Com o coração de um pai: era assim que José amava Jesus, chamado nos quatro Evangelhos".O filho de José".
Os dois evangelistas, Mateus e Lucas, que registaram a sua figura, pouco dizem sobre ele, mas o suficiente para compreender que tipo de pai ele era e a missão que a Providência lhe confiou.
Sabemos que ele era um humilde carpinteiro (cf. Mt 13,55), desposada com Maria (cf. Mt 1,18; Lc 1,27); um "homem justo" (Mt 1,19), sempre pronto a fazer a vontade de Deus, tal como manifestada na sua lei (cf. Lc 2,22.27.39) e através dos quatro sonhos que teve (cf. Mt 1,20; 2,13.19.22). Após uma longa e árdua viagem de Nazaré a Belém, ele viu o nascimento do Messias numa manjedoura, porque noutro lugar "não havia lugar para eles" (Lc 2,7). Ele testemunhou a adoração dos pastores (cf. Lc 2,8-20) e dos Reis Magos (cf. Mt2,1-12), representando respectivamente o povo de Israel e os povos pagãos.
Teve a coragem de assumir a paternidade legal de Jesus, a quem deu o nome revelado pelo anjo: "Chamareis o seu nome Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados" (Lc 1,15).Mt 1,21). Como sabemos, entre os povos antigos, dar um nome a uma pessoa ou coisa significava adquirir a propriedade, como Adam fez no relato do Génesis (cf. 2:19-20).
No templo, quarenta dias após o nascimento, José, juntamente com a sua mãe, apresentou o Menino ao Senhor e escutou com espanto a profecia que Simeão pronunciou sobre Jesus e Maria (cf. Lc 2,22-35). A fim de proteger Jesus de Herodes, ele permaneceu no Egipto como estrangeiro (cf. Mt 2,13-18). De volta à sua terra natal, viveu escondido na pequena e desconhecida aldeia de Nazaré na Galileia - de onde, dizia-se, "nenhum profeta sai" e "nada de bom pode sair" (cf. Jn 7:52; 1:46) - longe de Belém, sua cidade natal, e de Jerusalém, onde o templo estava localizado. Quando, durante uma peregrinação a Jerusalém, perderam Jesus, que tinha doze anos de idade, ele e Maria procuraram-no com angústia e encontraram-no no templo enquanto ele discutia com os doutores da lei (cf. Lc 2,41-50).
Depois de Maria, Mãe de Deus, nenhum santo ocupa tanto espaço no Magistério papal como José, seu esposo. Os meus predecessores aprofundaram a mensagem contida nos pequenos dados transmitidos pelos Evangelhos para enfatizar o seu papel central na história da salvação: o Beato José, a Mãe de Deus, é um santo da Igreja. Pio IX declarou-o "Patrono da Igreja Católica", o venerável Pío XII apresentou-o como o "Santo Patrono dos Trabalhadores" e santo João Paulo II como "Custódia do Redentor". O povo invoca-o como "Patrono da boa morte".
Por este motivo, no centésimo e cinquentenário do Beato Pio IX, em 8 de Dezembro de 1870, declarando-o Santo padroeiro da Igreja CatólicaGostaria - como diz Jesus - que "a boca falasse daquilo com que o coração está cheio" (cf. Mt 12,34), para partilhar convosco algumas reflexões pessoais sobre esta figura extraordinária, tão próxima da nossa condição humana. Este desejo cresceu durante estes meses de pandemia, em que podemos experimentar, no meio da crise que nos atinge, que "as nossas vidas são tecidas e sustentadas por pessoas comuns - geralmente esquecidas - que não aparecem nas primeiras páginas dos jornais e revistas, nem nas grandes passarelas dos últimos mostrar mas estão sem dúvida a escrever os acontecimentos decisivos da nossa história de hoje: médicos, enfermeiros, armazenistas de supermercado, limpadores, cuidadores, transportadores, forças de segurança, voluntários, padres, freiras e muitos, muitos outros que compreenderam que ninguém se salva sozinho. [Quantas pessoas todos os dias mostram paciência e incutem esperança, tendo o cuidado de não semear o pânico mas sim a co-responsabilidade. Quantos pais, mães, avôs e avós, professores mostram aos nossos filhos, com pequenos gestos quotidianos, como enfrentar e lidar com uma crise readaptando rotinas, levantando os olhos e encorajando a oração. Quantas pessoas rezam, oferecem e intercedem para o bem de todos. Todos podem encontrar em São José - o homem que passa despercebido, o homem da presença diária, discreta e escondida - um intercessor, um apoio e um guia em tempos de dificuldade. São José lembra-nos que todos aqueles que aparentemente estão escondidos ou na "segunda linha" têm um papel inigualável na história da salvação. Uma palavra de reconhecimento e gratidão é dirigida a todos eles.
