No Novo Testamento, especialmente em São Paulo, os carismas são vistos como dons particulares que, a partir do baptismo, permitem aos diferentes membros da Igreja encontrar o seu lugar e o seu papel específico e complementar, para o bem e crescimento de todo o Corpo. Pode esta noção ser alargada a realidades que não são apenas pessoais mas comunitárias, como os novos movimentos e comunidades? A terminologia paulina alude tanto a realidades essenciais ou estruturais para a Igreja, como a dons de carácter mais circunstancial, que o Espírito Santo lhe concede num dado momento para enfrentar os desafios particulares da época. O Concílio Vaticano II reservou a noção de carisma para dons de natureza circunstancial (cf. Lumen GentiumA Igreja distinguiu-os dos "sacramentos e ministérios" e dos "dons hierárquicos", e ao mesmo tempo assinalou que eram dirigidos aos "fiéis de todas as ordens".
A noção de carisma no sentido comunitário foi logo aplicada ao campo da vida consagrada. O Senhor não deixou de levantar formas de vida consagrada que respondiam às necessidades concretas do seu tempo, em muitos casos fora da programação da Igreja e da Igreja. pastoral hierárquicaA livre iniciativa do Espírito Santo tem-se manifestado. Por outro lado, no século XX, surgiram também várias formas de movimentos e comunidades que são adequadas para reforçar o apelo à santidade e à evangelização entre os baptizados. O Concílio Vaticano II abordou-os do ponto de vista da vida baptismal: os fiéis podem agir por iniciativa própria de muitas maneiras, sem esperar que a hierarquia os autorize ou os assuma. Poder-se-ia mesmo falar de um direito do próprio Espírito Santo de levantar na Igreja formas originais de santidade, fecundidade e apostolado (cf. Carta Ecclesia IuvenescitCongregação para a Doutrina da Fé, 2016).
Quando nasce uma nova comunidade ou um novo movimento, que responsabilidade pode a hierarquia eclesiástica exercer? As iniciativas do Espírito Santo nem sempre são óbvias: existe um fosso entre o que acontece visivelmente e a origem a ser-lhe atribuída. Pode ser uma iniciativa do Espírito Santo, ou um fruto mais ou menos feliz do simples génio humano, ou mesmo uma influência do Maligno. O discernimento é necessário, e os pastores são chamados a "julgar a autenticidade destes dons e a sua correcta utilização". (LG n. 12); identificá-los, apoiá-los, ajudá-los a integrarem-se na comunhão da Igreja e, quando necessário, corrigir desequilíbrios.
O acompanhamento pastoral de novas comunidades requer uma atenção especial. Nos últimos anos, houve escândalos relativos aos fundadores de alguns deles, por vezes conhecidos precisamente pela sua fecundidade e dinamismo. Deve ser dada consideração ao próprio fundador e ao seu equilíbrio espiritual, bem como ao funcionamento da comunidade à sua volta. Em certo sentido é toda a comunidade que constitui o sujeito fundamental do carisma comunitário, que inclui dons, capacidades e talentos que o fundador não encontra em si próprio mas nos seus irmãos, e deste ponto de vista é o servidor do seu desenvolvimento. O mistério do encontro entre a graça divina e a miséria humana deve ser sempre tido em conta. Os dons de Deus e os pecados dos homens estão de certo modo interligados; o pecado pode perverter a partir do exercício de carismas inicialmente autênticos, ou vice-versa, a grande miséria do possuidor de um carisma pode tornar mais evidente a sua origem divina.
O acompanhamento eclesial de novas comunidades e dos seus próprios carismas requer tanto benevolência como autoridade. Carismas genuínos poderiam sobreviver num estado paradoxal, dando frutos inegáveis, ao mesmo tempo que são, por assim dizer, desequilibrados. Podemos dizer que, como a árvore é má, os frutos são necessariamente maus? Pode algo ser salvo? O comportamento iníquo do fundador nem sempre será suficiente para concluir que a comunidade não pode ser reconhecida como uma boa árvore como um todo. Seria oportuno trazer à luz as intuições espirituais e apostólicas que explicam os frutos, e dissociá-los das derivas que os afectaram; a tentação de uma espécie de "damnatio memoriae" que eliminaria toda a referência ao fundador deveria normalmente ser evitada; deveríamos discernir na sua vida, escritos e acções o que requer correcção e purificação, e o que contribuiu para os bons frutos que se seguiram, identificar as disfunções e abusos, localizar as suas causas e, se necessário, tirar as consequências nas modificações a fazer às normas.
Os problemas são numerosos e complexos. Mas é significativo que nos últimos anos, em várias ocasiões, a escolha da autoridade eclesiástica tenha consistido na tentativa de salvar as comunidades em causa. Isto só é possível se acreditarmos que, apesar dos escândalos e da acção do Maligno, o facto de certos bons frutos só poderem ser explicados pela acção de um autêntico carisma, que deve ser trazido à luz. A longo prazo, podemos esperar que a indignidade de alguns só faça sobressair mais claramente a acção do Espírito Santo.
Professor na Pontifícia Universidade Lateranense.