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A natureza decisiva da escuta

Apenas aqueles que são capazes de ouvir o mundo, e as pessoas, são capazes de escrutinar os seus segredos mais escondidos. Ouvir: ouvir e ser escutado, é essencial para o ser humano.

Ignasi Fuster-18 de Dezembro de 2021-Tempo de leitura: 4 acta
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O Papa Francisco, desde o início do seu pontificado, tem insistido na necessidade de ouvir. Na altura ouvimos o apelo ao exercício desse "apostolado de escuta" a que o Papa se referiu. Agora tornou-se um tema fundamental do novo Sínodo sobre a Igreja Sinodal.

Uma Igreja sinodal é uma Igreja que sabe ouvir. Foi isto que o Papa disse na sua homilia na abertura do Sínodo em Roma (10.10.2021): "O Sínodo pede-nos que escutemos as perguntas, as preocupações e as esperanças de cada Igreja, de cada povo e de cada nação. E também para ouvir o mundo, os desafios e as mudanças que ele nos coloca à frente". Mas e quanto aporquê pode esta audição humana ser tão decisiva?

Diz-se do pensador alemão Hegel que quando era jovem andava por uma estrada com um amigo. Depois ouviram o eco sonoro dos sinos da igreja a tocar para a morte de alguém. Esse som penetrou para sempre nos ouvidos e no coração do jovem Hegel, que subitamente encontrou o mistério da nossa sórdida finitude: no fim da existência as luzes apagam-se, os olhos fecham-se e os ouvidos deixam de vibrar. Diz-se que toda a sua filosofia idealista (em busca do ideal do eterno), é um combate implacável contra os sinais de corrupção e de morte. A sua filosofia é um gloss sobre a morte e a finitude. Para Hegel ouviu os sinos da morte, e talvez também o eco distante da imortalidade que ressoa no coração do homem.

Alguém me disse que ele teve a sorte de assistir às conferências do filósofo Martin Heidegger. Heidegger, de acordo com a testemunha, dirigiu-se à audiência com uma voz fina e de difícil percepção. E no entanto a sua voz suave revelou um sentido aguçado de audição. Com a sua meditação filosófica, Heidegger mergulhava nos mistérios da realidade e do mundo. Tanto que concebeu o pensamento como uma acção de graças pelos segredos do mundo e da história. Apenas aqueles que são capazes de ouvir o mundo são capazes de escrutinar os seus segredos mais escondidos. Assim Heidegger revelou-se como um profundo pensador que desenvolveu uma delicada filosofia da existência humana no meio das vicissitudes do mundo.

Mas Heidegger e Hegel retomam intuições antigas, já presentes no pensamento mítico grego, bem como no sentimento de revelação judaica. Já o obscuro Heráclito dizia que os homens são chamados a ter "um ouvido atento ao ser das coisas". E o que define Israel, que povo recebendo a Revelação de Deus, se não sendo um povo de escuta de Deus e dos seus presságios? Mais uma vez, no meio do nosso tempo de palavras e tecnologia, é necessário incitar as novas gerações a aprender o silêncio, a solidão e a escuta - uma tríade que é certamente frutuosa. Mas não apenas ouvir a palavra, as notícias, a conversa, o canto ou o texto. Mas acima de tudo, ouvir coisas que não falam mas que nos abrem ao mistério do significado que elas contêm.

O ouvinte que não vê (e pode fechar os olhos ao mundo) parece trazer uma visão diferente do mundo e da história. As descrições do vidente parecem dar poder sobre uma realidade que se torna um palco. A realidade penetrada pelos olhos torna-se um campo de exploração e experimentação, sujeito a manipulação e transformação.

O homem visionário do nosso tempo viu o futuro de um novo homem, uma mistura de carne e tecnologia, capaz de desenvolver ao extremo os seus poderes físicos, psíquicos e espirituais. Mas se complementarmos a visão com a audição, e combinarmos visão e audição numa síntese harmoniosa, surge outro mundo: um mundo que é certamente conhecido, mas ao mesmo tempo chamado a ser ouvido, ou seja, tocado pela carícia suave de uma audição que nos permite entrar gradualmente na luz escura da existência.

Agostinho disse que "o toque define o conhecimento". É aqui que surge a questão da legalidade da nossa forma contemporânea de tratar o mundo: é lícito ou não tratar o mistério da natureza desta forma? A luz ilumina, as cores são admiradas, as figuras são observadas, os rostos são contemplados, os movimentos são vistos. Mas o bem e o mal que ressoam na consciência não são vistos, mas ouvidos nas profundezas de si mesmo. É neste momento que emerge o sentido ético do mundo e das nossas várias relações com o mundo.

Então, O que devemos fazer? Foi a pergunta distante que alguns fizeram ao profeta do deserto que anunciou a chegada dos novos tempos. João Baptista tinha ouvido no silêncio e na solidão do deserto a voz de Deus e os gemidos do homem. Se a humanidade não se tornar apta a ouvir, tornar-se-á incapaz de perceber os sinais dos tempos que anunciam a Última Vinda do Filho do Homem. Só a atitude de escutar como lugar antropológico nos permite escrutinar os sinais dos tempos, como o vento que anuncia a tempestade ou a canção que anuncia a Primavera. O ouvido é consagrado como o intérprete dos significados da existência. A arte de ouvir pode preservar-nos do niilismo que é impotente para compreender o significado do mundo.

O autorIgnasi Fuster

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