1. Pai Amado
A grandeza de São José consiste no facto de ter sido o marido de Maria e o pai de Jesus. Como tal, ele "entrou ao serviço de toda a economia da encarnação", como diz São João Crisóstomo.
São Paulo VI observa que a sua paternidade se manifestou concretamente "em ter feito da sua vida um serviço, um sacrifício ao mistério da Encarnação e à missão redentora que lhe está ligada; em ter usado a autoridade legal que lhe correspondeu na Sagrada Família para fazer dela um dom total de si mesmo, da sua vida, do seu trabalho; em ter convertido a sua vocação humana de amor doméstico na oblação sobre-humana de si mesmo, do seu coração e de toda a sua capacidade no amor posto ao serviço do Messias nascido na sua casa".
Devido ao seu papel na história da salvação, São José é um pai que sempre foi amado pelo povo cristão, como demonstra o facto de numerosas igrejas lhe terem sido dedicadas em todo o mundo; que muitos institutos religiosos, irmandades e grupos eclesiais são inspirados pela sua espiritualidade e levam o seu nome; e que durante séculos várias representações sagradas têm sido celebradas em sua honra. Muitos santos tinham uma grande devoção por ele, entre eles Teresa de Ávila, que o tomou como sua advogada e intercessora, confiando-se a ele e recebendo todas as graças que lhe pedia. Encorajado pela sua experiência, o santo persuadiu outros a dedicarem-se a ele.
Em cada livro de orações há uma oração a São José. São-lhe dirigidas invocações particulares todas as quartas-feiras e especialmente durante o mês de Março, tradicionalmente dedicado a ele.
A confiança do povo em São José resume-se na expressão "...".Ite ad Ioseph"que se refere ao tempo da fome no Egipto, quando o povo pediu pão ao Faraó e ele respondeu: "Ide ter com José e fazei o que ele vos disser" (Gn 41,55). Foi José, o filho de Jacob, que os seus irmãos venderam por inveja (cf. Gn 37,11-28) e que - seguindo o relato bíblico - se tornaram posteriormente vice-rei do Egipto (cf. Gn 41,41-44).
Como descendente de David (cf. Mt 1,16.20), de cuja raiz brotaria Jesus, segundo a promessa feita a David pelo profeta Natã (cf. 2 Sam 7), e como marido de Maria de Nazaré, São José é a ligação entre o Antigo e o Novo Testamento.
2. O pai na ternura
José viu Jesus progredir dia após dia "em sabedoria, e em estatura, e em favor de Deus e do homem" (Lc 2,52). Como o Senhor fez com Israel, assim "ensinou-o a andar, e tomou-o nos seus braços: era para ele como um pai que levanta uma criança até às suas bochechas, e se inclina para o alimentar" (cf. Os 11,3-4).
Jesus viu a ternura de Deus em José: "Como um pai tem ternura pelos seus filhos, assim o Senhor tem ternura por aqueles que o temem" (Sal 103,13).
Na sinagoga, durante a oração dos Salmos, José terá certamente ouvido o eco de que o Deus de Israel é um Deus de ternura, que é bom para todos e que "a sua ternura alcança todas as criaturas" (Sal 145,9).
A história da salvação é cumprida acreditando "contra toda a esperança" (Rm 4,18) através das nossas fraquezas. Muitas vezes pensamos que Deus depende apenas da parte boa e conquistadora de nós, quando na realidade a maioria dos Seus desígnios são realizados através e apesar da nossa fraqueza. É isto que faz São Paulo dizer: "Para que eu não fique de luto, tenho um espinho na minha carne, um emissário de Satanás, que me atinge, para que eu não fique de luto. Três vezes pedi ao Senhor que mo tirasse, e Ele disse-me: 'A minha graça é suficiente para vós, pois o meu poder manifesta-se plenamente na fraqueza'" (2 Co 12,7-9).
