí! [Aproximem-se, todos juntos!