Se esta é a perspectiva da economia da salvação, temos de aprender a aceitar a nossa fraqueza com uma ternura intensa.
O Maligno faz-nos olhar para a nossa fragilidade com um julgamento negativo, enquanto o Espírito o traz à luz com ternura. A ternura é a melhor maneira de tocar o que há de frágil em nós. O apontar do dedo e o julgamento que fazemos dos outros são frequentemente um sinal da nossa incapacidade de aceitar a nossa própria fraqueza, a nossa própria fragilidade. Só a ternura nos salvará do trabalho do Acusador (cf. Ap 12,10). Por esta razão, é importante encontrar a misericórdia de Deus, especialmente no sacramento da Reconciliação, tendo uma experiência de verdade e ternura. Paradoxalmente, mesmo o Maligno pode dizer-nos a verdade, mas, se o faz, é para nos condenar. Sabemos, contudo, que a Verdade que vem de Deus não nos condena, mas acolhe-nos, abraça-nos, sustenta-nos, perdoa-nos. A verdade surge-nos sempre como o Pai misericordioso da parábola (cf. Lc 15,11-32): vem ao nosso encontro, restaura a nossa dignidade, põe-nos de novo de pé, celebra connosco, porque "o meu filho estava morto e está vivo de novo, perdeu-se e foi encontrado" (v. 24).
É também através da angústia de José que a vontade de Deus, a sua história, o seu plano passa. Assim, José ensina-nos que ter fé em Deus também inclui acreditar que Ele pode agir mesmo através dos nossos medos, das nossas fragilidades, das nossas fraquezas. E ele ensina-nos que, no meio das tempestades da vida, não devemos ter medo de entregar o leme do nosso barco a Deus. Por vezes gostaríamos de ter tudo sob controlo, mas Ele tem sempre uma visão mais ampla.
3. Pai em obediência
Tal como Deus fez com Maria quando lhe revelou o seu plano de salvação, também revelou os seus planos a José através de sonhos, que na Bíblia, como em todos os povos antigos, eram considerados um dos meios pelos quais Deus manifestava a sua vontade.
José ficou muito aflito com a gravidez incompreensível de Maria; não queria "denunciá-la publicamente", mas decidiu "romper o seu noivado em segredo" (Mt 1,19). No primeiro sonho, o anjo ajudou-o a resolver o seu grave dilema: "Não tenhas medo de aceitar Maria, tua esposa, pois o que nela é gerado é do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e lhe chamareis Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados" (Mt 1,20-21). A sua resposta foi imediata: "Quando José acordou do sono, fez o que o anjo do Senhor lhe tinha ordenado" (Mt 1,24). Através da obediência ele superou o seu drama e salvou Maria.
No segundo sonho, o anjo ordenou a José: "Levanta-te, leva a criança e a sua mãe contigo, e foge para o Egipto; fica lá até eu te dizer, pois Herodes vai procurar a criança para o matar" (1).Mt 2,13). José não hesitou em obedecer, sem questionar as dificuldades que poderia encontrar: "Levantou-se, levou a criança e a mãe à noite, e foi para o Egipto, onde permaneceu até à morte de Herodes" (Mt 2,14-15).
No Egipto, José esperou com confiança e paciência pelo aviso prometido pelo anjo para regressar ao seu país. E quando num terceiro sonho o mensageiro divino, depois de o ter informado que aqueles que estavam a tentar matar a criança estavam mortos, ordenou-lhe que se levantasse, que levasse a criança e a sua mãe consigo e que regressasse à terra de Israel (cf. Mt 2:19-20), voltou a obedecer sem hesitação: "Levantou-se, tomou a criança e sua mãe, e entrou na terra de Israel" (Mt 2,21).
Mas na viagem de regresso, "quando soube que Arquelau reinava na Judeia no lugar do seu pai Herodes, teve medo de lá ir e, sendo avisado num sonho - e esta é a quarta vez que isto acontece - retirou-se para a região da Galileia e foi viver para uma aldeia chamada Nazaré" (Mt 2,22-23).
O evangelista Lucas, por seu lado, conta que José fez a longa e desconfortável viagem de Nazaré a Belém, de acordo com a lei do censo do Imperador César Augusto, a fim de ser registado na sua cidade natal. E foi precisamente nesta circunstância que Jesus nasceu e foi registado no censo do Império, como todas as outras crianças (cf. Lc 2,1-7).
São Lucas, em particular, teve o cuidado de sublinhar que os pais de Jesus observaram todas as prescrições da lei: os ritos da circuncisão de Jesus, da purificação de Maria após o parto, da apresentação do primogénito a Deus (cf. 2,21-24).
Em todas as circunstâncias da sua vida, José soube pronunciar o seu "Eu sou um homem".fiat"como Maria na Anunciação e Jesus no Getsémani".
José, no seu papel de chefe da família, ensinou Jesus a ser submisso aos seus pais, de acordo com o mandamento de Deus (cf. Ex 20,12).
Na vida oculta de Nazaré, sob a orientação de José, Jesus aprendeu a fazer a vontade do Pai. Isso tornar-se-á a sua alimentação diária (cf. Jn 4,34). Mesmo no momento mais difícil da sua vida, que foi no Getsêmani, ele preferiu fazer a vontade do Pai e não a sua própria vontade e tornou-se "obediente até à morte [...] na cruz" (Flp 2,8). Por conseguinte, o autor da Carta aos Hebreus conclui que Jesus "aprendeu a obediência pelo sofrimento" (5,8).
Todos estes acontecimentos mostram que José "foi chamado por Deus para servir directamente a pessoa e missão de Jesus através do exercício da sua paternidade; desta forma ele coopera na plenitude dos tempos no grande mistério da redenção e é verdadeiramente um "ministro da salvação"".
4. Pai em hospitalidade
José acolheu Maria sem condições prévias. Ele confiou nas palavras do anjo. "A nobreza do seu coração tornou-o subordinado à caridade, o que tinha aprendido por lei; e hoje, neste mundo onde a violência psicológica, verbal e física contra as mulheres é patente, José apresenta-se como um homem respeitoso e delicado que, embora não tivesse toda a informação, decidiu pela reputação, dignidade e vida de Maria. E, na sua dúvida sobre como fazer o que era melhor, Deus ajudou-o a escolher, iluminando o seu julgamento".
Muitas vezes ocorrem acontecimentos nas nossas vidas cujo significado não compreendemos. A nossa primeira reacção é muitas vezes de desilusão e rebelião. Joseph põe de lado o seu raciocínio para dar lugar ao que acontece e, por mais misterioso que lhe pareça, acolhe-o, assume a responsabilidade e reconcilia-se com a sua própria história. Se não nos reconciliarmos com a nossa história, não poderemos sequer dar o passo seguinte, porque seremos sempre prisioneiros das nossas expectativas e das desilusões que se seguem.
A vida espiritual de José não nos mostra um caminho que explicamas um caminho que congratula-se com. É apenas desta aceitação, desta reconciliação, que podemos também intuir uma história maior, um significado mais profundo. Parece ecoar as palavras inflamadas de Jó que, quando a sua mulher o convidou a rebelar-se contra todo o mal que lhe sucedeu, respondeu: "Se aceitarmos o bem de Deus, não aceitaremos o mal?Jb 2,10).
José não é um homem que se resigna passivamente. Ele é um protagonista corajoso e forte. Acolher é uma forma em que o dom da força que nos vem do Espírito Santo é manifestado nas nossas vidas. Só o Senhor nos pode dar força para aceitar a vida tal como ela é, para dar lugar mesmo a essa parte contraditória, inesperada e decepcionante da existência.
A vinda de Jesus no nosso meio é um presente do Pai, para que cada um de nós possa reconciliar-se com a carne da sua própria história, mesmo que não a compreendamos totalmente.
Como Deus disse ao nosso santo: "José, filho de David, não tenhas medo" (Mt 1:20), ele parece repetir-nos também: "Não tenham medo! Temos de pôr de lado a nossa raiva e desilusão, e dar espaço - sem qualquer resignação mundana e com uma fortaleza cheia de esperança - para aquilo que não escolhemos, mas que existe. Acolher a vida desta forma introduz-nos a um significado oculto. A vida de cada um de nós pode recomeçar miraculosamente, se encontrarmos a coragem de a viver de acordo com o que o Evangelho nos diz. E não importa se agora tudo parece ter tomado um rumo errado e se algumas questões são irreversíveis. Deus pode fazer flores desabrochar entre as rochas. Mesmo quando a nossa consciência nos censura, Ele "é maior do que a nossa consciência e sabe todas as coisas" (1 Jn 3,20).
O realismo cristão, que não rejeita nada do que existe, regressa mais uma vez. A realidade, na sua misteriosa irredutibilidade e complexidade, é portadora de um sentido de existência com as suas luzes e sombras. Isto faz o apóstolo Paulo afirmar: "Sabemos que todas as coisas trabalham juntas para o bem daqueles que amam a Deus" (Rm 8,28). E Santo Agostinho acrescenta: "Mesmo aquilo a que chamamos mal (etiam ilud quod malum dicitur)". Nesta perspectiva geral, a fé dá sentido a cada acontecimento feliz ou triste.
Portanto, longe de nós pensarmos que acreditar significa encontrar soluções fáceis que consolam. A fé que Cristo nos ensinou é, por outro lado, a fé que vemos em São José, que não procurou atalhos, mas enfrentou "com os olhos abertos" o que lhe estava a acontecer, assumindo a responsabilidade na primeira pessoa.
O acolhimento de José convida-nos a acolher os outros, sem exclusão, tal como eles são, com preferência pelos fracos, porque Deus escolhe o que é fraco (cf. 1 Co 1,27), ele é "pai dos órfãos de pai e defensor das viúvas" (Sal 68,6) e ordena-nos que amemos o estranho. Gostaria de imaginar que Jesus tirou das atitudes de José o exemplo da parábola do filho pródigo e do pai misericordioso (cf. Lc 15,11-32).
5. Pai de coragem criativa
Se a primeira etapa de qualquer verdadeira cura interior é abraçar a própria história, ou seja, criar espaço dentro de nós mesmos mesmo para aquilo que não escolhemos na nossa vida, precisamos de acrescentar outra característica importante: coragem criativa. Isto surge especialmente quando nos deparamos com dificuldades. De facto, quando confrontados com um problema, podemos parar e desistir, ou podemos resolvê-lo de alguma forma. Por vezes, são precisamente as dificuldades que fazem emergir recursos em cada um de nós que nem sequer pensávamos ter.
Muitas vezes, lendo os "Evangelhos da infância", perguntamo-nos porque é que Deus não interveio directa e claramente. Mas Deus actua através de acontecimentos e pessoas. José foi o homem através do qual Deus lidou com os primórdios da história redentora. Ele foi o verdadeiro "milagre" pelo qual Deus salvou a Criança e a sua mãe. O céu interveio confiando na coragem criativa deste homem que, quando chegou a Belém e não encontrou lugar onde Maria pudesse dar à luz, fixou-se num estábulo e arranjou-o para que fosse o mais acolhedor possível para o Filho de Deus que estava a vir ao mundo (cf. Lc 2,6-7). Perante o perigo iminente de Herodes, que queria matar a Criança, José foi de novo alertado num sonho para o proteger, e a meio da noite organizou o voo para o Egipto (cf. Mt 2,13-14).
Uma leitura superficial destas histórias dá sempre a impressão de que o mundo está à mercê dos fortes e poderosos, mas a "boa notícia" do Evangelho é mostrar como, apesar da arrogância e violência dos governantes terrenos, Deus encontra sempre uma forma de cumprir o seu plano de salvação. Mesmo as nossas vidas por vezes parecem estar nas mãos de forças superiores, mas o Evangelho diz-nos que Deus consegue sempre salvar o que é importante, desde que tenhamos a mesma coragem criativa que o carpinteiro de Nazaré, que soube transformar um problema numa oportunidade, colocando sempre a nossa confiança na Providência em primeiro lugar.
Se por vezes parece que Deus não nos ajuda, isso não significa que Ele nos tenha abandonado, mas que Ele confia em nós, no que podemos planear, inventar, encontrar.
É a mesma coragem criativa demonstrada pelos amigos do paralítico que, a fim de o apresentar a Jesus, o baixaram do telhado (cf. Lc5,17-26). A dificuldade não impediu a ousadia e a obstinação destes amigos. Estavam convencidos de que Jesus podia curar o doente e "quando não puderam trazê-lo por causa da multidão, subiram ao topo da casa e desceram-no na maca através dos azulejos e colocaram-no no meio da multidão em frente de Jesus. Jesus, vendo a sua fé, disse ao paralítico: "Homem, os teus pecados são perdoados" (vv. 19-20). Jesus reconheceu a fé criativa com que estes homens tentaram trazer até ele o seu amigo doente.
O Evangelho não dá qualquer informação sobre quanto tempo Maria, José e a Criança permaneceram no Egipto. O que é certo, porém, é que eles devem ter precisado de comer, encontrar uma casa, um emprego. Não é preciso muita imaginação para preencher o silêncio do Evangelho a este respeito. A Sagrada Família teve de enfrentar problemas concretos como todas as outras famílias, como muitos dos nossos irmãos e irmãs migrantes que ainda hoje arriscam as suas vidas, forçados pela adversidade e pela fome. A este respeito, acredito que São José é de facto um santo padroeiro especial para todos aqueles que têm de deixar a sua pátria devido à guerra, ódio, perseguição e miséria.
No final de cada história em que José é o protagonista, o Evangelho observa que ele se levantou, pegou na Criança e na sua mãe e fez o que Deus lhe tinha ordenado (cf. Mt 1,24; 2,14.21). De facto, Jesus e Maria, a sua mãe, são o tesouro mais precioso da nossa fé.
No plano de salvação, o Filho não pode ser separado da Mãe, aquela que "avançou na peregrinação da fé e manteve fielmente a sua união com o seu Filho até à cruz".
Devemos sempre perguntar-nos se estamos a proteger com todas as nossas forças Jesus e Maria, que estão misteriosamente confiados à nossa responsabilidade, aos nossos cuidados, à nossa custódia. O Filho do Todo-Poderoso vem ao mundo numa condição de grande fraqueza. Precisa que Joseph seja defendido, protegido, cuidado, cuidado, cuidado. Deus confia neste homem, tal como Maria, que encontra em José não só aquele que quer salvar a sua vida, mas também aquele que sempre velará por ela e pela Criança. Neste sentido, São José não pode deixar de ser o Guardião da Igreja, porque a Igreja é a extensão do Corpo de Cristo na história, e ao mesmo tempo, na maternidade da Igreja, a maternidade de Maria manifesta-se. José, enquanto continua a proteger a Igreja, continua a proteger a Igreja e, ao mesmo tempo, a ser a mãe de Maria. à Criança e à sua mãee nós também, amando a Igreja, continuamos a amar a Igreja, e nós também, amando a Igreja, continuamos a amar a Igreja. à Criança e à sua mãe.
Esta Criança é aquela que dirá: "Digo-vos a verdade, sempre que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequenos, foi a mim que o fizestes" (1).Mt 25,40). Assim, cada pessoa necessitada, cada pobre, cada pessoa que sofre, cada moribundo, cada estrangeiro, cada prisioneiro, cada doente são "a Criança" que José continua a cuidar. É por isso que S. José é invocado como o protector dos indigentes, dos necessitados, dos exilados, dos aflitos, dos pobres, dos moribundos. E é pela mesma razão que a Igreja não pode deixar de amar os pequenos, porque Jesus deu-lhes a sua preferência, identifica-se pessoalmente com eles. De José devemos aprender o mesmo cuidado e responsabilidade: amar a Criança e a sua mãe; amar os sacramentos e a caridade; amar a Igreja e os pobres. Em cada uma destas realidades há sempre a Criança e a sua mãe.
6. Pai trabalhador
Um aspecto que caracteriza São José e que tem sido enfatizado desde a época da primeira encíclica social, a Rerum novarum de Leão XIII, é a sua relação com o trabalho. São José era um carpinteiro que trabalhava honestamente para sustentar a sua família. Com ele, Jesus aprendeu o valor, dignidade e alegria do que significa comer o pão que é o fruto do próprio trabalho.
Na nossa era actual, quando o trabalho parece ter-se tornado novamente uma questão social urgente e o desemprego atinge por vezes níveis impressionantes, mesmo naquelas nações que durante décadas experimentaram um certo bem-estar, é necessário, com uma consciência renovada, compreender o significado do trabalho que dá dignidade e do qual o nosso santo é um patrono exemplar.
O trabalho torna-se uma participação na própria obra de salvação, uma oportunidade para apressar a vinda do Reino, para desenvolver o próprio potencial e qualidades, colocando-os ao serviço da sociedade e da comunhão. O trabalho torna-se uma oportunidade de realização não só para si próprio, mas sobretudo para aquele núcleo original da sociedade que é a família. Uma família sem trabalho está mais exposta a dificuldades, tensões, fracturas e mesmo à tentação desesperada e desesperada da dissolução. Como podemos falar de dignidade humana sem nos comprometermos a assegurar que cada pessoa tenha a possibilidade de um modo de vida digno?
A pessoa que trabalha, qualquer que seja a sua tarefa, colabora com o próprio Deus, torna-se um pouco o criador do mundo que nos rodeia. A crise do nosso tempo, que é uma crise económica, social, cultural e espiritual, pode representar para todos um apelo a redescobrir o significado, a importância e a necessidade do trabalho, a fim de dar origem a uma nova "normalidade" na qual ninguém é excluído. A obra de São José lembra-nos que Deus fez o homem não desdenhou o trabalho. A perda de trabalho que afecta tantos irmãos e irmãs, e que aumentou nos últimos tempos devido à pandemia de Covid-19, deve ser um apelo à revisão das nossas prioridades. Imploremos a São José Operário que encontremos formas de dizer: Nenhum jovem, nenhuma pessoa, nenhuma família sem trabalho!
7. Pai Sombra
O escritor polaco Jan Dobraczyński, no seu livro A sombra do Paiescreveu um romance sobre a vida de São José. Com a imagem evocativa da sombra ele define a figura de José, que para Jesus é a sombra do Pai celestial na terra: ele ajuda-o, protege-o, nunca abandona o seu lado para seguir as suas pegadas. Pensemos no que Moisés recorda a Israel: "No deserto, onde viste como o Senhor, teu Deus, te vigiava como um pai vigia o seu filho durante todo o caminho do deserto" (Dt 1,31). Desta forma, José exerceu a paternidade durante toda a sua vida.
Ninguém nasce pai, mas torna-se pai. E não nos tornamos um só ao trazer uma criança ao mundo, mas ao cuidar dela de forma responsável. Sempre que alguém assume a responsabilidade pela vida de outra pessoa, num certo sentido, está a exercer a paternidade para com essa outra pessoa.
Na sociedade actual, as crianças parecem muitas vezes ser órfãs de pai. A Igreja de hoje também precisa de pais. A admoestação dirigida por S. Paulo aos Coríntios é sempre oportuna: "Podeis ter dez mil instrutores, mas não tendes muitos pais" (1 Co 4,15); e cada sacerdote ou bispo deveria poder dizer como o Apóstolo: "Fui eu que vos gerei para Cristo, pregando-vos o Evangelho" (ibidem.). E aos Gálatas ele diz: "Meus filhos, para quem estou de novo em trabalho até Cristo ser formado em vós" (4,19).
Ser pai significa introduzir a criança na experiência da vida, na realidade. Não para o deter, não para o aprisionar, não para o possuir, mas para o tornar capaz de escolher, de ser livre, de sair. Talvez seja por esta razão que a tradição também tenha dado a Joseph o apelido de "castísimo" (o mais casto), juntamente com o de pai. Não é uma indicação meramente afectiva, mas a síntese de uma atitude que exprime o oposto de possuir. A castidade reside em estar livre do desejo de possuir em todas as áreas da vida. Só quando um amor é casto é que é um verdadeiro amor. O amor que quer possuir, no final, torna-se sempre perigoso, aprisiona, sufoca, torna infeliz. O próprio Deus amou o homem com amor casto, deixando-o livre até para errar e voltar-se contra si mesmo. A lógica do amor é sempre uma lógica de liberdade, e José foi capaz de amar de uma forma extraordinariamente livre. Ele nunca se colocou no centro. Soube descentralizar-se, colocar Maria e Jesus no centro da sua vida.
A felicidade de José não está na lógica do auto-sacrifício, mas no dom de si mesmo. A frustração nunca é percebida neste homem, mas apenas a confiança. O seu silêncio persistente não contempla queixas, mas sim gestos concretos de confiança. O mundo precisa de pais, rejeita mestres, ou seja: rejeita aqueles que querem usar a posse do outro para preencher o seu próprio vazio; rejeita aqueles que confundem autoridade com autoritarismo, serviço com servidão, confronto com opressão, caridade com assistência, força com destruição. Toda a verdadeira vocação nasce do dom de si, que é o amadurecimento do simples sacrifício. Este tipo de maturidade é também necessária no sacerdócio e na vida consagrada. Quando uma vocação, seja na vida conjugal, celibatária ou virginal, não atinge a maturidade da doação, parando apenas na lógica do sacrifício, então em vez de se tornar um sinal da beleza e alegria do amor, corre o risco de expressar infelicidade, tristeza e frustração.
A paternidade que recusa a tentação de viver a vida dos filhos está sempre aberta a novos espaços. Cada criança traz sempre consigo um mistério, algo desconhecido que só pode ser revelado com a ajuda de um pai que respeita a sua liberdade. Um pai que está consciente de que completa a sua acção educativa e que vive plenamente a sua paternidade apenas quando se tornou "inútil", quando vê que a criança se tornou autónoma e caminha sozinha pelos caminhos da vida, quando se coloca na situação de José, que sempre soube que a Criança não era sua, mas que tinha sido simplesmente confiada aos seus cuidados. Afinal, é isso que Jesus sugere quando diz: "Não chamem 'pai' a nenhum de vós na terra, pois só há um Pai, o Pai que está nos céus.Mt 23,9).
Sempre que nos encontramos na condição de exercer a paternidade, devemos lembrar que nunca é um exercício de posse, mas um "sinal" que evoca uma paternidade superior. Num certo sentido, todos nos encontramos na condição de José: sombra do único Pai celeste, que "faz o sol nascer sobre o mal e o bem, e envia chuva sobre os justos e os injustos" (Mt 5,45); e sombra que segue o Filho.
* * *
"Levanta-te, leva a criança e a sua mãe contigo" (Mt 2:13), disse Deus a S. José.
O objectivo desta Carta Apostólica é crescer no amor por este grande santo, para que possamos ser levados a implorar a sua intercessão e imitar as suas virtudes, assim como a sua resolução.
De facto, a missão específica dos santos não é apenas conceder milagres e graças, mas também interceder por nós perante Deus, tal como o fizeram Abraão e Moisés, tal como faz Jesus, "o único mediador" (1 Tm 2,5), que é o nosso "advogado" perante Deus Pai (1 Jn 2,1), "já que vive para sempre para interceder por nós" (Hb 7,25; cf. Rm 8,34).
Os santos ajudam todos os fiéis "à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade". A sua vida é uma prova concreta de que é possível viver o Evangelho.
Jesus disse: "Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração" (Mt 11,29), e são, por sua vez, exemplos de vida a imitar. São Paulo exortou explicitamente: "Vivam como imitadores de mim" (1 Co 4,16). São José disse-o através do seu eloquente silêncio.
Antes do exemplo de tantos santos, Santo Agostinho perguntou-se: "Não podeis fazer o que estes homens e mulheres fizeram? E assim ele chegou à conversão definitiva, exclamando: "Tão tarde te amei, beleza tão velha e tão nova!
Resta apenas implorar a São José a graça das graças: a nossa conversão.
A ele dirijamos a nossa oração:
Salve, guardião do Redentor
e marido da Virgem Maria.
A ti Deus confiou o seu Filho,
Maria depositou em si a sua confiança,
convosco Cristo foi forjado como um homem.
Ó José abençoado,
mostre-se também um pai para nós
e guiar-nos no caminho da vida.
Concede-nos graça, misericórdia e coragem,
e defender-nos de todo o mal. Ámen.
Roma, em São João de Latrão, 8 de Dezembro, Solenidade da Imaculada Conceição da Santíssima Virgem Maria, no ano 2020, o oitavo do meu Pontificado.
Francisco